Capítulo 19 - Paraíso

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Lucy ansiava pelo pôr do sol enquanto bordava uma toalha de mesa sem nenhuma atenção sequer. Olhava pela janela de cinco em cinco minutos para ver se o sol já havia se escondido, ou se começava a desaparecer no horizonte. Estava ansiosa e feliz, um sorriso bobo e alegre tomava conta de seus lábios enquanto pensava na noite passada. Em muito tempo ela pôde falar tudo o que pensava sem medo de ser julgada e riu muito. Quando a noite finalmente venceu o dia, Lucy saiu de casa sorrateiramente. Correu graciosamente pelas ruas tentando não parecer ansiosa, mas sem sucesso. Chegou até o portão enferrujado do cemitério e o abriu, voltou a correr com entusiasmo, olhando para as lápides e túmulos, procurando por algo. Ele estava sentado ao lado do túmulo de uma mulher que havia morrido há muitos anos, seus olhos fitavam uma pequena flor em seus dedos, delicada e pequenina. Ao ouvir passos apressados em sua direção, olhou para cima e viu Lucy vindo ao seu encontro, seus olhos brilharam de alegria e entusiasmo ao vê-la vindo até ele.
- Meu anjo, - ele a abraçou. - Meu pequeno pedaço do paraíso.
Anthony segurava Lucy em seus braços, forte era o seu abraço e carinhoso também. Ela se sentia segura nos braços dele, cheios de acalento.
- O dia foi tão torturante, zombando de nós enquanto passava devagar.
- Mais devagar do que uma tartaruga manca - ele disse.
- Sim - ela riu. - Uma tartaruga manca e preguiçosa.
- O dia não é para os amantes, meu anjo. A noite é aquela que nos acalenta e lança seu véu escuro para que possamos amar sem medo e sem receio.
O sorriso de Lucy, tão doce e singelo, de repente desapareceu. Foi como o sol quando encoberto pelas nuvens que anunciavam a tempestade.
- É uma pena que não podemos viver apenas a noite, que o dia seja tão intrometido e revele todos os nossos segredos. - Lucy se afastou de Anthony, estava tentando controlar suas emoções. - Não sei se o que tenho a dizer possa significar o fim...
- O fim? Fim de quê?
- De nós dois. Da noite que cai sobre nós.
- Onde quer chegar? - Anthony estava preocupado.
- Tenho algo para lhe contar.
- Se for uma má notícia, peço que me poupe por hoje, pois me encontro muito feliz no momento. - Anthony pegou a cintura de Lucy e a puxou graciosamente para perto dele. - Mas se for uma boa notícia, não me esconda nenhum detalhe.
- Não é uma boa notícia. - disse cabisbaixa. - Mas, apesar de seu pedido, preciso lhe dizer.
Anthony não argumentou e esperou até que Lucy tivesse coragem para dizer o que estava guardando dentro de si.
- Você sabe que eu estou noiva e... - ela respirou fundo, como se enchesse seus pulmões com coragem. - Ele quer me levar... Não, ele me levará para sua propriedade no interior.
- E não pode recusar a oferta? Dizer que não quer ir?
- Não é assim que funciona. Eu não posso simplesmente dizer que não vou, meu pai...
- Lucy. - Ele a soltou. Estava desconcertado, pousou as mãos em sua própria cintura enquanto andava em círculos. - Não pode continuar desta maneira. Precisa aprender a priorizar os seus sentimentos, as suas vontades, deixar de se preocupar com que as outras pessoas vão pensar.
- Não é tão simples. - ela sentou em um banco de pedra gasta e quebrada.
- Pobre borboleta, cativa em teu próprio casulo. - ele agachou ao lado dela, pegando em sua mão de forma acolhedora. - Acaso já não deixastes de ser uma tímida lagarta reclusa no escuro? Entende que tuas asas foram feitas para o teu tão precioso voo e não para enfeitar tuas belas costas? Ergue-te, formosa borboleta. Deixa teus vermes no chão e voa para longe.
- Esta borboleta teme desagradar ao pai que tanto ama e que tanto fez por ela. - Sua voz estava embargada. - Por favor, me perdoe. Me perdoe por não conseguir me desvencilhar dessa teia enrolada.
- Não preciso perdoá-la. Meu coração se parte com essa situação, por não poder convencê-la a desistir de tudo. Mas saiba que, não importa para onde vá ou com quem se case, eu estarei aqui para você e por você.
Ele se odiou por não ter conseguido dizer nada a ela. Não dizer sua verdadeira origem. Mas de que adiantaria? Desde que mais ninguém soubesse, não poderiam lhe fazer mal. Mas Anthony não poderia deixar de sentir que a estava traindo e, pior, a deixando para casar com um inimigo de sua espécie. Ela era das duas espécies, humana e vampira. Ela estava presa entre os dois mundos, quisesse ele ou não.
- Eu a amo, Lucy. - ele disse olhando bem profundamente em seus olhos. - Pode parecer estranho dizer isso em tão pouco tempo, mas é a verdade. Você capturou o meu coração, meus olhos buscam os seus incessantemente e minha mente não para de me mostrar o seu rosto. Sou um canalha por querer tão imaculado coração para mim.
Lucy o olhava com tanta afeição que parecia transbordar de seus olhos. Sentiu-se mais feliz do que qualquer outra pessoa, era a pessoa mais feliz do mundo. Naquele momento teve certeza de que o que sentia por Anthony era o sentimento mais puro e vívido que alguém poderia experimentar.
- Você é a minha perdição e, ainda assim, o deleite da minha alma. - ela disse em um tom meigo. - Eu o amo, o amo e não quero mais negar isso para mim mesma.
Você faz o meu coração palpitar e o ar faltar nos meus pulmões, a minha mente só consegue pensar em ti todo o tempo. Não há ninguém neste mundo que me faça sentir plenamente feliz e amada como você faz. Eu o amo.
- Deus está me castigando. - disse ele com um sorriso tímido. - Amaldiçoado sou entre os homens, por tomar para mim tão imaculado coração. Em fúria, ele me faz não poder tê-la comigo. Mas que culpa tenho eu por amar a mais bela de suas criações? A mulher que enche minha vida de esperança e amor. Eu a amo de toda a minha alma condenada. Permita-me visitar o céu que se esconde em teus lábios, este será o mais próximo que estarei do paraíso e isso já é o bastante para mim. Alguns segundos no paraíso da tua boca valem toda a minha existência no inferno, meu anjo.
Lucy e Anthony puseram-se de pé, ela pôs a mão suavemente no rosto do homem que se declarava para ela da maneira mais linda que podia existir. Ela sentiu que seu peito iria explodir.
Anthony segurou gentilmente seu rosto e com a ponta de seus dedos, ele acariciou os lábios de Lucy.
- Oh doce anjo, perdoa este infeliz demônio que tira a mácula de teus lábios.
Anthony aproximou seus lábios dos de Lucy e logo eles estavam unidos. Lucy retribuiu o beijo de Anthony, era um beijo doce e gentil, mas ainda sim, cheio de amor e desejo. Os dois se afastaram e se olharam. Por um momento acharam que tudo havia sido um sonho, mas era real. Muito real. Lucy estava corando enquanto olhava para Anthony, que parecia ainda mais encantado por ela.
- Então, esse é o sabor do céu? - disse Anthony passando novamente os dedos nos lábios de Lucy. - Será que serei condenado duas vezes ao inferno se beijá-la novamente?
Lucy sorriu de forma tímida.
- Só tem um jeito de descobrir.
Anthony puxou Lucy novamente para perto de si e a beijou de novo. Os lábios dela eram vividos, ele podia sentir o coração dela pulsar através de sua boca. Lucy não sentia a mesma vivacidade que ele experimentava ao beijar seus lábios. Os lábios de Anthony eram gelados, mas isso era só um detalhe para ela, naquele momento ela só sentia o amor de Anthony emanando daquele beijo.
Se afastaram novamente.
- Não desejo que esse momento acabe. - ela disse.
- Eu também não. - Seu tom era de pesar. - Mas eu estaria desejando o impossível. Nem todos os amores tem um final feliz, mas se você tiver o seu final feliz, isso já me basta.
Ela pousou o rosto em seu peito. Não havia vida dentro dele, não havia batidas em seu coração. Ele era morto por dentro, mas era a pessoa mais viva que ela já havia conhecido e a fazia sentir viva.
- Nunca amarei outra pessoa como o amo. - ela disse. - Nem Oliver, nem ninguém...
- Eu sei. - Murmurou. - Meus sentimentos também nunca serão capazes de pulsar por outra pessoa além de você.
- Meu final nunca poderá ser feliz sem ser ao seu lado.
- Se aquele homem puder amá-la um terço do que eu a amo e puder dar a você a vida que eu sonhei para nós dois...
Ele não pôde continuar, pois não podia mais mentir para si mesmo. Lucy percebeu o incômodo nos olhos dele e pegou gentilmente sua mão. Gelada como uma manhã de inverno, as mãos dele eram como a certeza de que o amanhã voltaria para iluminá-los, Lucy tinha certeza do que Anthony dizia e se lamentava em sua alma por não poder se entregar por completa a aquela paixão tão intensa e avassaladora que a tomava. O vampiro encostou sua testa na da menina à sua frente. Em completo silêncio, eles tocavam suas mãos, com os olhos semicerrados, desfrutavam daquele momento que poderia ser o último. Amantes em uma noite silenciosa, sob a lua e as estrelas, sobre corpos de pessoas que algum dia amaram e foram amadas.
Anthony soltou as mãos dela e levantou o olhar. Segurou o rosto dela como se fosse feito de cristal e beijou sua testa com carinho. Uma lágrima escorreu de um de seus olhos e caiu no cabelo de Lucy. Ela sentiu, mas nada disse.
- Eu a levarei para casa. - Ele disse.
Lucy assentiu. Se aquela tivesse sido a última vez que eles se viram, ela não sabia. O paraíso deles era algo inalcançável.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora