Capítulo 26

51 6 0
                                    

       Ela estava a enlouquecer.

     Os dias arrastavam-se, num silêncio de morte. O seu corpo recuperava lentamente, as dores diminuindo com o tempo. Não recebia visitas. Há muito que percebera que apenas Narcissa estava autorizada a adentrar o quarto, apenas para lhe trazer comida, água e verificar se a sua recuperação corria bem. Feitiços anti-som isolavam o quarto, deixando-a sozinha, impedida de comunicar com quem quer que circulasse no exterior, sem um mísero livro para ler.

       Voldemort torturava-a sem precisar magoá-la fisicamente, percebera.

       Encarou-se ao espelho, embaciado pelo vapor que condensara na sua casa-de-banho privada. Aquela era uma das suas ocupações: permanecer dentro de água até os dedos enrugarem. O banho quente suavizava as dores e ocupava-lhe a mente com a falsa sensação de paz que necessitava para não perder a cabeça de vez.

       Os olhos azuis safira tinham perdido por completo o brilho. A gentileza e bondade que tornavam o seu rosto de boneca encantador fora-se. Os cabelos cor-de-fogo, escurecidos por estarem molhados, caíam sem vida pelas suas costas abaixo. Até a sua pele parecia mais arroxeada, talvez pela maldição a que fora sujeita.

       Quem a encarava era apenas a sombra de quem Laurel Ravenclaw um dia fora.

      O seu próprio reflexo recordou-a de Sirius Black. Lembrava-se de o ver pela primeira vez, todo ele pele e ossos, os olhos vazios encarando-a sem realmente a ver. Recordava-se da esperança que lhe iluminara o rosto quando a reconhecera, a sua sobrinha, a sua única parente de sangue que realmente poderia amar, e ela a ele.

         Sirius nunca desistira. Focara-se no que verdadeiramente importava, proteger Harry e Laurel do verdadeiro inimigo, mesmo que nunca provasse a sua inocência. Mesmo foragido, estivera lá para eles, principalmente para Harry, que não tinha ninguém. Laurel tinha Remus, o seu pai adotivo e Sirius orgulhava-se muito do amigo, que cuidara da sua sobrinha com tudo o que tinha e não tinha.

       Laurel cerrou os punhos.

       O seu maior erro era duvidar de si mesma. Conhecia-se, conhecia a sua falta de controlo, sabia que Voldemort tinha razão. Pansy Parkinson quase sufocara nas suas mãos. Se não fosse por Draco, ela provavelmente teria ido parar à enfermaria.

     Claro que se sentira poderosa.

     Claro que se sentira completa.

      A magia de Voldemort dominava-a de dia para dia. Sentia-a, como uma maré negra, consumindo-a. Quantas vezes acordara com os olhos cor de sangue dele, em vez dos safira dela?

      Mas isso não tinha de significar nada. Ela ainda era ela e, no que dependesse de si, seria sempre.

     Afastou-se, a toalha que a cobria caindo ao chão enquanto abria o roupeiro. Vestidos da mais alta costura tinham sido desenhados para ela por ordem de Narcissa, que sempre se preocupara com o seu senso de moda, desde que se conheceram pela primeira vez. Laurel sorriu. Por muita raiva que sentisse da Malfoy, esta recordava-a de Meredith, que a forçara a aprender a usar saltos altos para compensar a sua baixa estatura. Meredith Lovelace, uma das suas melhores amigas, que nunca saía do dormitório sem estar impecavelmente vestida, penteada e maquilhada. Que vivia a sua beleza feminina com orgulho.

        Devagar, vestiu-se, entrançando os cabelos, ajeitando a gola do vestido cor de vinho que escolhera. A cor lembrava-a de Harry, o seu Herdeiro de Gryffindor. O rapaz por quem dera a vida mais do que uma vez. O rapaz em quem Dumbledore confiara mais do que na própria neta.

        Dentro dela, algo retorceu-se. Os seus pulmões comprimiram-se, como se alguém a estrangulasse por dentro. Arfou, cambaleando para a frente, as mãos no peito.

RUBY [4]⚡ HP ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora