Capítulo 34 - Amor Materno

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O corpo de Oliver estava sobre um altar, haviam ervas nas feridas em sua barriga e em seu peito e o corte em sua garganta havia sido costurado. Ele estava frigido, os olhos cerrados, no sono profundo e eterno. Nem de longe lembrava a imponência do Lorde que um dia foi. Era só mais um homem mortal que havia sido levado pela morte, como todos os outros homens mortais.
Lady Dauphin chorava incessantemente ao lado do corpo de seu único filho. As lágrimas escorriam e queimavam em seu rosto, como uma mistura de luto e raiva. Ela havia passado as últimas horas velando o corpo dele.
Os padres o envolveram com incenso e água benta. Não havia mordidas de vampiro em nenhuma parte de seu corpo, o que os aliviou. A causa da morte foi a perfuração em seu baço e a hemorragia proveniente do corte em sua garganta.
Cavaleiros juramentados da casa Dauphin ficaram encarregados de levar o caixão do Lorde durante todo o cortejo fúnebre até a propriedade da família, onde ele seria enterrado.
Antes de partir com sua comitiva, Sofia e padre Frederic se reuniram na sacristia para conversarem em particular.
- A morte do Lorde foi uma fatalidade e é isso que deverá ser dito a quem perguntar. - Declarou Frederic friamente.
- Aquela menina matou o meu filho. - Gritou Lady Dauphin. - Ele foi assassinado.
- Escute-me, senhora. A verdade sobre as circunstâncias da morte do Lorde Dauphin deve ser omitida.
- E por qual razão? O senhor deseja proteger aquela que tirou a vida do meu menino?
- Não, de forma alguma. Mas será melhor para a reputação de sua casa. - Ele a olhou de forma sugestiva.
- Como ousa insinuar tal coisa? - Ela estava furiosa.
- Não sou um homem de insinuar, senhora. Apenas acho que se a verdade vir à tona, a casa Dauphin ficará mal falada. A não ser que a senhora ache que está tudo bem que todos saibam que um voraz caçador tenha sido assassinado por uma jovem filha de um frade.
- Maldito seja.
- Está cometendo sacrilégio, Lady Dauphin.
- E o senhor está defendendo uma assassina e manchando a honra de meu filho. - Ela disse agressivamente. - Eu a quero morta. Quero que todos saibam que ela nunca foi a santa que todos vocês acreditavam ser. Nem que eu mesma tenha que fazer justiça com minhas próprias mãos.
- Não posso permitir isso.
Frederic andou até Lady Dauphin e com calma e frieza cravou uma adaga na barriga da mulher. Sofia Dauphin agarrou-se no manto do padre, sufocando, sem acreditar no que estava acontecendo.
- Pense nisto como um gesto de misericórdia, mi Lady. - Disse calmamente. - Agora poderá ficar com seu amado marido e seu adorado filho.
Ela não conseguiu falar, emitia apenas pequenos sons de agonia e dor. Frederic cravou a adaga mais fundo. Lady Dauphin caiu no chão, com os olhos abertos, ainda perplexos, o sangue escorria pelo canto de sua boca. Frederic a colocou de barriga para cima e pôs a adaga em sua mão esquerda, para parecer que a morte havia sido um suicídio.
- Que Deus recolha a sua alma. - Ele fez o sinal da cruz e a olhou com desprezo uma última vez. - Ninguém nunca fica em meu caminho.

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Passos apressados vinham em direção a cela de Lucy, que ficava no fim do corredor da alta torre do Palácio da Justiça. Lucy reconheceu os passos imediatamente, pois havia os escutado a vida toda. Os reconheceria em qualquer lugar e em qualquer circunstância.
- Irmã. - Ela disse ao ver a imagem da freira. - Irmã.
- Minha filha. - Dominic ajoelhou-se diante de Lucy. Seus braços atravessaram o espaço entre as grades de aço, tocando as mãos da jovem dentro da cela. - Minha querida, que tragédia se abateu sobre ti.
- Muitas tragédias tem vindo ao meu encontro. - Lamentou a jovem. - Acho que Deus está me castigando pelo meu pecado. Por amar aquele que desafia a lei natural dos céus e do homem.
- Não, Lucy. - Disse com uma voz de consolo. - Deus jamais castigaria alguém por amar. O amor é a lei mais absoluta de Deus e não importa quem você ame, de todas as formas, esse sentimento é visto com bons olhos pelo nosso Senhor. Está em seu mandamento: "Amar o próximo como a si mesmo".
- Mesmo em um momento como este, a senhora sempre sabe o que dizer. - Luc sorriu com certa dificuldade.
- Mas não foi para dizer belas palavras que vim até aqui. - A freira levantou-se num pulo e tirou do bolso de seu hábito um molho de chaves grosso e barulhento. - Apressa-te.
A freira pegou as chaves e uma por uma as colocou na fechadura, em busca daquela que abriria a cela.
-Como a senhora conseguiu as chaves? - Questionou com uma expressão de surpresa.
- Dei aos guardas um pouco de vinho. - Ela disse enquanto trocava as chaves na fechadura de forma frenética. - E também um pouco da erva para dormir misturada na bebida.
Apesar de sua expressão, curiosamente Lucy não estava surpresa. Dominic era esperta e astuta, ela sabia pois já havia testemunhado inúmeras façanhas da freira.
Finalmente Dominic encontrou a chave certa. A porta gradeada pesada foi aberta fazendo um rangido.
-Venha. - Gesticulou com a mão.
As duas desceram rapidamente as escadarias circulares que levavam para a saída do Palácio. Com cautela, elas foram para fora, onde um cavalo estava à espera.
Dominic desamarrou as rédeas que estavam atadas a um poste de madeira ao lado de um bebedouro para cavalos.
-Vá antes que alguém a veja. - Disse entregando as rédeas para Lucy.
- A senhora não vem comigo? - Questionou a jovem.
- Não, minha criança. - Ela disse com tranquilidade. - Encontre os companheiros dele e o salvem. O tempo corre e a execução será ao anoitecer do dia que se aproxima.
- Irmã...
- Isso não é uma despedida, Lucy. - Ela disse gentilmente. - Logo estaremos juntas novamente. Eu nunca a carreguei dentro de meu ventre, mas nutro por você o mais singelo dos sentimentos. Todos esses anos você foi a alegria da minha vida, como uma filha que nunca tive.
- Querida irmã. - Lucy a abraçou com ternura, apertando levemente o corpo da freira. - Eu não poderia desejar uma mãe melhor do que a senhora foi para mim. Eu sou imensamente grata por poder chamá-la de minha mãe.
- Lucy... - A voz embargada da freira significava que a mesma estava em lágrimas.
- Precisa saber de uma coisa antes que eu vá. - Declarou afastado-se de Dominic. - Sei quem foram meus pais, sei que eles me amaram e me queriam do fundo de seus corações. Minha mãe era uma vampira e meu pai um humano. Eu possuo o sangue dos vampiros dentro de minhas veias, o sangue imortal corre dentro de mim.
- Isso não muda nada. - Disse a freira tocando o rosto da menina com afeição. - Você ainda é a mesma Lucy. A mesma menina que amo como sendo minha. Não importa seu sangue ou sua origem, o que importa é o que você carrega em seu coração.
Lucy sorriu para Dominic. A freira pôde contemplar o mesmo sorriso simples e iluminado que Lucy possuía desde criança. O sorriso mais doce e verdadeiro que ela já havia visto em toda a sua vida. Ela era para sempre a sua garotinha brincalhona e meiga.
-Agora vá. - Ordenou.
Lucy montou no cavalo com pressa e o guiou na direção em que queria.
-Até breve, querida irmã.
- Até breve, minha filha. Que Deus a proteja.
Lucy viu o semblante da freira uma última vez antes de galopar com o cavalo para longe dali. Dominic a observou ir embora em silêncio e, mesmo que houvesse dito que se veriam novamente, algo dentro dela a dizia que aquela era a última vez que ela via sua querida Lucy.
Antes de alcançar os limites de Paris, Lucy ouviu trotes vindo logo atrás dela. Dois cavaleiros a perseguiam, ganhando proximidade a cada instante. Seu coração acelerou e palpitava tanto quanto a rapidez dos cascos dos cavalos sobre o chão. Em apenas uma única noite, a jovem viu sua vida em completo perigo mais uma vez.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora