Capítulo 01 - Um estranho na noite

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O raiar do dia trazia consigo o canto dos pássaros, o barulho das vozes no mercado e o mais belo som já ouvido: o badalar dos sinos de Notre Dame. Eles traziam uma paz que adentrava a alma de todo bom homem ou mulher que se dedicasse a escutá-los com atenção. 
Os raios do sol atravessaram a janela grossa de vidro e penetraram as pálpebras dos olhos de Lucy, fazendo-a abrir seus belos olhos azuis, quase tão azuis como o céu. O canto da cotovia invadiu seus ouvidos com uma bela e harmoniosa melodia. Era assim que a bela donzela desejava acordar todos os dias, abrasada pelos deleites das manhãs de sol nos últimos dias do outono. Lucy levantou-se calmamente de sua cama, retirando seus cobertores de seda e de lã de seu caminho, sentou-se em sua cama e começou a destrançar seus cabelos cor do sol. Levantou-se de sua cama indo até sua penteadeira de madeira levemente desgastada do tempo e comida pelos cupins e escovou seus longos e finos cabelos. A moça caminhou até seu baú de onde tirou um simples vestido bege e o vestiu calmamente, o vestido lhe cabia perfeitamente, igual como na primeira vez que o vestiu após ganhá-lo de presente há alguns anos em seu aniversário. Com movimentos sutis e passadas leves, a jovem saiu de seu quarto e espiou o quarto a frente do seu. A porta entre aberta revelava outro quarto simples, talvez mais simples que o da menina, com apenas um criado mudo, um baú e uma cama impecavelmente arrumada. Lucy dirigiu-se até a cozinha, onde, sentado em uma cadeira de madeira, estava seu pai: Frade Harmon. 
- Bom dia, meu pai. - disse a garota dando-lhe um beijo singelo em sua bochecha esquerda. 
- Bom dia, filha. - respondeu seu pai sem tamanho entusiasmo. 
Frade Harmon era um homem reservado e de poucas palavras, andava sempre com uma expressão de descontentamento para onde quer que fosse, poucos tiveram o breve privilégio de vê-lo sorrindo, até mesmo sua filha. No entanto, ele era um homem caridoso e gentil, ajudava os pobres e os órfãos. Lucy tinha um grande orgulho de ser sua filha, mesmo não sendo sangue de seu sangue, ela se sentia lisonjeada por ter sido agraciada com um pai tão bom. 

Todas as manhãs, exceto aquelas em que Frade Harmon passava na igreja em seus votos, Lucy e ele tomavam seu desjejum juntos. Embora fosse bastante ocupado com seus afazeres na igreja, Harmon fazia questão de passar todo o tempo que lhe era permitido com sua filha. 
- Agradecemos à Deus por mais essa refeição. Oramos para que os menos afortunados recebam seu pão de cada dia assim como nós - Frade Harmon redigia a oração com suas mãos dadas a Lucy. - Que nunca nos falte alimento e um teto e, acima de tudo que nunca nos falte a fé. 

Ambos diziam o "amém" em uníssono. Após a oração, eles repartiam o pão, comiam queijo e bebiam leite fresco. A vida dos dois era bastante simples, nada luxuoso ou em abundância, mas eles viviam muito bem que não podiam reclamar. Frade Harmon era o único membro de sua congregação que morava fora dos muros da igreja. Após adotar sua filha, o frade buscou uma casa para morar com ela e criá-la sem altas restrições, embora elas existissem. 
- Não devo voltar para casa esta noite, no entanto reforço as regras: não fale com os estranhos, volte para casa antes do pôr do sol, não abra a porta para ninguém, faça suas orações e vá para sua cama - disse Frade Harmon com um tom de seriedade em suas palavras.
- Sim, papai, não te preocupes pois farei o que me dizes - respondeu a menina.
- Me alegra ver sua obediência. A criação de Deus, deve sempre ser obediente.
 Após o desjejum, Lucy recolheu os pratos e copos e os lavou com a água que seu pai buscava no poço todas as manhãs. Frade Harmon dirigiu-se à porta, Lucy o acompanhou, abrindo a porta para que seu pai saísse. Frade Harmon deu-lhe a bênção que todos os dias a dava e beijou a testa da menina, despedindo-se dela logo em seguida. 
Lucy permaneceu na porta acenando para seu pai até que ele sumisse de sua vista ao virar a esquina, o sorriso que ela mostrava para ele enquanto partia, foi substituído por uma expressão de tristeza em seu belo rosto assim que fechou a porta de sua casa. Tragada por um sentimento de desolação e tristeza, a menina escorregou suas costas pela parede até sentar-se por completo no chão, visivelmente chateada. 
- Ele sequer lembrou-se de meu aniversário. - disse para si mesma enquanto abraçava suas pernas dobradas na altura de seu peito. 

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora