Capítulo 29

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ALLYRIA
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É estranho como percebemos felicidade em pequenas coisas e lembranças quando estamos no fundo do poço. No meu caso, estou bem no fundo do poço, cercada de escuridão e solidão.

Sorrimos ou choramos quando lembramos daquela discussão boba com uma pessoa amada, que no final acabou em risadas, daquele abraço sem motivo, daquela cutucada para chamar atenção, daquele elogio, daquela crítica construtiva, ou daquele lugar chato em que foi mas não importava o tédio se tinha uma amiga ao seu lado.

Eu não estou sorrindo. Eu não estou chorando. Eu não sinto nada além de uma pequena paz, uma paz que construi com muito esforço para mim mesma nesse lugar sombrio.

Depois de saber que Lorcan tinha conseguido fugir, eu voltei a me deitar e a fechar os olhos na escuridão. Não prestei atenção na raiva que ela estava sentindo ao perder seu precioso prisioneiro. Não prestei atenção na fúria dela ao saber o que fui capaz de fazer sem ela perceber. Não prestei atenção nas ameaças dela de encontrar Lorcan e me obrigar a matá-lo por ousar desafiá-la.

Se tem uma coisa que eu tenho certeza, é que Lorcan vai tomar cuidado e não ser pego. Sei que, se caso ele for pego, ele não vai deixar ninguém trazê-lo de volta para essa montanha, porque ele prefere morrer por suas próprias mãos do que deixar isso acontecer. Ele não será um prisoneiro novamente.

Mesmo chorando e me contorcendo de dor na hora, não me importei com todas as lembranças falsas que ela usou para me torturar, pois já estou acostumada com elas. É a única coisa que ela pode fazer comigo além de me matar de vez, e estou tão quebrada que nada mais me atinge. Só estou esperando ela me libertar, porque a morte é melhor que isso, melhor que essa prisão cheia de escuridão.

Não sei o que me espera no Outro Mundo, mas não deve ser tão ruim quanto isso.

Eu fui uma boa pessoa, não tem como eu ir para o lado ruim do Outro Mundo, não é mesmo? Eu nunca fiz nada de ruim. A única coisa ruim que fiz não foi intencional e eu fui manipulada. Ter me afastado da minha família.

Se Leon me perdoou por isso, eu acredito que meu pai também tenha, e isso é importante para me perdoar e morrer com a consciência limpa.

Só me resta esperar.

E eu espero recordando de todos os momentos da minha vida. Os tristes e os felizes.

Não ter nada para fazer ajuda meu cérebro a lembrar daquelas lembranças antigas e perdidas. Cheguei até a lembrar de quando eu tive uma queda pelo príncipe Tyrion quando tinha quinze anos. Acho que todas as criadas do castelo de Ghentter já tiveram uma queda por ele.

Tyrion é um homem gentil, com um sorriso e uma risada que conquista qualquer uma. Todos que o olhavam, sabiam que ele era um cavaleiro e que, quando ele escolhesse uma mulher, iria tratá-la como se fosse o centro do universo. Ele ia fazer literalmente tudo por ela. Tyrion procurava o amor verdadeiro e eu não, por isso minha quedinha por ele foi bem breve, mas construímos uma bela amizade. Ele tentou muitas vezes me ensinar a tocar ukulele, mas eu era um fracasso e nossas aulas acabavam em risadas e ofensas amigáveis. Makenna e eu éramos as que mais lhe davam incentivo para compor suas melodias e fomos nós que fizemos ele subir em um palco pela primeira vez.

Lembro bem desse dia.

Tyrion estava deixando de tocar ukulele fazia um tempo e Makenna e eu não sabíamos mais o que fazer para ele voltar a tocar. Terlock tinha falado algo para ele. O cretino sempre mostrava para Tyrion que não gostava de ver o filho tocando um instrumento bobo, perdendo seu tempo, e daquela última vez tinha falado algo bem grosseiro, que Tyrion não contou para ninguém o que exatamente foi. Tyrion ficou de coração partido, se sentindo um lixo, e Makenna e eu planejamos algo para animá-lo.

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