Capítulo 3 - Distúrbio

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Os olhos de Nathan brilhavam ao passarmos pela seção de biscoitos no supermercado. Ele correu até a prateleira e pegou cinco caixas de whoopies, que eram basicamente compostos de duas massas redondas e macias recheadas com creme ou chocolate. Nathan era extremamente viciado neles. Eu reconhecia que eles de fato eram deliciosos, com uma textura bem leve e suave, que dissolvia na boca.

Nathan correu de volta ao carrinho e colocou suas caixas de whoopies dentro.

— Lola... poderia pegar uma caixa de cereal na seção anterior? Esqueci de pegar — pediu Helen do outro lado.

— Não, não posso.

— Vamos, Lola... Sabe que o Nathan gosta.

Suspirei e bufei irritada.

Sem questionar, dei meia volta, e fui em direção à seção anterior, mas só porque Nathan realmente gostava de cereal no café da manhã, e não porque Helen pedira.

Fui até a prateleira e peguei um pacote de flocos de milho, e foi aí que repentinamente senti aquela dor excruciante de novo, só que era mais forte, como se um buraco fundo, em carne viva, estivesse sido aberto em minhas costas. Não aguentei e desmoronei sobre o chão, meus músculos se contorciam e ardiam de dor. Meus gemidos eram altos, quase gritos de horror.

Eu não conseguia respirar direito, a abertura em minhas costas parecia estar pegando fogo agora, se movendo para incertos lados; a dor se alimentava das chamas.

Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, relâmpagos inundavam minha mente, meus lábios formavam a palavra "socorro", mas não emitiam nenhum som. Foi então que alguém me ajudou a levantar, porém minhas costas ainda doíam muito. Tudo à minha volta estava girando em borrões, não conseguia enxergar o rosto do homem que me acudira. Ele dera um leve tapa nas minhas costas e depois dissera:

— Está tudo bem? — sua voz era calma e atenciosa.

Por incrível que pareça, eu estava. As chamas haviam ido embora, a dor, os relâmpagos, tudo — deixando pelo rastro apenas uma leve coceira incômoda, mas suportável.

— Sim... agora estou — murmurei, ainda intrigada.

Então finalmente eu pude ver seu rosto. Ele parecia ser alguns anos mais velho do que eu. A pele era branca como gesso, seu penteado era um corte undercut com uma grande e ondulada franja loura. Seus olhos eram azuis, mas não de um azul comum: ora era azul cobalto, outrora azul claro; penetrantes. Ele usava um sobretudo que não o favorecia em nada, calças simples cinza e os pés sem cor estavam descalços por algum motivo.

— Ah... obrigada — disse por fim.

Ele assentiu com a cabeça, abriu um sorriso forçado e sem dizer mais nada, deu as costas para mim e sumiu atravessando outro corredor do supermercado.

Tive a vontade repentina e estranha de correr atrás daquele garoto e pedir para que continuasse ali comigo, e isso me deixou ainda mais confusa sobre tudo o que tinha acontecido.

— Lola... onde está o cereal? — Perguntou Helen atrás de mim.

Peguei o pacote de flocos de milho caído no chão e virei-me para entregar a ela.

— Toma.

— Por que demorou tanto? — ela queria saber. — Pensei ter ouvido...

— Não foi nada — a interrompi.

Então saí.

É muito estresse pra um dia só.

• • •

Quando chegamos em casa, ajudei Helen a colocar as compras no armário. Nathan já havia ido para seu quarto dormir, então ficamos sozinhas na cozinha.

— O que aconteceu lá no supermercado? — Perguntou ela, procurando algo na geladeira. — Você estava tão estranha...

Não respondi de imediato, pois nem eu sabia a resposta.

— Não foi nada, já te disse — repliquei, colocando o pacote de cereal no armário.

— Tem certeza? Pensei ter ouvido alguns gemidos vindos da seção onde você estava, e eu podia jurar que eram seus... — insistia minha mãe, capturando da geladeira uma Tupperware com sobras de macarrão.

— Pois é, você pensou errado — retruquei, colocando as caixas de whoopies de Nathan no armário, e então não havia mais nada para ser guardado. Estava finalmente livre. — Não me faça ter que chamar de novo um psiquiatra pra você, Helen — a ameacei, olhando-a, e logo vi uma expressão de horror confuso se espalhar em seu rosto. — Vou subir.

Peguei minhas coisas e andei em direção às escadas.

— D-durma bem... — ouvi Helen gaguejar.

Pouco provável, pensei.

Entrei em meu quarto e joguei-me na cama. Peguei meu celular, nenhuma mensagem, apenas a luzinha piscando, advertindo de que a bateria já estava baixa.

Apanhei meu exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes da mochila e tentei forçadamente continuar minha leitura, mas eu estava guerreando contra meus pensamentos. Não dava para prosseguir. Não conseguia parar de pensar no que havia acontecido no supermercado. O que diabos eram essas dores que eu andava sentindo em minhas costas? Seria algo muito grave? E quem era aquele garoto misterioso?

Joguei o livro para longe e me dirigi até o espelho.

Tirei minha blusa e, com muito esforço, consegui ver apenas uma parte de minhas costas, o que já era o suficiente.

Não havia nenhum buraco de queimadura como eu havia imaginado. No local onde doía — a omoplata esquerda — estava um vermelho escuro e inchado, com minúsculas bolhas amareladas que poderiam ser confundidas facilmente com espinhas. E eu sabia que não se tratava disso.

Aquilo me deixou um pouco assustada. Era muito estranho, parecia até mesmo que formavam uma espécie de desenho bizarro.

Deve ser uma alergia, só isso, concluí.

Vesti minha roupa e voltei para a cama, inquieta.

Mas aquilo não era a única coisa que me incomodava. Quem era aquele garoto que me ajudara no supermercado? Eu necessitava saber disso. Não sabia exatamente o porquê, mas... eu tinha uma espécie de pressentimento de que iríamos nos ver de novo em breve.

Era como se eu fosse o ímã e ele o metal: para onde eu fosse, logo ele surgiria atrás. Pois era como se tivéssemos algum tipo de ligação ou algo do gênero, e eu não sabia como me sentir com relação a isso.

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