As palavras de Patrick ainda estão passeando pela minha mente. Repito para mim mesma que seu ponto de vista só pode estar relacionado aquela foto.
Deixo-me afundar na cadeira estofada do escritório e começo a recordar como eram as coisas antes dessa nuvem de corvos rebeldes pairar sobre Illéa.
Meus pais tentavam solucionar os problemas do reino a medida que tomavam conhecimento deles. Eu observava suas ações e até participava de algumas reuniões, mas meu único dever era preparar-me para o dia que chegasse a minha vez de governar.
Desde a infância me disseram que toda menina carrega consigo o sonho de ser uma princesa e que por isso eu devo ser muito grata por ter esse privilégio. Mas se a maioria das pessoas soubesse como pode ser complexo ocupar esse lugar na sociedade, iriam mudar suas opiniões.
Além dos vestidos finos, dos bailes luxuosos e dos príncipes galantes existem as obrigações que, definitivamente, não são um mar de rosas.
Certas vezes o peso da coroa parece elevado demais. Não são raras as ocasiões nas quais me flagro pensando: como seria se eu fosse apenas uma jovem comum de Illéa?
Poderia sair caminhando pelas ruas ou fazer piqueniques a sombra das palmeiras das praças sem ninguém supervisionando cada um dos meus passos, sem receber nenhum olhar de espanto pela minha simples presença ali.
Certamente eu trabalharia com fotografia, tocaria violão em uma banda de indie pop e não precisaria escolher alguém para caminhar comigo até que meu próprio coração quisesse isso.
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Nem sequer percebi quando, mas acabei adormecendo, acordei com batidas apressadas e aflitas na porta.
Levantei-me da cadeira e fui abrí-la, ainda zonza pelo sono.Era um dos guardas. Veio avisar-me que meus pais precisariam do escritório para uma nova reunião, agendada para começar dentro de vinte minutos.
Queria ser uma formiga para permanecer na sala sem que minha presença fosse notada. Ultimamente não têm permitido que eu acompanhe todas as reuniões com os ministros, como costumava fazer antes.
Sai do escritório alguns minutos atrás e agora estou em meu quarto revendo os acordes de uma melodia que elaborei algum tempo atrás. Luna está sentada em minha cama costurando algo. De repente ela para, deposita a agulha no cesto e joga o tecido sobre os lençóis.
-Eu não aguento mais te ver assim, Kerttu! - Esbraveja e eu quase derrubo o violino diante do susto.
- Do que está falando?!
- Há um bando de rapazes no andar debaixo, dispostos a dar a vida por um único momento a sós com você. E o que você faz?! Ignora. Simplesmente ignora todos eles.
A encaro surpresa.
- Devo pedir perdão por não ser capaz de flertar enquanto o reino desaba lá fora?!
- Viver em eterno estado de tensão não vai resolver absolutamente nada. Sua seleção ocorrerá somente uma vez na vida. Aproveite!
- Eu deveria ficar zangada agora, mas não vou conseguir. De certa forma você está certa...
- Te deixarei refletindo sobre isso até a hora do jantar alteza! - Faz uma reverência teatral e sai antes que eu possa questionar.
O único problema é que não sobra muito tempo para reflexões já que ela saiu quando faltavam menos de trinta minutos para a refeição. Não demorei muito para me aprontar e assim que cheguei a sala inspirei o ar que carregava um cheiro maravilhoso de molho de tomate. Eu era fã das massas, mas o espaguete do castelo era sem dúvidas a melhor delas. A sobremesa foi uma daquelas tortas de morangos capaz de adoçar até a alma mais amarga.
Somente após o jantar fui informada o motivo do cardápio especial: Meus avós estavam deixando o país, por tempo indeterminado. Os olhos cansados de vovô Maxon estavam banhados de tristeza nos últimos dias e eu desconhecia a principal razão daquilo.
Minha avó não estava bem de saúde, seu coração alguns anos atrás passou por uma cirurgia muito séria e desde então ela seguia saudável. Agora porém, diante da preocupação, estresse e ansiedade, somados a vontade de mudar a realidade que assola o país, ela acabou por se descuidar de si mesma. Preferiu não tornar público o fato de que vinha tendo tonturas com frequência, além da pressão arterial estar bastante inconstante. Os médicos disseram que trata-se de falta de oxigenação adequada e que ela precisa não apenas de remédios, mas também de relaxar.
Por isso iriam, a contragosto de Dona América Singer, para o Brasil. Os médicos garantiram que o clima tropical certamente a faria bem e vovô acatou prontamente a sugestão.
Assim que me despedi subi ao meu quarto. Sei que é extremamente egoísta da minha parte mas me sinto, de certa forma traída. Não me contaram absolutamente nada sobre esse problema até a noite de hoje. O "não querer tornar público" incluía a mim e ao meu irmão. Mas como isso pôde acontecer por todos esses dias sem que eu sequer desconfiasse?!
Não acredito que estou chorando novamente. Mas não encontro forma melhor de desabafar o que estou sentindo.
Seco o rosto com as costas das mãos no instante em que ouço a maçaneta girar. Por sorte é apenas Luna que veio desejar boa noite e conferir se preciso de algo. Quando ela deixa o quarto recomeço a chorar, permanecendo assim até conseguir, enfim, adormecer.
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Infelizmente acabei acordando poucas horas depois. Senti que meus olhos estavam inchados e minha garganta precisava de água. Olhei para o jarro que sempre fica sobre o criado mudo. Estava vazio, eu raramente tenho sede a noite, por isso não costumo pedir que reponham. Ao lado do jarro há um despertador, marcando 02:14 da madrugada.
Percebo que não conseguirei adormecer novamente a não ser que tome água. Decido ir à cozinha, mas antes passo no banheiro refrescar o rosto, se não fizesse isso correria o risco de ser confundida com algum tipo de assombração. No espelho encaro o reflexo de um rosto cansado e, agora, molhado. Entretanto a porção de água fria serviu para trazer de volta um pouco de vida ao meu semblante.
Em seguida começo minha caminhada rumo à cozinha. Contudo, algo no segundo andar chama minha atenção. Há um feixe de luz fraco, vindo de um corredor. Aproximei-me da entrada escura, a sombra de um vulto se desenhava pela chama de uma vela. Ele estava sentado com os pés cruzados sobre o sofá estofado próximo a janela. Encarava algo que se encontrava do outro lado dos vidros, estando, portanto, de costas para mim.
Não conseguia indentificar de quem se tratava. Até que resolvi dar um passo à frente e esbarrei em uma mesinha de livros.
- Quem está aí?!
O som firme dessa voz fez meu coração estremecer.
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Alguém curioso (a) para saber quem será essa "figura misteriosa" no corredor?!👀👀👀
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O Novo Príncipe
FanfictionA Seleção representa uma forma inesperada (e desesperada) para lidar com um dos problemas mais sérios que o reino de Illéa já vivenciou. Kerttu Koskinen Schreave se vê obrigada a receber trinta e cinco rapazes no Castelo; concedendo ao povo a sonha...