Epílogo - Eternamente

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As folhas do outono enfeitavam as ruas e calçadas, estavam sobre os bancos das praças e sobre as tendas das barraquinhas de flores. A cidade de Paris havia mudado muito nas últimas décadas, as casas haviam se tornado prédios ou comércios, pontes estonteantes foram construídas sobre o rio Sena e uma enorme torre havia sido construída no meio da cidade. Apenas uma coisa permanecia igual ao longo dos anos, a Catedral de Notre Dame, ainda estava lá, esplendorosa como sempre foi e cheia de histórias. Histórias que aquelas novas pessoas jamais sonhariam que aconteceu um dia.
Os vampiros que sobreviveram a guerra, agora eram livres da opressão e perseguição, com a ajuda da igreja. Todos eles puderam viver suas vidas com a paz que tanto almejavam. Sir Vladimir ofereceu sua aldeia para a residência de alguns deles. Alguns aceitaram e outros partiram para longe da França, em busca de um novo recomeço. Os quatro amigos, que em tempos de tribulação estiveram juntos, se separaram. Sthephan passou alguns anos no vilarejo de Sir Vladimir, até que ele e Violet finalmente chegaram em um consenso sobre a relação deles e partiram rumo à Espanha. Benjamin permaneceu no vilarejo, ele e Louis tornaram-se companheiros, permaneceram juntos por séculos e séculos. Por fim, Anthony casou-se com Lucy logo após o final da guerra. Eles viveram no vilarejo até a morte de Harmon, após o luto, os dois se mudaram para o norte da Inglaterra. Lucy deu à luz a três crianças: Vincent, Elizabeth e Mary.
Depois de tantos anos, a febre do vampiro nunca mais apareceu, mas os vampiros se tornaram famosos, quase um ícone. As pessoas já não os temiam mais, apesar de nunca terem visto um. O que os cidadãos de Paris não sabiam era que todos os anos, na mesma época do ano, um jovem casal de vampiros visitava a cidade. Todos os anos, no fim do outono, Lucy e Anthony voltavam a Paris, a fim de recordarem como tudo começou. A casa na qual Lucy cresceu já não mais existia, agora uma loja de perfumes ocupava o local, as pessoas que iam e vinham o dia inteiro foram substituídas por automóveis. Levou um tempo para que eles se acostumarem com tantas mudanças, mas o novo século não era tão ruim. A idade média veio e acabou, a época renascentista passou rápido, assim como a era vitoriana, quando o século XX chegou, muitas guerras vieram e abalaram o mundo e, quando o ano 2000 veio, foi como uma calmaria. O tempo passa devagar para a maioria das pessoas, mas para um vampiro, 600 anos são quase como 60 anos. E mesmo que o mundo houvesse sofrido tantas mudanças, Lucy e Anthony ainda eram os mesmos. A juventude ainda os abraçava como uma velha amiga. Lucy ainda tinha os mesmos cabelos loiros e longos, os olhos azuis repletos de ternura e uma aparência gentil. Anthony também pouco mudara, os olhos castanhos enigmáticos, os cabelos castanhos no mesmo corte de 600 anos atrás e um amor por Lucy que não parecia ter fim.
O sol quase deixava o horizonte, o casal caminhava pela rua de mãos dadas, observando tudo ao seu redor com os olhos de um falcão.
- Abriram outra loja ali - Lucy disse. - Quantas lojas podem ser abertas em um lugar onde existiu apenas uma casa?
- É um tipo de "melhor aproveitamento do espaço" - Anthony respondeu.
- Onde você viu isso? - ela sorriu.
- No Google.
Ela riu graciosamente. De repente, Lucy parou de andar. Seus olhos brilharam como a luz do sol refletida na água mais cristalina do mundo.
- Querida?
Os olhos de Lucy fitavam a imagem magnífica que estava a sua frente, sua mente ficou nostálgica e várias cenas de seu passado passaram diante dela, como um filme.
- Está ouvindo? O som?
Anthony parou de olhar para ela e concentrou sua audição. Ele fechou os olhos e um som o invadiu, era um som forte e ao mesmo tempo gentil, um som que o fez recordar.
- Os sinos. - ele disse abrindo os olhos. - Os sinos de Notre Dame.
Lucy assentiu. Ela ainda concentrava toda a sua audição nesse som. Os sinos, por tantos anos foram eles que a despertara de seu sono, eram eles que anunciavam boas e más notícias também. Naquele momento, se sentiu uma menina de novo.
- Ainda são um deleite para a alma - ela disse ainda olhando para a Catedral.
A Anthony pôde ver o semblante de encantamento no rosto de Lucy. Ela não havia mudado absolutamente nada desde que eles se conheceram, seu rosto ainda era o de uma boneca de porcelana, traços de menina. Os olhos ainda eram ingênuos como os de uma criança que enxerga beleza em tudo, o sorriso gentil e terno ainda desenhava em seus lábios. A graça da imortalidade era um traço que Lucy carregou até mesmo nos dias em que era humana.
- Gostaria de ouvi-los mais de perto? - Ele sussurrou em seu ouvido.
Ela assentiu. Despistando toda a atenção, o casal entrou na igreja despercebido, andaram pelos corredores e escadarias sem que uma única pessoa os notasse. Lucy havia aprendido a ser sorrateira como Anthony e havia ficado muito boa nisso, quase tanto quanto ele. Eles fizeram o mesmo caminho que haviam feito há 600 anos, a igreja pouco tinha mudado e Lucy ainda conseguia lembrar-se dos caminhos que os levariam a torre. Ao abrirem a porta, o vento veio sobre eles, bagunçando os cabelos da moça loira que pouco se importou. Aquela era a torre deles, a Catedral deles, a Paris deles. Ali em cima, eles puderam ver a diferença na paisagem.
- Tudo mudou. - Ela disse. - Mas ainda é lindo.
Anthony a abraçou por trás, enlaçando-a com seus braços. Ele pousou a cabeça suavemente em seu ombro esquerdo, contemplando a mesma visão que ela.
- Lembra-se de quando viemos aqui pela primeira vez? - Ele perguntou.
- Sim. - Ela disse com um sorriso, virando-se para olhar seu marido. - Você disse que me mostraria o mundo. E mostrou.
- E você me deu o meu mundo. - Ele respondeu beijando seu rosto carinhosamente. - Me deu uma vida feliz, com filhos e muito amor.
- Sente falta de algo? - Ela voltou a olhar para o horizonte.
- Às vezes. - Ele levantou a cabeça. - Sinto falta de Sthephan e de suas asneiras, sinto falta de Violet, Benjamin, Vincent... Cada um de nós trilhou um caminho diferente, mas sempre estaremos conectados pelos nossos corações. E você? Sente falta de alguma coisa?
- Sinto falta da minha casa, sinto saudades de meu pai, da minha querida irmã. - Ela suspirou, com os olhos vagando pelos céu escuro. - Às vezes queria voltar no tempo, vê-los novamente, mas então lembro-me do presente e me sinto agradecida por tudo. Sempre teremos as pessoas que amamos próximas a nós de alguma maneira. Na saudade e na lembrança é quando nos damos conta que tudo valeu a pena.
- Meu anjo. - Ele girou o corpo de Lucy, fazendo-a olhar para ele. - Teremos sempre um ao outro e sempre teremos esta cidade.
- Eu amo você. - Sua voz doce e suave atravessou os ouvidos de Anthony.
- Não mais do que eu a amo.
Anthony colocou sua mão no rosto de Lucy, ela se aproximou dele e seus lábios se encontraram em um doce e apaixonado beijo. Os sinos voltaram a tocar, espantando as aves que ali repousavam, as fazendo voar para longe. Naquele momento, Lucy pensou consigo mesma que seu amor por Anthony era considerado uma maldição pelos homens e um pecado aos olhos de Deus. Mas ela sabia que o amor dos dois havia sido a libertação deles. Ele, era o demônio que havia a desvirtuado e graças a isso ela soube da verdade e ela era o anjo que o havia salvado de sua penitência eterna por ser o desprezo dos homens. Nada mais importava, eles não eram mais anjos e nem mesmo demônios, eles eram corpos, um único espírito que viveriam para sempre ali.
Lucy afastou seus lábios dos de Anthony e com uma voz repleta de certeza e suavidade disse:
- Não somos mais quem éramos, somos dois corpos, mas uma sớ alma e um só coração. Existimos um pelo outro com uma chama que não se apaga. O tempo vai passar e as coisas mudarão, mas a nossa existência neste mundo jamais acabará, assim como nosso amor. Somos apenas corpos com almas incapazes de sumir.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora