Depois de minha vitória no caça à bandeira, parecia que eu finalmente tinha começado a me enturmar. Todas as pessoas presentes ali passaram a me ver com outros olhos: a novata que havia derrotado Faith Miller. Passaram a me cumprimentar, querer saber mais sobre mim. Os boatos eram muitos, e alguns extremamente exagerados. Pois, na verdade, eu basicamente tinha apenas conseguido derrubá-la de uma árvore.
Já estava anoitecendo e o palácio da Academia estava bastante agitado com sua festa de comemoração. Nathan encontrava-se brincando na festa, junto com as outras crianças. Ele aproveitava para comer quantos doces fosse possível. Fazia tempo que eu não testemunhava aquela imagem feliz no rosto dele, tão alegre e entusiasmado. Apesar de tudo, eu acabei optando em ficar longe de toda aquela barulheira. Me permiti sair caminhando pelo campo, próximo ao lago cristalizado. A água estava parada, refletindo meu rosto pálido e a lua amarelada em cima de mim. Me abaixei e peguei uma pedra cinzenta. Atirei-a sobre o lago e a assisti ir saltitando, perdendo a força até afundar na penumbra.
— Ah, então aqui está você — disse uma voz atrás de mim. — Você sabe que está perdendo toda a diversão, certo?
Era Priam, é claro. Seus cabelos arrepiados e os olhos cinzas cheios de vida eram certamente inconfundíveis.
— É, eu sei... — falei, forçando um sorriso.
— Não gosta de festas? — Ele quis saber.
— Mais ou menos — respondi, enquanto atirava outra pedra no lago. — É que elas me assustam agora. Toda aquela barulheira, muitas pessoas... Bom, você deve entender o porquê.
— Ah, claro. Eu também ficaria assim se tivesse passado pelo o que você passou nesses últimos dias — comentou, relaxando os músculos. — Bom, pelo menos você se saiu muito bem no exercício de hoje. Mais do que bem, na verdade. Você foi incrível.
— Sorte de principiante — disse, dando de ombros.
— É o que os clichês costumam dizer — ele retrucou, lançando uma pedra sobre o lago escuro.
— Eu diria modestos.
— Pessoas modestas me irritam.
— Difícil seria saber o que não irrita você.
Ele riu.
— Você ainda não me viu irritado, e nem gostaria.
— Que assustador — eu disse sarcasticamente, mas logo mudei de assunto. — Vocês levam o treinamento um tanto a sério demais, né?
— Sim. — Priam suspirou — O banimento de demônios do Mundo Material fazia parte dos Mandamentos Originais, que deu autoridade aos seus seguidores para usar sua fé como escudo contra as Entidades. O método mudou radicalmente com o surgimento dos Ceifadores, quando passamos a usar abençoados recursos terrenos para enfrentá-los. Eu prefiro assim, é mais divertido. Aquelas coisas são criaturas malignas, treinamos duro para fazê-las nos temer. Deve saber que, para poder aguentar tanta crueldade, não há outro jeito senão ser cruel também. Caso contrário...
— Observação interessante — eu comentei. — Mas eu não sou nem um pouco temível, nem me vejo sendo.
— Você foi o suficiente hoje — ele falou, inclinando-se um pouco para trás enquanto arremessava outra pedra sobre o lago. Pude ver pontinhos mais escuros nos olhos claros dele. Assisti à pedra cinzenta afundar lentamente na água e tão logo ele se abaixou para pegar outra, e foi aí que eu consegui ver uma cicatriz escura abaixo de sua nuca.
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Entidades
RandomE se anjos e demônios realmente existissem? E se os anjos descessem dos Céus, se apaixonassem por humanos e tivessem filhos? A jovem Lola Witt descobre da pior forma possível que seres malignos existem, e que seu pai, um dia, fora um anjo. Isso faz...