Capítulo 04 - Pacto de Sangue

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A família Dauphin era, de longe, a mais rica e mais nobre daquela época. Eles eram donos de muitos feudos e haviam encontrado um jeito rápido e simples de se obter pedras preciosas, um segredo passado de geração em geração que eles não revelavam para ninguém.
O último patriarca dessa soberba família foi Sir. Navel Dauphin. Já nascido filho do terceiro conde Dauphin, Sir Navel nasceu com o futuro certo e cheio de riquezas. Sua família possuía uma forte ligação com a religião e, assim, quando a ameaça da febre dos vampiros surgiu, Sir Navel foi o primeiro de sua linhagem a iniciar a caça aos vampiros. Tal coisa tornou-se uma tradição entre todos os Dauphin. Sir Navel era tão obcecado com a religião que, por pouco, não tornou-se padre. Sua desistência se deu a repentina paixão pela bela Sofia, que abrasou seu coração.Também filha de um nobre, Sofia François se encantou pelos belos olhos enigmáticos de Sir Navel. Com ambos perdidamente apaixonados um pelo outro, logo veio um casamento digno da realeza. Após a noite de núpcias, o mais novo casal mudou-se para um castelo da família que ficava no leste da França, próximo ao lago dos lírios.
Naquela altura de sua vida, Sir Dauphin já era considerado o maior caçador de vampiros de toda a Europa e sua fama no campo de batalha era incontestável.
Foi então, que na primavera seguinte, que sucedeu um terrível inverno, Sofia deu à luz ao seu primeiro e único filho. Um garoto de cabelos escuros como os do pai, mas com o olhar de sua mãe, Oliver Dauphin foi o orgulho e felicidade de seus pais naquela primavera, mas tudo mudou no outono seguinte.

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Oliver Dauphin chegou ao final da tarde daquela calorosa quarta-feira. Sua carruagem de ferro e madeira com as janelas fechadas e cobertas por cortinas brancas era levada por dois cocheiros guiando dois puro sangue na cor preta. Os olhos curiosos da multidão que se aglomeravam em frente da catedral não conseguiam ver nenhuma pista da aparência misteriosa do jovem Dauphin. A vinda de um Dauphin à Paris era o assunto do momento, não haviam tantos nobres que visitavam a cidade e, os Dauphin, em especial, atraiam muita atenção, não apenas por serem ricos até a ponta de seus cabelos, mas o fato da família ser misteriosa de forma fascinante. Embora o povo fosse leigo em certos assuntos, um nome sempre esteve na boca deles: Navel Dauphin, o caçador mais voraz de toda a Europa. Para alguns, ele era um herói e para outros, motivo de desconfiança e temor. Quando fora anunciada a vinda de Oliver, a cidade ficou empolvorosa. O único filho de um caçador de vampiros viria a cidade. Um menino cercado de mistérios e que só era visto nos campos de batalhas. Tantas fofocas foram criadas a seu respeito que nenhum aldeão sabia o que era verdade e o que era invenção.
A carruagem parou exatamente à frente da porta principal da catedral. O colcheiro desceu e abriu a porta de madeira com detalhes pratas e o símbolo da casa Dauphin, um lírio branco com o caule na cor prata.
Um jovem de aparência nobre desceu da carruagem, mas seu olhar baixo e tímido evitou fitar as pessoas e, assim, os detalhes de seu rosto, como a cor de seus olhos, não puderam ser vistos. Tudo o que os curiosos conseguiram ver foi que o cabelo do jovem era preto como carvão e encaracolado e não loiro como muitos pensavam.
Oliver entrou na catedral, acompanhado de dois soldados de sua escolta pessoal, e a pesada porta de madeira foi fechada atrás dele. Ele pôde, finalmente, olhar para frente. A catedral estava vazia e ecos de passos indicavam que em sua direção vinha um padre muito entusiasmado.
Padre Frederic mal pôde esconder sua enorme satisfação ao ver o seu convidado.
- É um enorme prazer, finalmente conhecê-lo, meu senhor - disse o padre apertando a mão de Oliver e em seguida fazendo uma reverência.
- Igualmente, padre - Oliver retribuiu o cumprimento. - Agradeço por sua hospitalidade.
A presença de Oliver deixava Frederic nervoso. O jovem transmitia tamanha cortesia e nobreza em cada gesto, que faria, o mais educado dos homens, sentir-se mau educado. Seus olhos verdes eram doces e ao mesmo tempo fortes. Carregavam uma luz diferenciada que ninguém conseguia compreender. Muitos nobres diziam que sua face era como a de um anjo esculpido pelo próprio Deus.
- Peço, imensas desculpas, pela agitação lá fora - disse Frederic com o tom sério e nervoso. - Sabe como são os camponeses, não conseguem ver carne nova que atacam como cães esfomeados.
- Não há porque desculpar-se - a voz suave de Oliver parecia uma canção de mil anjos. - Uma pequena curiosidade é compreensível.
Padre Frederic sorriu ainda sem jeito para Oliver. O padre o conduziu para fora do salão da igreja em direção à sacristia.
- Diga-me, como vai sua amável mãe? - perguntou o padre enquanto os dois andavam pelos corredores da igreja.
- Está muito bem - disse Oliver com satisfação. - Desde que meu pai morreu, a vida dela se resume a mim.
- Eu posso compreender, meu jovem - disse Frederic. - O senhor é tudo o que ela tem.
- Sim, mas devo confessar que sua atenção, às vezes, me irrita. Convencê-la a não vir até Paris comigo foi uma luta interminável, mas por fim, consegui fazer com que ela permanecesse em casa.
Oliver riu do que havia acabado de dizer, Frederic sentiu-se aliviado ao ver o bom humor do rapaz e pôde respirar um pouco mais a vontade ao lado do Dauphin. Outros membros da igreja passavam por eles e os cumprimentavam, o que Oliver retribuía com gentileza e um sorriso agradável nos lábios. Ao chegarem a sacristia, frade Harmon, Gerard e padre Julian já os esperavam.
- Bem vindo, senhor - disse padre Julian com um sorriso contagiante enquanto estendia os braços.
Frederic lançou - lhe um olhar árduo, o que fez Julian baixar seus braços e apenas estender a mão para cumprimentar o jovem Dauphin. E assim fizeram os demais, apenas um singelo cumprimento ao nobre presente.
- Eu não sei se o contaram, senhor, mas... - Frederic olhou firme para Oliver.
- Eu sei o que acontecerá, padre. - respondeu Oliver prontamente. - E eu estou pronto.
- Entendo. Normalmente, os parentes devem participar da cerimônia, mas como seu pai... bem...
- Não há importância. Vim até aqui, especialmente, para isso. Desde a infância sabia o que deveria ser feito para honrar a memória de meu pai.
- Seu pai foi o melhor caçador que tivemos. - disse o padre com pesar em suas palavras. - Ele era ágil e feroz em batalha. Nunca conheci outro homem com o mesmo furor de teu pai.
Oliver assentiu. Aquelas palavras aqueceram seu coração. Embora não lembrasse muito bem de seu pai, Oliver sentia orgulho dele. As histórias que ouvira sobre o pai a vida toda o fazia queimar por dentro, como se uma brasa soprasse com força dentro de sua alma. Ele desejava, acima de tudo, orgulhar seu pai.
- Sei que foi uma longa viagem até aqui, mas gostaríamos de realizar sua cerimônia o mais breve possível - padre Frederic aproximou-se de Oliver com o corpo encolhido, como se fosse inferior a ele. - Acredito que saiba de nossa situação.
- Ouvi rumores. Vampiros reaparecendo e proliferando rápido como coelhos - o olhar de Oliver se tornou sombrio enquanto dizia tais palavras. - Eu não me importo de fazê-lo. Farei agora, se for conveniente.
- Nós estamos prontos para fazê-lo imediatamente.
Julian dirigiu-se a porta da sacristia e a trancou, colocando a chave em seu bolso. Harmon e Gerard removeram uma cômoda de madeira que se encontrava na parede do lado esquerdo da sala. Enquanto a cômoda saia do lugar, uma passagem escura fora revelada. Frederic pegou uma vela e a ascendeu, os outros fizeram o mesmo. Dentro da passagem havia uma escada que levava para baixo.
- Nos siga - disse Frederic.
Os homens entraram pela passagem e desciam a escada íngreme de mármore. A escuridão parecia não ter fim, até que a luz das velas revelaram uma sala no fim da escada.
Os membros da igreja se dirigiram a outras velas espalhadas pelo lugar e, aos poucos, Oliver pôde ver o que havia ali.
Não havia muito naquele lugar, o que o tornava ainda mais sombrio. Um altar ficava próximo a parede central, nessa mesma parede uma imagem de Cristo crucificado parecia fitar os presentes. A frente do altar, havia uma bacia média com água dentro, na qual caberia um homem comum. Nas paredes, candelabros enferrujados, crucifixos de vários tamanhos, espadas penduradas e estacas suspensas por ferros na parede.
Frederic dirigiu-se até o altar onde pegou um pequeno livro de capa dura. Ao lado do livro encontrava-se um cálice com vinho e uma hóstia consagrada dentro de um pratinho de prata. E, ao lado do cálice e da hóstia, haviam cinco adagas.
Harmon e Gerard posicionaram-se à esquerda e Julian à direita de Frederic que estava no centro do altar. Oliver permanecia parado dois passos a frente do fim da escada.
- Vamos iniciar agora nossa cerimônia. Tenhamos em mente que esta não é uma cerimônia comum. É um pacto que todos nós fizemos e muitos outros fizeram e farão algum dia. O pacto de sangue. - em tom sério e solene, Frederic começou a cerimônia. - Diga seu nome e sua família.
- Oliver Dauphin - disse o rapaz com o cenho sério.
- Diga, Oliver Dauphin, com qual propósito deseja fazer o pacto?
- Para extinguir o mal da humanidade e devolver ao inferno seus demônios.
Frederic assentiu.
Julian pegou o cálice e a hóstia e os levou até Oliver.
- O corpo de Cristo - ele deu a hóstia para que Oliver a comesse e em seguida deu-lhe o vinho. - O sangue de Cristo.
Feito isso ele voltou ao seu lugar no altar.
- Agora, tire tuas vestes e fique como vieste a esse mundo. - disse Frederic.
Oliver assim o fez, ficando completamente nu, no entanto, nenhum sentimento de vergonha ou embaraço o abateu. Sua mente e seu corpo estavam centrados naquilo que estavam fazendo.
- Aproxime-se.
Oliver caminhou com leveza até perto da bacia. Padre Frederic abriu o livro que estava em sua mão e disse:
- Assim como Cristo derramou seu sangue para livrar a humanidade dos males do mundo, nós, como seus seguidores e adoradores, seguimos seu exemplo e entragamos nosso sangue para também livrar a humanidade do mal. Entre na bacia.
Oliver obedeceu e entrou com cautela na água fria. Sentiu os pelos de seu corpo se arrepiarem, mas nenhuma expressão pôde ser vista em seu rosto.
Frederic fechou o livro e o colocou sobre o altar. Ele e seus companheiros pegaram quatro das cinco adagas e se posicionaram ao redor da bacia.
- Dito isso, derramamos nosso sangue.
Todos cortaram a palma de suas mãos e deixaram o sangue escorrer e pingar na água que, aos poucos, ficou rubra.
Frederic foi ao altar e pegou a única adaga que restara e a entregou a Oliver.
- Derrame teu sangue e deixe que ele se misture ao sangue de teus irmãos aqui presentes.
Oliver assentiu e cortou a palma de sua mão deixando o sangue gotejar na água rubra.
- Por fim, mergulhe no sangue como garoto e levante-se como homem.
O rapaz mergulhou seu corpo até onde conseguiu e logo em seguida emergiu da água. Seu corpo molhado com a água avermelhada que escorria por ele o fez sentir vivo como jamais se sentira.
- Você não é mais o Oliver que era quando deixou sua casa. - disse Frederic. - Agora, você renasceu, como um novo Oliver, um servo e guerreiro de Deus, assim como nós e seu pai. É um servo de corpo, alma e sangue. Somos todos um só. Com um único sangue e uma única missão: salvar a humanidade dos demônios.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora