capítulo 13

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Ainda não consigo compreender como as coisas chegaram a esse ponto. "Uma pessoa morreu" essa é a frase que mais me assombra. Quantas vítimas mais essa rebelião vai trazer?

Talvez eu esteja sendo muito pessimista, mas creio que isso é só o começo.

Sinto tanta falta do otimismo do tio Osten. Ele certamente saberia exatamente como alegrar as coisas por aqui, independentemente do estado de caos em que se encontram. Porém, ele e sua família estão sempre viajando pelo mundo, cuidando para manter boas relações entre Illéa e os outros países. Aparecem por aqui apenas em datas comemorativas. Nas raras folgas que têm entre as viagens geralmente se instalam no Brasil, mais especificamente na residência de tio Kaden e tia Josie, eles se apaixonaram tanto pela natureza exótica do lugar que resolveram se mudar definitivamente.

Aliás, é bastante curioso pensar que a paz das nações é constantemente ameaçada, das mais diversas formas possíveis. Nas terras brasileiras, por exemplo, alguns anos atrás, a picada de um mosquito pequenino tornou-se o símbolo da própria morte. Foi quando os surtos de dengue hemorrágica e febre amarela, sem contar as  demais moléstias transmitidas pelo Aedes aegypti, se tornaram cada vez mais frequentes e se disseminaram pelos quatro cantos do país, que tio Kaden foi chamado para coordenar um projeto de combate ao tal mosquito, sendo essa sua primeira viagem ao Brasil.

O país, ressurgente após a terrível epidemia, soube agradecer ao tio Kaden pelo seu empenho em desenvolver a vacina capaz de imunizar a população contra as quatro doenças relacionadas à picada do Aedes aegypti. Isso porque, além de ser extremamente bem acolhido pela população, atualmente ele e a esposa são os responsáveis por proteger o que resta da Floresta Amazônica e administram um centro de pesquisas sobre desenvolvimento sustentável.

***

Retornando às minhas inquietações iniciais, temo que esse grupo de rebeldes, de fato, convença todo o povo com suas ideias. Entretanto, as bases que norteavam os regimes republicanos foram completamente deturpadas no mundo antigo e considerando que Marid e seus aliados jamais governariam pensando no bem da coletividade, acredito que os estragos provocados pela rebelião iminente sejam irreversíveis.

É meu dever parar isso enquanto ainda parece possível. Disputas entre monarquistas e republicanos sempre pareceram apenas manchas que afetaram a história do Mundo Antigo. Todavia os desastrosos exemplos narrados nos livros didáticos não impedem que as pessoas, novamente, enxerguem no (suposto) governo republicano a solução para seus problemas.

É nesse instante que surge uma ideia, talvez equivocada, para impedir que o problema tome dimensões irreversíveis. Vamos iniciar um projeto de contra revolução. Responderemos diretamente a cada atitude provocativa. Eles estão expondo seu ponto de vista, nós também colocaremos à mostra nossas perspectivas.

Sei que atualmente ocorreram crises severas na produção de alimentos, devido ao clima, e que há muitas pessoas sofrendo escassez de comida, mas isso não é algo que pode ser resolvido num passe de mágica; com uma "simples" troca de regime governamental. Assim como a falta de   empregos, que resulta sobretudo do eterno preconceito enraizado em nossa sociedade, não vai se solucionar desse modo.

É uma obrigação minha me debruçar sobre esses problemas e apresentar soluções reais ao povo.

Porém agora tenho que voltar minha atenção à Luna, que passou as últimas horas tentando encobrir a preocupação estampada em meu rosto para que eu esteja no mínimo apresentável durante o Jornal Oficial dessa noite - o primeiro com  a presença dos selecionados.

- Pela quinta vez: você quer usar o vestido laranja ou o vinho?

Essa parecia uma questão um tanto fútil se comparada a tudo que vinha acontecendo além dos muros do castelo ultimamente.

- Vinho. - Respondo numa tentativa de esconder minha indiferença quanto a isso.

*********

Com exceção do fato de que Gustave passou metade do programa fazendo insinuações aleatórias  sobre os selecionados; ou questionando acerca de como fora a sua primeira semana no Palácio e quais foram as primeiras impressões que tiveram de mim; tudo transcorreu na mais perfeita normalidade.

Ouvir todos aqueles vinte garotos -sete deles foram mandados para casa essa manhã - dizendo o quanto a princesa, vulgo eu, parece-lhes "encatadora", além de uma série de outros adjetivos clichês, só me provocou asco. Todos ali me conhecem de uma maneira tão superficial, os elogios parecem simplesmente algo automático, como se tivessem sido programados para dizer aquilo.

A única exceção foi uma dentre as vinte respostas.

Dentre todas, aquela que me fez sorrir de verdade:

"(...)

-E o que você acha da princesa?

-Inicialmente eu pensava como muita gente em Illéa: a considerava só  uma garota mimada, treinada para ser amável. Hoje no entanto  poderia definí-la como... surpreendente.

-É uma resposta um tanto sincera meu caro, sabia que pode custar sua posição de selecionado?-Gustave brinca com um leve toque de seriedade na voz.

-Creio que ela será capaz de me perdoar mais essa vez.

-O que quer dizer com isso?-indaga com um sorriso sugestivo e sobrancelhas erguidas.

-Digamos que... ela teve que me desculpar por meu  péssimo gosto pra cinema durante nosso encontro individual.

(....)"

Não posso negar que ele tem um carisma cativante para lidar com as câmeras. Sua voz soa tímida mas ainda assim espontânea.

Enquanto me diverto com seu excesso de honestidade percebo que trata-se da pessoa ideal para desabafar sobre os planos, repletos de imperfeições, que pretendo usar para deter os rebeldes. Lembro-me que ele também se preocupa com as pessoas  fora do palácio e estou certa que, ao contrário de todos os outros ali presentes, ele não vai achar-me louca por querer ouvir o que os interrogados têm a dizer.

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