A morte é como um sopro gélido de inverno, leva consigo tudo o que vê pela frente, faz os ossos tremerem e os músculos doerem. Quando a morte vem, ela sempre deixa uma marca, tanto naqueles que ela leva quanto naqueles que ela deixa ficarem. Naquela madrugada a marca da passagem dela era rubra, espalhada pelas ruas, becos, escadas e pelo rio. O sangue vívido de homens e vampiros se misturavam como um só e, ao se misturarem, não podia ser vista nenhuma diferença entre eles. Amigos, irmãos, filhos e filhas, pais e mães, estavam todos mortos pois o sopro da mortalidade havia os deixado. A perda era enorme para ambos os lados e não havia um vencedor, apenas duas partes devastadas pela perda e pela morte. Naquele momento, não havia ódio, só dor e sofrimento pelos corpos dilacerados pela guerra sem sentido.
Frederic e Vincent foram achados próximos à Catedral. Seus corpos haviam se quebrado na queda e a espada ainda atravessava seus corpos sem vida. Lucca retirou a espada e cortou a cabeça de seu líder, para que enfim encontrasse a paz na morte. Ele se esforçou para que aquilo não o afetasse, mas não havia como. Estava acabado. A guerra tinha acabado junto com a rebelião e nada mais podia ser feito.
Dentro da catedral, Anthony colocava o corpo de Lucy em um caixão aberto de carvalho, não havia tampa, apenas um pano fino e transparente na cor branca sobre o corpo da donzela. Eles a enfeitaram com flores vermelhas e amarelas, trocaram o vestido manchado de sangue e pentearam seus cabelos, por fim, colocaram suas mãos uma em cima da outra e uma flor branca sobre ela. Mesmo naquele lugar, ela não parecia estar morta, parecia estar apenas dormindo, sonhando com as coisas mais belas que podiam ser imaginadas pela mente humana. Mesmo morta, ela era a visão mais bela que os olhos de qualquer homem ou mulher pudessem contemplar. Ninguém disse uma única palavra. Não, estavam muito abalados para falarem. Ver a mais bela chama que brilhava mortalidade se apagar foi destrutivo para seus espíritos.
- Está acabado. - Disse Vladimir pondo a mão sobre a cabeça de Lucy. - A que preço encontramos a paz. Pagamos a tão almejada paz com sangue e vida.
- Olhe para ela. - Anthony tocou em sua mão sobre o pano que a cobria. - Nem mesmo o sopro mórbido foi capaz de tirar a suavidade de seu belo rosto. Nem mesmo o horror da morte conseguiu arrancar-lhe o esplendor de sua existência.
- O deslumbre de uma noiva. - Completou Vladimir.
- Vocês devem sair daqui. - Harmon se aproximou deles, sem sequer esconder a emoção de vislumbrar Lucy em seu caixão. - Logo as pessoas virão com o amanhecer e o transepto ficará lotado.
Anthony beijou a mão de sua amada imóvel e seguiu junto com os outros vampiros para longe dos olhos dos mortais que viriam. Os vampiros foram para a torre norte e lá permaneceram, apenas observando de longe a vigília que estava prestes a começar.
A perda de Lucy podia ser sentida por todos os cidadãos de Paris. Todos conheciam a jovem feliz e iluminada que andava pelas ruas, com seu sorriso encantador, seu olhar cortes e sua voz melodiosa como de mil anjos no coro.
Madame Petit foi a primeira a colocar flores no pé do caixão, com lágrimas escorrendo em seu rosto magro, ela lamentou a morte da jovem. O senhor Petit veio logo em seguida, depois o Sr. Samuel, segurando a mão de Evangeline que trazia flores simples e parcialmente murchas tiradas de algum canteiro. A criança viu a jovem deitada, como um anjo em seu mais perfeito descanso pacifico e puro, viu seu avô colocar a mão sobre o rosto e chorar soluçando enquanto se afastava do corpo. As senhoras da feira vieram juntas, com flores e véus sobre seus rostos entristecidos. Nenhum deles saiu sem notar o quão plena e bela Lucy estava em seu leito da morte. Uma menina jovem e amada por todos que a conheciam, sua falta abriria uma ferida nos corações daquelas pessoas que seria impossível de cicatrizar.
Outra perda também os torturava. Freira Dominic jazia ao lado de sua querida menina. Em caixão de madeira e lacrado, para que ninguém pudesse ver o horror de sua partida, apenas uma pequena janela de vidro na tampa podia confirmar que de fato era a freira que ali descansava. Mãe e filha, juntas na vida e juntas na morte. Ambas mortas por um vampiro, foi o que seu pai disse.
As honrarias da morte duraram o dia todo, pessoas entravam, choravam, deixavam flores nos caixões e saiam em silêncio.
Frederic não foi colocado junto das duas, pois seria um insulto, quase uma provocação. Não, o corpo do padre estava na pilha de corpos no pátio interno da igreja, junto com o corpo de Gerard, que havia morrido na luta ao bater a cabeça violentamente no chão e com o corpo de outros cavaleiros. O corpo de Vincent havia virado cinzas, queimado junto aos corpos de outros vampiros que perderam suas vidas.
As portas da igreja se fecharam ao cair do sol no horizonte, um silêncio se fez dentro da Catedral, como se nada e nem ninguém se encontrassem lá dentro.
Quando a última luz do sol se extinguiu através dos vitrais, uma inquietação começou. Olhos até então cerrados se abriram vagarosamente, observando com cuidado tudo ao seu redor, com uma agilidade que antes nunca havia experimentado. Mãos rígidas se desprenderam uma da outra e tatearam o lugar sobre o qual o corpo repousava. Pondo-se sentada e ereta, a jovem mortal de outrora agora sentia algo escorrer por sua face, o véu transparente escorregou até o chão. Ela não era mais ela mesma, era outra. Não havia mais vida dentro de si e, de algum modo, ela jamais havia se sentido tão viva quanto naquele momento. Seu coração não mais batia e seus pulmões não puxavam mais o ar pelo seu nariz. Era ela imortal.
- Lucy. - Uma voz agradável a chamou.
Num movimento lento ela virou seu rosto e viu o homem que amava parado atrás dela. Seu impulso a fez levantar-se de seu leito mórbido e encontrar o aconchego nos braços de Anthony. Eles se abraçaram com força e ternura, como se nunca tivessem tocado um ao outro em toda a vida. Anthony sentiu a pele fria de Lucy se igualar a dele, tocando-o, tateando-o, explorando-o. Lucy sentia Anthony como nunca antes havia sentido como quando era mortal. Seu toque não era mais gelado, era agradável como o sopro da primavera. Ela sentia o aroma do sangue dele, sentia o pulsar de suas veias em seus ouvidos.
- Ah, paraíso. - Ele disse a segurando firme em seus braços.
- Meu amor. - Ela disse deixando-se invadir pelos sentimentos que a possuíam.
Sem saírem dos braços um do outro, eles fitaram-se. Anthony viu os belos olhos azuis de Lucy mais vividos do que antes, sua boca pulsando sangue como se o coração ainda batesse dentro dela. Ele a beijou imediatamente, sentindo o sabor do céu inundar sua boca. Ela correspondeu ao beijo com paixão ardente e crescente. Enfim eram um do outro, pertenciam a eles mesmos e a mais ninguém. Separaram seus lábios brevemente, como que para constatar que aquilo era real, que aquele momento era real e não deixaria de ser em hipótese alguma.
Lucy acariciou o rosto de Anthony, que apreciava seu toque como se uma pétala de rosa percorresse sua face. Não haviam dúvidas, não haviam incertezas, não havia nada de ruim, apenas eles dois e o amor que queimava dentro deles.
- Eu te amo. - Ela disse docemente.
- Não mais do que eu a amo. - Ele tomou os lábios dela novamente nos seus, beijando-lhe com o amor que transbordava de dentro dele.
- Vejam só. - Uma voz brincalhona invadiu os ouvidos do casal. - Agora eles não se separam mais.
- Sabia que é feio espiar pessoas, Sthephan? - Anthony com um tom divertido.
- Então não brigue somente comigo. - Disse ele rindo. - Brigue com todos eles também.
Foi quando o casal se deu conta que eram observados por mais de uma pessoa. Não era mais possível que Lucy corasse como antes, mas se ainda fosse mortal, seu rosto estaria completamente vermelho.
Os olhos da recém transformada vampira, encontraram um tímido e afetuoso frade no meio daquelas pessoas.
- Pai. - Ela correu até ele.
Frade Harmon abriu os braços para receber o abraço de sua amada filha.
- Estou tão feliz em vê-lo. - Disse com afeição nas palavras.
- Minha querida, - Ele pousou delicadamente a mão sobre a face da vampira. - Está mais deslumbrante do que nunca. Posso ver a alegria em seus olhos e a felicidade emanando de você. Meu coração se alegra ao vê-la assim.
Lucy sorriu para seu pai com estima. Ela podia sentir ainda o remorso no rosto do frade, mas de fato, ela não guardava mágoas pelas ásperas palavras que lhe foram proferidas naquela noite. Ela sabia que seu pai a amava, tinha certeza disso.
- Lucy... - Julian veio até ela um pouco tímido. - Me perdoe, por tudo...
- Não se aborreça com isso, querido padre. - Ela o abraçou com ternura. - Tenho grande carinho pelo senhor e nada nesse mundo mudará isso.
O coração de Julian palpitava mais calmo e repleto pela ternura que ela transpassava para ele. Lucy podia ser uma vampira agora, mas a pureza de seu coração mortal continuava intacta.
Vladimir aproximou-se de Lucy sutilmente.
- Minha menina. - Ele disse tocando seus cabelos.
- O senhor... - Ela se surpreendeu ao vê-lo e o abraçou. - Graças a Deus está bem.
- Estou sim. - Ele retribuiu o abraço. - Deixe-me vê-la.
Lucy se afastou de Vladimir. O vampiro a olhou de cima abaixo encantado. Pegou levemente sua mão e a girou na sua frente.
- Vejo muito de sua mãe em você, Lucy. Ela se orgulharia da mulher que você se tornou.
Lucy assentiu com um sorriso delicadamente desenhado em seus lábios.
- Quero que o senhor conheça uma pessoa. - Ela disse o direcionando até Harmon. - Este é o meu pai, frade Harmon.
Vladimir o cumprimentou com um aceno de cabeça cortes.
- Obrigado por cuidar de minha neta por todos esses anos, senhor. - Ele agradeceu com delicadeza na voz.
- Ela é o meu presente. - O frade olhou para Lucy. - A melhor coisa que já me aconteceu.
- A melhor coisa que já nos aconteceu! - Enfatizou Anthony aproximando-se de Lucy. - O meu anjo.
O vampiro pegou a mão de Lucy e a beijou com suavidade.
- Estou sentindo algo em meu estômago. - Disse Sthephan. - Estou nauseado.
- Porque não aproveita este momento de plenitude e diz o que está há muito tempo em seu coração, caro amigo. - Disse Anthony sorrindo para Sthephan de maneira provocadora.
Sthephan paralisou, como se tivesse tornado uma estátua de um minuto para outro. Pigarreou e coçou a cabeça de maneira desajeitada.
- Está jogando sujo, amigo. - Respondeu ainda desconcertado. - Quem sabe em outra oportunidade.
- Porque não? - Anthony riu. - Temos a eternidade para isso.
Ele colocou as mãos na cintura de Lucy e a puxou, beijando-a novamente.
- Acho que vou vômitar. - Declarou Sthephan pondo a mão sobre a boca.
- Por Deus, nem mesmo na igreja você para de fazer gracejos fora de hora. - Reclamou Violet.
- No dia que ele parar com isso, ele estará mortou. - Brincou Benjamin.
Anthony e Lucy olharam para os vampiros que começaram a discutir entre si de forma divertida. Sorrindo como nunca antes, Lucy apreciou aquele momento. Estava nos braços do homem que amava e cercada por sua família. Ela não desejava mais nada naquele instante.
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Sangue Profano (FINALIZADO)
Romance*Plágio é CRIME previsto no artigo 184 do Código Penal 3 que possui punição que vai desde o pagamento de multa até a reclusão de quatro anos, dependendo da extensão e da forma como o direito do autor foi violado.* Capa por @xxxpersephone ♡ Sinopse:...