Capítulo 20 - O Lago dos Lírios

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Ela estava submersa. Seus braços se moviam freneticamente, em busca do ar através da montanha gelada que se abatia sobre ela. Sua voz trêmula e desesperada clamava por socorro, mas ele não veio. Estava sufocando cada vez mais, e mais, e mais. O ar estava ficando escasso e a escuridão não tinha fim, estava mergulhando cada vez mais fundo em um lago gelado e morto. Lucy acordou em desespero, a mão estava sobre seu peito para sentir seu coração disparado e a respiração descompensada. Mais um pesadelo. O mesmo pesadelo que sempre tinha naquela mesma época do ano. Ela não gostava do inverno. Jamais gostou. Apesar de ter sido nessa estação que seu pai a encontrou, Lucy não conseguia dormir bem, pois tinha aquele pesadelo corriqueiro. Mesmo que ela nunca tivesse visto neve em sua vida, ela sabia como era a sensação de se estar sob ela, afundando cada vez mais num infinito gélido.
Uma carruagem chegou pela madrugada, dois cavalos a puxavam e dois cocheiros vinham os
guiando. Era a mesma carruagem que havia vindo algumas semanas atrás, a carruagem da família Dauphin, mas Oliver não estava nela. Os cocheiros seguiram as instruções de seu senhor e foram até a casa de Harmon. O frade já esperava por eles e abriu prontamente a porta quando os mesmos bateram nela.
- Viemos buscar a senhorita Lucy - Disse o mais alto dos dois.
- Sim, estou ciente. - Ele respondeu sem entusiasmo. - Gostariam de entrar e beber algo?
- Não, senhor. - O mesmo cocheiro respondeu. - Daremos água para os cavalos enquanto aguardamos.
Harmon assentiu e fechou a porta. O frade suspirou antes de bater na porta do quarto da filha, ao entrar, a viu já de pé arrumando seus pertences.
- Já acordou?
- Perdi o sono. - Ela disse colocando um vestido azul em seu baú. - Resolvi arrumar tudo o quanto antes.
- A carruagem que a levará já está lá fora.
- Mas tão cedo?
- São muitas horas de viagem, talvez ele queira que você chegue o quanto antes. - Ele não parecia feliz. - Termine de guardar suas coisas e eu chamarei os cocheiros para levarem seu baú.
Lucy concordou com um sorriso, mas não recebeu outro sorriso em troca. Harmon não estava feliz, mesmo que não demonstrasse seus sentimentos, ele não queria que Lucy partisse. Desde que Lucy havia chegado em suas vidas, eles nunca haviam se separado. Iria sentir falta de sua filha, sua garotinha.
Os cocheiros levaram o baú de Lucy até a carruagem. Harmon e Lucy apenas observaram enquanto eles arrumavam tudo. Lucy percebeu passos apressados vindo na direção deles, quando virou para ver, viu os membros da igreja junto com a irmã Dominic.
- Graças a Deus chegamos a tempo! - Exclamou a freira. - Ou você realmente achou que não iriamos nos despedir de você, querida?
- Vejo que já está tudo pronto para a partida. - Disse Frederic se aproximando de Harmon. - E como você está quanto a isso?
- Como um pai deveria estar ao ver sua filha partindo para um lugar desconhecido?
- Eu compreendo. Mas lembre-se de que isso é o melhor para ela.
Freira Dominic abraçou Lucy de maneira maternal. Seu coração estava apertado pois sabia da angústia que assolava o coração de sua querida menina.
- Isso será bom - Disse com otimismo. - Você poderá ver com seus próprios olhos o quanto Deus será generoso com a sua vida.
Lucy nada disse. A freira soluçou e começou a chorar incontrolavelmente.
- Querida irmã, não chore. - Pediu Lucy. - Voltarei logo.
- Ficarei tão sozinha nesses dias sem sua companhia, minha filha. - Ela passou a mão no rosto de Lucy.
- Também sentirei sua falta, querida irmã. - Ela a abraçou.
- Todos nós sentiremos, minha criança. - Enfatizou Jullian. - Se ao menos soubesse o quanto é querida por todos nós.
- Eu agradeço, Padre. - Lucy disse carinhosamente. - Sentirei falta de toda a minha querida família.
E ela não mentiu. Aquelas pessoas lhe eram tão queridas, que sem elas, ela se sentiria sozinha e desnorteada. A igreja havia sido sua primeira casa e aquele fato não poderia ser mudado.
- Venha, Lucy. - Chamou Frederic. - Está na hora de ir. Desejo-lhe uma boa viagem.
- Só um momento. - pediu Dominic. - Trouxe para caso sinta fome no caminho.
A freira lhe entregou uma cesta com pães, geleia e outras coisas mais que Lucy gostava. A menina deu um último abraço na freira e se despediu dos membros da igreja.
- Voltarei logo, papai. - Ela disse dirigindo-se a Harmon. - Sentirei sua falta.
- Eu também sentirei. - Disse ele secamente. - Não se esqueça de suas orações.
- Não esquecerei.
Lucy colocou-se na ponta dos pés e beijou o rosto de seu pai. Harmon não pôde deixar de esboçar o que deveria ter sido um largo sorriso.
- Que Deus a acompanhe. - Ele pôs a mão em sua cabeça.
A menina sorriu, pois esse era o jeito de seu pai demonstrar carinho por ela.
O cocheiro a ajudou a entrar na carruagem, ela abriu a cortina e acenou para aqueles que foram ficando para trás até sumiram de sua vista. Era o início de algo novo para ela.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora