41| Cair

16 3 1
                                    

Havia passado a noite acordada, encolhida no canto da cama, pensando nos últimos meses. Tudo havia sido tão intenso, eu passei por tantas coisas. Esses pensamentos sempre me levavam a uma única pessoa. Carter.

Tinha sido um erro me evolver com ele, e maior ainda, usá-lo como minha motivação para sair de Conrad. Agora parecia ter sido tudo em vão, no fundo eu sabia que não era, mas devido a situação em que me encontrava, realmente parecia ter sido em vão.

Meus olhos ardiam de tanto chorar. Queria voltar para minha casa, em Seattle, ter a vidinha normal e pacata. Porém, não podia, percebi a muito tempo que isso não era um sonho, e seria praticamente impossível voltar para Seattle.

Eram quase onze da manhã, mas mantive o blackout no vidro da janela, pois mau conseguia manter os olhos abertos no escuro, que dirá na claridade.

Também não fui ao café da manhã, nem fiz questão de pedir para trazerem até mim. 

Tentei convencer Kimmy que não precisava de nada, mas ela trouxe uma enfermeira até meu quarto e praticamente derrubou a porta para entrar.

— Eu disse que não preciso de nada, estou bem — minto, descaradamente.

— Está tão bem, que não come nada a horas e... seus olhos estão inchados — disse ela, agarrado o controle da minha mão e desativando o modo blackout da janela.

Fecho imediatamente os olhos, e apoio a mão sobre a testa.

Minha cabeça latejava, de tanto que doía.

A enfermeira me perguntou uma série de coisas, colocou vários dispositivos nos meus dedos, checou minha pressão, e utilizou um aparelho que parecia um mini celular para ver minha temperatura.

Depois, utilizei o tablet de vidro para responder a um questionário de cinco perguntas que determinavam minhas condições mentais. Provavelmente o resultado seria: seriamente afetado.

—  Tenho notícias desagradáveis. Com base no que falou, e no resultado dos exames, você foi diagnosticada com transtorno de ansiedade. Vou escrever para a ala hospitalar algumas sessões com psicólogos bons para você. Além disso, vou receitar alguns medicamentos, calmantes e remédios para poder dormir. Também recomendo um acompanhamento com um cardiologista, pois teve contato direto com o frio extremo então seria bom. —  avaliou.

— Transtorno de ansiedade? — repetiu Kimmy.

— Sim... — disse a enfermeira, mostrando o tablet com o resultado.

A enfermeira me deu alguns comprimidos, e  deixou a receita de outros com Kimmy.

Assim que ela saiu, Kimmy ativou o blackout novamente e disse:

— Tente descansar, vou resolver isso aqui na enfermaria para você.

Ela se aproximou e me deu um beijo na testa. Kimmy era uma irmã mais velha, quase uma segunda mãe.

— Obrigada — digo, e ela fecha a porta.

Sentia o remédio fazendo efeito.

°°°

Assim que acordei me sentia um pouco melhor,  ainda sim sentia o peso dado dia anterior, mas com mais disposição.

Olhei para o lado e vi Ben. Levei um susto e caí da cama.

—  Joy, você está bem? — perguntou, se referindo ao fato de eu estar caída no chão.

Ele me ajudou a levantar, então respondi:

— Agora estou melhor.

— Eu senti sua falta. Também queria me desculpar pelo episódio no observatório, fui um tremendo babaca naquele dia — admitiu logo de cara.

— Por que não veio se despedir de mim, naquela manhã? 

— Eu tinha ido visitar meus parentes em Coryland, na serra. Quando voltei, já era tarde  —  contou.

—  Uau, então foi se isolar numa montanha para pensar? Isso parece enredo de um livro que eu li — digo, relembrando dos tempos em Seattle.

— Que livro?

— Ah, de um vampirinho, uma donzela e um lobisomem, mas isso não vem ao caso. Fico feliz em saber que percebeu sua criancice daquele dia — digo.

— Um abraço? — disse ele, estendendo os abraços. Abraço-o sentindo que deixamos aquela história boba de lado.

— Kimmy me contou de Conrad, e sua fuga. — disse ele, sentando na cadeira da mesinha, próxima a lareira.

— Hm, e o que mais a senhorita Kimmy te contou? — perguntei, brincando.

— Ela disse que está tendo transtorno de ansiedade, é verdade?

— Sim — digo brevemente, tentando parecer indiferente quanto a esse fato. 

— Quer jogar alguma coisa?

— Hm, pode ser, tem alguns tabuleiros ali em baixo. —  Apontei para a estante na parede.

Jogamos partidas de dama e xadrez. Era bom distanciar minha mente por um tempo, mantê-la longe dos problemas atuais e focar em apenas peões no tabuleiro.

Ben tentou tocar no assunto do casamento diversas vezes durante as partidas, porém, me esguiei de todas. Aquele fato ainda não me descia a garganta, tentava aguentar o máximo de tempo sem pensar em Carter e no últimos mês, mas era praticamente impossível. Talvez sejam as circunstâncias, ou eu realmente não conseguiria digerir que Carter será casado em poucas semanas. Isso apenas o tempo dirá.

Terminamos a noite de jogos por volta das sete da noite. Ben foi embora pouco tempo depois.

A vista naquela noite não era mais tão especial quanto a de alguns meses atrás. Hoje, ela não passava de uma cidade industrial de alta tecnologia, com painéis coloridos, prédios extremamente altos e drones sobrevoando.

Optei por ativar o modo "paisagem artificial" da janela de vidro polido. Passei por praticamente todas as disponíveis e nenhuma pareceu me satisfazer.

Tudo parecia me incomodar, eu não ficava contente e satisfeita por nada.

Sem querer, vagava pelos meus milhares de pensamentos, quando esbarrei na doce e aconchegante memória de minha última noite com Carter. 

Aquilo me deixou alegre e avoada por um momento, até eu seguir com o filme em minha mente, e chegar no agora.

Seria ironia demais sentir que estou caindo em minhas próprias ruínas?

Depois de cair, literalmente, em tantos lugares, nada mais intrigante e irônico que cair nas minhas inseguranças e medos. Eu me apavorava pelo fato de, dessa vez, não enxergar o chão.

Com certeza era satisfatório para a Primeira Dama poder manipular os sentimentos de todos, incluindo o dela. Distribuiu para Carter a mágoa e culpa, para Kimmy a sensação de impoder e, para mim, atribuiu o verbo "cair" como uma flecha, cravada no alvo com sucesso. Agora, ela conquistava não a felicidade, mas sim a sensação de controle.

Sinto que começo a ter uma breve noção das peças no tabuleiro. Percebo como cada um faz sua jogada, os truques e cartas na manga de cada um. Ainda não sei se estamos jogando em times ou cada um por si, mas sei que devo começar a arquitetar minhas jogadas, ou vou atingir o chão com mais voracidade que o esperado.




Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora