Capítulo 19

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Ao analisar os olhos de minha mãe consigo perceber a fúria mais que transparente presente neles.

Tento formular uma frase que seja capaz de amenizar a tensão desse momento, porém a culpa que pesa sobre meus ombros me impede de elaborar um pedido de desculpas que seja no mínimo decente.

Afasto-me da porta e sinalizo para que ela me acompanhe ao interior do quarto. Ela cruza a entrada e fecha a porta atrás de si com um movimento mecânico. Nos encaramos por longos minutos.

- Eu não queria que tivesse sido assim. - É a única coisa que consigo dizer.

-Um governante deve ser um pilar de racionalidade para a nação que lidera. Atitudes desesperadas não condizem com o futuro que te espera.

Minha mãe mantém a postura impecável e a calma de sempre em suas palavras, mas seus olhos ainda demonstram as mesmas emoções do momento em que abri a porta.

Aquele olhar enfurecido era tão gélido quanto os invernos mais rogorosos. Se eu não os conhecesse a tanto tempo, poderia jurar que era impossível aquecê-lo. Se bem que nessa situação realmente era.

Tudo que me restava era reconhecer que havia falhado.

*******

A conversa com minha mãe foi longa, e bastante esclarecedora. Obviamente ouvi um pequeno sermão, ao qual fui incapaz de questionar. Porém no fim das contas acabei tomando conhecimento de fatos um tanto significativos e, acima de tudo, surpreendentes que estavam em pauta enquanto eu resolvi entrar em cena no momento inadequado .

As verbas destinadas aos agricultores, que eram enviadas para as províncias com predominância de propriedades rurais a cada semestre, vinham sendo desviadas dos cofres públicos a tempos.

Isso tem gerado uma terrível crise na produção alimentícia que só incita o povo a revoltar-se ainda mais contra a monarquia. Está muito claro que os administradores provinciais se uniram aos rebeldes, provavelmente movidos pela sedução do poder.

Começo a ficar ainda mais assustada com tudo isso: como vai terminar? As pessoas vão saber enxergar o lado certo para lutar antes que seja tarde demais?

A falta de bom senso dos seres humanos envolvidos no esquema de corrupção os torna tão desprezíveis que quase chego a sentir pena. Mas esse sentimento não chega a ser real porque reflito sobre quantas famílias estão passando por necessidades e vivendo precariamente devido a isso. E o pior: tudo só foi descoberto agora.

É lamentável o nosso total desconhecimento acerca do que acontecia debaixo do nosso nariz.

Sei que vou acabar surtando se não desabafar de alguma forma. Preciso fugir dos muros do castelo, respirar um ar que não esteja carregado pelo peso de descobertas tão desagradáveis.

E sei que o único modo de limpar minha alma da forma que ela precisa ser limpa nesse momento é recorrendo a música.

Por meio dela os pensamentos bagunçados se encaixam, o coração agitado se aquieta, as notas leves trazem a paz pela qual o espírito anseia.

No entanto ao pensar na música lembro-me automaticamente do orfanato. É para lá que vou fugir.

Ao menos por algumas horas.

********

Assim que adentro os portões que levam ao interior do orfanato o som do riso descontraído das crianças que correm animadas pela grama do pequeno jardim invade meus ouvidos. Imediatamente sinto o peso em minhas costas alviar.

Eu não deveria estar aqui aproveitando minutos de uma tranquilidade roubada. Porém quando percebo os inúmeros bracinhos pequeninos e calorosos que me envolvem todos os nevoeiros se dissipam. Só agora percebo a falta que esses pinguinhos de gente estavam fazendo na minha vida. Antes da seleção eu nunca havia passado sequer uma semana inteira sem vir aqui.

Hoje a programação é diferente, não vou dar aulas, vou somente deixar que eles escolham as melodias e tocar o que eles quiserem ouvir.

Nos sentamos em uma roda não muito organizada, começo a tocar algumas canções que me são sugeridas, eles cantam, despreocupadamente, junto comigo e esqueço-me que o tempo continua passando lá fora, quando me dou conta desse fato percebo que quase três horas se passaram.

Contudo assim que apanho o violino na intenção de me despedir e sair Victória, me informa que essa é a hora de colocar em prática aquilo que ela sabe fazer de melhor: contar histórias infantis. Adoro escutar as narrativas dela, é realmente um dom, por isso aceito de bom grado o convite para ficar.

Após uma breve pausa para um lanche ela conta com admirável desenvoltura e graciosidade a clássica história da Princesa Rapunzel. Enquanto a observo reflito sobre o fato de que ela está prestes a completar 18 anos, sempre que as crianças crescem e chegam a juventude são encaminhadas profissionalmente por meio de auxílios financeiros e psicológico do governo em parceria com os responsáveis; isto é, meus pais, tia Lucy e tio Aspen.

Porém Victória é diferente, aqui é o lugar dela sempre foi, desde os primeiros meses de vida, sem contar o quanto ela já ajuda tio Aspen e tia Lucy. Se algum dia eles resolverem se aposentar as crianças estarão em ótimas mãos, não tenho dúvidas.

A história não tarda a terminar e sei que infelizmente a realidade me chama. É hora de retornar ao Castelo.

*********

Entro em meu quarto e a primeira coisa que percebo é: novamente é Eliza quem me espera. É extremamente estranho que Luna tenha desaparecido assim, estou realmente preocupada. Preciso tanto da minha melhor amiga nesse momento que decido deixar a polidez de lado:

- Eliza, você pode descer e avisar Luna que eu estou convocando com urgência a presença dela aqui?

Ela me encara um pouco assustada e demasiadamente surpresa, mas assente e sai do quarto.

Sinto-me extremamente culpada, mas não tenho como justificar minha atitude de alguma forma que ela pareça menos grosseira, por isso é melhor me calar.

Enquanto ainda estou perdida em meus pensamentos Luna aparece, basta visualizar seu semblante por um segundo para saber que algo está muito errado.

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