Capítulo 14

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Decidi esperar Nicholas se levantar,  para sair do estúdio, assim facilitaria a ocorrência de uma comunicação  que certamente passaria despercebida. Nossos olhares se encontraram quando estávamos próximos da porta.
Três piscadelas rápidas bastaram para que ele assentisse demonstrando que entendia o que aquilo significava.

Parece que esse se tornou o nosso sinal. Sinto um leve aperto no coração ao recordar de vovó América contando-me sobre sua forma de se comunicar com meu avô durante a Seleção dele. Eles mechiam na orelha. Simples assim, um gesto discreto e eficiente. É impossível não me identificar com isso. Afinal acabo de  usar uma troca de olhares para dizer, por meio do movimento quase imperceptível das pálpebras, que preciso conversar com esse amigo improvável, que chegou recentemente em minha vida.

É preocupante confiar tanto em alguém que conheço a tão pouco tempo. Porém quando me pergunto a que se deve tal fato a única coisa que vem em mente é a realidade de ele ser o único entre os vinte rapazes que é realmente sincero comigo.

Mas será que, se fossem honestos, todos ali seriam grossos e diriam considerar-me apenas uma menina mimada assim como Nicholas? Essa poderia ser apenas uma estratégia, um tanto inovadora, para se aproximar.

É só em meio a esse devaneio que percebo o que verdadeiramente me inspira confiança. Como não me dei conta disso antes?

Ele tem uma transparência no olhar, jamais conseguiria mentir; ao menos não para mim, mesmo que quisesse; saberia reconhecer de imediato. Isso é o que me traz segurança.

De qualquer forma, quando cruzo  o corredor a caminho de seu quarto; minutos após o jantar não sei o que, de tão importante, tenho para dizer-lhe. Uma vez que as questões sobre os rebeldes são uma espécie de segredo de Estado; conclui que não devo envolvê-lo nisso.

Por outro lado, a Seleção é como um movimento de contra-revolução e preciso dele para ajudar-me a tornar isso uma trama capaz de prender a atenção de todos.

-Kerttu, preciso conversar com você. - Ouço a voz de minha mãe alguns passos atrás de mim no corredor. - Desculpe se te assustei. Mas estava mesmo indo procurá-la para contar como foi o primeiro interrogatório.

-Já fizeram o primeiro interrogatório?

- Terminamos minutos antes do Jornal  Oficial, acabei não tendo nenhuma chance, até agora, para falar com você.  Venha comigo ao escritório.

Sento-me na cadeira de frente para a da rainha, procuro conter a raiva por saber que não pude estar presente quando interrogaram um dos rebeldes que, aparentemente, disse algo importante.

-Ele recusou-se a falar sobre muitas coisas que nos seriam bastante úteis. Contudo, revelou que o senhor que faleceu na manifestação  era um cidadão da Honduragua. O corpo dele está a caminho da província natal, onde será velado pela família; que aliás já foi localizada e  analisada, não tendo   apresentado nenhum indício de que fazia parte do grupo de conspiradores.

-Okay. Mais alguma informação relevante?

Mamãe hesita um pouco, avaliando o que deve me responder, em seguida faz que "não" com a cabeça. Desconfio que ela pretendia dizer mais alguma  coisa, porém desistiu.

Sem dúvidas há um segredo.

Ela não teria feito tanto suspense se não houvesse algo verdadeiramente significativo, que resolveu ocultar.

Quando saio do escritório estou prestes a explodir de curiosidade. Tanto que demoro a recordar que combinei de conversar com Nicholas. A vítima da manifestação era um conterrâneo dele. Talvez até se conhecessem. Se for realmente assim, jamais se verão de novo. Pelo menos esse senhor terá um funeral decente, é isso que me consola.

Sei que meu "amigo"  provavelmente já  está cansado de esperar, porém bato na porta e  aguardo que seu mordomo atenda.  A maçaneta não demora a girar. Contudo quem está do outro lado é o próprio Nicholas.

-Boa noite, alteza! É... Entre. - Ele diz meio sem jeito.

-Boa noite! Vim apenas chamá-lo para uma caminhada no jardim. Podemos ir?

-Sim.

Então caminhamos lado a lado pelo corrredor. Descemos a escadaria em silêncio e caminhamos até a porta. Com exceção de alguns guardas, não somos vistos por ninguém.

Decido parar e sentar-me num dos bancos próximos a entrada. Convido-o a fazer o mesmo. Talvez por coincidência, miramos o céu no instante que uma estrela cadente corta a escuridão da noite.

"Que tudo acabe bem!"

É o pedido que faço quando cerro os olhos e deposito ali preciosas gotas de esperança.

-Fez um pedido?- Nicholas pergunta.

-Sim. E você?

-Também. Pedi para...

-Shii. Se você contar não se realiza. -O interrompo e para que se cale coloco o dedo indicador sobre os lábios dele.

Uma eletricidade até então desconhecida corre meu corpo. Em um movimento involuntário, meu dedo começa a desenhar os traços perfeitos que compõem sua boca. Quando ergo o olhar percebo-o  encarando-me de uma forma que transborda confusão e desejo. É enquanto sinto uma necessidade imensa de acabar com a pouca distância existente entre nós que ele o faz.

Nos beijamos.

De um jeito terno e agradável. Ele coloca uma das mãos nas minhas costas, enquanto a outra acarecia meu rosto. E quando o beijo fica mais intenso me afasto, pois preciso recuperar o ar.

Como ou porque isso aconteceu é algo que não posso explicar.

Definitivamente nenhum de nós esperava.

-Me desculpa! Eu... Não sei...

-Vamos esquecer isso! A noite, a lua, o perfume das flores; nos provocam atitudes que não têm justificativas.

-Exato. Vamos esquecer. Aliás você,  quer dizer vossa alteza , precisava falar sobre algo não é mesmo?

- Eh... Sim. Não me julgue como louca por isso, mas eu queria que você me ajudasse a romantizar mais a Seleção.

-Acho que não entendi.

-Preciso que as pessoas se interessem de verdade, se envolvam junto com a gente nisso; pretendo usar a Seleção para conquistar novamente o meu povo.

-Ainda  não entendi onde eu entro.

-Na verdade não sei o que fazer ao certo, mas creio que você será fundamental quando uma ideia boa surgir. - Nunca estive numa situação tão embaraçosa antes.

-Ah, tudo bem então. - Ele parece tão desconfortável quanto eu.

-É melhor continuarmos essa conversa depois, não é mesmo?

-Sim, alteza.

-Boa noite. - Digo já caminhando em direção a entrada.

-Boa noite! - Ele responde enquanto levanta-se, mas vai rumo a um pequeno arbusto, decorado por singelas flores brancas.

Assim retorno sozinha ao interior do castelo.

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