Capítulo 30

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Logo após o jantar, passei em meu quarto apenas para escovar os dentes e conferir se o visual estava nos conformes, embora meus pais tenham insistido que queriam conversar comigo ainda essa noite, aleguei que não podia adiar novamente meu compromisso com Stuart e eles concordaram que poderíamos falar sobre aquela reunião horrorosa amanhã de manhã.

Assim que cheguei à entrada da sala que abrigava o pequeno ateliê, notei que Stuart já estava me aguardando.

- Boa noite, alteza! Por favor, entre. - disse estendendo-me uma aquarela.

- Boa noite Stuart! Obrigada! - exclamei com ávida empolgação enquanto pegava o objeto.

Corri os olhos pelas obras espalhadas pelo quarto, muitas ainda inacabadas e parei diante da tela em branco que descansava sobre um cavalete ao centro do cômodo.

- Por onde começamos? - questionei.

- Bom, primeiramente eu preciso saber qual o seu conhecimento prévio sobre a arte pintura "na prática", para isso você terá de colocar a mão na massa, ou melhor, da tinta e pintar algo, qualquer coisa, para que eu possa...

- Me avaliar? - completei pois ele estava visivelmente hesitante em relação ao final da frase.

- É... não queria usar essa palavra, mas acredito que é mais ou menos isso... - admitiu enquanto suas faces se coloriam de vermelho.

Não queria que ele se sentisse sem graça por algo tão simples, mas não sabia ao certo o que fazer, então resolvi que o ideal era escolher de uma vez o que tentaria retratar. Não foi muito difícil encontrar uma paisagem que serviria bem à situação: a janela da sala estava aberta as cortinas brancas que bailavam ao ritmo da brisa emolduravam um céu com poucas estrelas, mas a lua estava cheia e reluzente.

Fiz um esboço inicial a lápis. Um detalhe de cada vez, com bastante calma, conforme as orientações de Stuart. Entretanto, quando olhei o resultado fiquei um tanto decepcionada. Há muito tempo que não realizo nenhuma atividade artística desse tipo, mas não imaginei que estivesse tão enferrujada.

- Não está tão ruim! - declarou meu "professor" ao interpretar a expressão em meu rosto.

- Está horrível! Parece apenas um emaranhado de formas geométricas desconexas.

- É porque você ainda não deu vida a nenhuma das formas. Olha, vou te ensinar uma técnica que pode usar nas cortinas. Escolha um pincel, e a cor que deseja usar, por favor.

Peguei um pincel de espessura mediana e ele assentiu em meio a um sorriso de aprovação. A ação se repetiu quando mergulhei a extremidade felpuda do objeto numa tonalidade branco-amarelada que se encontrava disponível na aquarela.

Porém, nesse instante Stuart se aproximou tanto que pude sentir seu peito roçar por minhas costas. Na sequência, ele colocou a mão sobre a minha:

- Posso? - questionou.

Apenas assenti, embora eu ainda estivesse de costas, ele percebeu meu gesto e, segurando meu punho direito, guiou o pincel rumo à tela, mostrando-me o caminho certo para manter o controle e a leveza em cada movimento. Enquanto ouvia sua respiração acelerada, em contraste com o semblante concentrado, concluímos a primeira metade da cortina e ele soltou minha mão colocando-se ao meu lado.

Quando parei para contemplar a imagem, fiquei boquiaberta: tons claros se dispunham num degradê que retratava perfeitamente a tonalidade do tecido sob a iluminação noturna.

- A primeira parte nós fizemos juntos, porém a segunda é preciso que você faça a segunda sozinha. Alguma dúvida até aqui?

Diante de seu questionamento, repassei a última meia hora em minha mente. Stuart me guiou com tanta calma e serenidade, que consigo lembrar de cada uma das cores combinadas, bem como da ordem e até da maneira de correr o pincel sobre a tela. Ele tem uma metodologia peculiar, porém parece ter funcionado muitíssimo bem.

Decidi que precisava dizer-lhe o quanto aquilo havia sido incrível, entretanto, no instante em que me virei para agradecê-lo, a saia de meu vestido esbarrou no cavalete que dava suporte a uma de suas obras em andamento, provocando um verdadeiro "efeito dominó" sobre todas as que se encontravam dispostas pelo chão daquela parte da sala.

Devido ao susto, coloquei uma das mãos sobre o peito e a outra abafava um grito.

- Minha nossa! Eu estraguei muita coisa? Me desculpa, Stuart! - pedi enquanto me abaixava para analisar os prejuízos que havia causado.

Contudo, ele me deteve, ao colocar a mão, com suavidade, sobre meu cotovelo, fazendo com que meus olhos encontrassem os dele.

- Está tudo bem! Não se preocupe, todas elas já estão secas. - indicou as telas desorganizamente espalhadas pelo chão.

- Sério?

- Sim! Além do mais, eu vivo fazendo isso. - declarou antes de libertar a gargalhada que tentava conter.

Tive de rir junto e quando paramos eu já não me sentia tão mal pelo pequeno acidente.

- Ah, Stuart, tudo isso só aconteceu porque eu queria te agradecer por ter me ensinado a fazer algo assim. - apontei a pintura em andamento, que permanecia em perfeito estado sobre o cavalete.

- Ora, não há de quê. - afirmou de modo encabulado, um novo sorriso desenhava-se na linha formada por seus lábios e estendia-se aos olhos, profundamente azuis.

Mergulhei no mar que eram suas íris e só voltei a mim quando seus lábios semiabertos se aproximaram dos meus. Instintivamente, me afastei daquele toque. Não estava preparada para beijá-lo naquele momento, mas... porquê?! Não havia nenhuma resposta a não ser a surpresa por sua atitude ousada. Quis voltar alguns segundos no tempo e permitir que o beijo acontecesse. Mas já era tarde demais.

- Eu... acho que podemos deixar o resto para a próxima aula? Acabei demorando tempo demais com o esboço e... precisamos dormir, não é mesmo? - as palavras dispararam de minha boca antes que o constrangimento se prolongasse mais.

- Sim, sim. É claro que podemos deixar para outro dia... - sua voz transparecia a tensão presente em seu olhar

- Eu mando um recado para você combinando isso antes do final dessa semana, pode ser?

- Pode sim! - ele pareceu reanimar-se um pouco.

- Okay... então... vamos?

- Ah, eu ainda preciso lavar os pincéis.

- Quer ajuda?

- Na verdade é bem simples e rápido.

- Entendi. Acho que vou indo. Bom descanso Stuart!

- Durma bem, Alteza! - em seu rosto pude ver a sinceridade mesclar-se à decepção quando seus lábios se arquearam, mas os olhos azuis continuaram apagados.

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