Capítulo 07 - Gentil Cavalheiro

53 6 1
                                    

A menina correu bem mais do que achava que era capaz. Nas ruas ela não se deparou com uma única alma viva, não havia ninguém em seu caminho e isso era bom, não teria que se explicar para ninguém, pelo menos, por enquanto.
Lucy parou de correr e começou a andar de um jeito desajeitado até o poço que ficava bem no cruzamento das ruas. Ela se debruçou sobre a beira do poço e puxou a corda que do outro lado trazia um balde de madeira e metal. A luz intensa da lua refletiu na água, o que possibilitou que Lucy visse seu reflexo na água do balde.
- Meu Deus - disse ela assustada tocando em seu rosto. - Este sangue não me pertence.
Ela ficou horrorizada ao ver tamanha quantidade de sangue espalhado em seu rosto. Juntou as mãos como uma concha e lavou o rosto da melhor forma que pôde. O sangue parecia ter impregnado seu rosto de tal forma que não saia por completo. Mas ela precisava tirar qualquer vestígio dele de seu rosto ou não saberia o que explicar quando a vissem. Na verdade, ela não saberia explicar coisa alguma quando a perguntassem e eles perguntariam. Lavando com um pouco mais de força, Lucy conseguiu tirar o sangue de seu rosto, mas o vestido sujo e os sapatos molhados não poderiam ser melhorados de nenhuma forma. Ela sabia que estava com problemas.
Frade Harmon andava de um lado para o outro com o cenho cerrado e o ar preocupado.
- Como ela pôde fazer isso? - indagou furiosamente. - Como essa menina pode ter desaparecido dessa maneira, sem que ninguém a visse?
- Acalme-se, Harmon, ou acabará tendo um ataque de nervos. - disse Frederic.
- Já estou com um ataque de nervos.
- Eu sinto muito, senhor frade - Oliver estava com um olhar de culpa. - A culpa é completamente e inteiramente minha. Não devia tê-la deixado sozinha aqui.
- Não se culpe, Sr. Oliver - respondeu Frederic. - Acredito que estamos nos preocupando a toa. Tenho certeza de que Lucy está bem e logo voltará para cá.
As palavras de Frederic pareciam ter sido proféticas, pois assim que terminou de falar, padre Jullian avistou Lucy aproximando-se pelo jardim. Os olhos curiosos se voltaram para a menina que subia as escadas com os sapatos molhados e o vestido sujo com terra. A menina sentiu seu rosto corar de vergonha, muita vergonha. Ela sequer ousou olhar para eles.
- Lucy - disse Jullian aproximando-se dela. - Por Deus, criança, onde esteve e porque está neste estado? O que te aconteceu para teres sumido dessa forma?
Lucy sabia que todos queriam uma resposta, mas ela não podia contar o que realmente havia acontecido. Ela tentou buscar as palavras e a desculpa perfeita.
- Eu… - as palavras sumiram de sua mente.
- Por favor, senhorita – Oliver pegou sua mão e a direcionou a sentar-se no banco. - Sente-se. Está tremendo.
Oliver colocou as mãos sobre as de Lucy numa tentativa de deixá-la um pouco mais calma. Ele sentiu a necessidade de acolhê-la naquele momento.
- Vamos, Lucy – disse Harmon. – Estamos esperando as suas explicações.
- Eu quis andar pela cidade. Pensei em vê-la a noite, já que nunca saio a esta hora. Quando me dei conta, estava no jardim próximo ao rio, acabei tropeçando e estragando meu vestido. Eu sinto muito por tê-los preocupado, julguei que não sentiriam minha falta.
- E o que a fez pensar que podia sair sem me avisar? - Harmon a repreendeu. - Você deixou todos nós preocupados. Sequer pensou em mim e o quê esse sumiço me faria pensar.
- Harmon, está exagerando…
- Não ouse tirar minha autoridade de pai, Frederic. Ela deve saber as consequências de seus atos impensados.
- Eu sinto muito, pai.
- Eu não quero ouvir mais nada de você. Vamos para casa imediatamente.
- Harmon, a festa ainda não chegou ao fim - disse Gerard. - Seria grosseiro sair agora.
- Eu não me importo. Um membro a mais ou a menos não fará diferença. Devemos ir agora.
- Senhor frade, perdoe minha intromissão, mas permita-me levar o senhor e a senhorita Lucy em segurança até em casa.
- Agradeço, senhor, mas não se faz necessário.
- Eu insisto. Dada as circunstâncias, o melhor seria uma saída discreta, não concorda?
Harmon assentiu positivamente para Oliver.
- Iremos embora por aqui, não quero que as pessoas a vejam nesse estado e eu seja envergonhado ainda mais.
Lucy olhou envergonhada para o chão. Não disse ou expressou nada diante de ninguém. Queria apenas sumir, desaparecer.
- Chamarei meu cocheiro para esta parte do salão. Um momento.
Lucy sentiu-se ainda mais envergonhada de estar naquele estado na presença de Oliver e ele ter de ajudá-la como se ela fosse uma coitada. Um problema que estragou sua noite. Que estragou a noite de todos.
A carruagem balançava fazendo todos ali dentro chacoalharem de um lado para o outro. Harmon não olhava para Lucy, a jovem garota mantia o rosto voltado para o chão e Oliver parecia muito inquieto. O jovem rapaz queria dizer algo para amenizar o clima ruim que ali se encontrava, mas não conseguia pensar em nada de imediato. Ele olhou para Lucy de cima a baixo e viu que seu rosto estava um pouco molhado, fosse de suor ou água ele não sabia. Oliver retirou um lenço de dentro de sua capa.
- Tome - disse ele colocando o lenço à frente de Lucy.
A menina levantou o olhar.
- Para enxugar seu rosto - disse Oliver.
Ela sorriu sem graça e pegou o lenço das mãos de Oliver e logo ela secou seu rosto.
A carruagem parou e um homem alto abriu a porta.
-Obrigado por sua gentileza, senhor Oliver. Que Deus lhe pague. - disse o frade antes de sair.
- O prazer foi todo meu, frade. - disse Oliver cordialmente.
Lucy seguiu seu pai e desceu da carruagem com a ajuda do homem que havia aberto a porta. Por um instante, ela quase esqueceu de devolver o lenço a Oliver, mas lembrou antes que a carruagem partisse.
-Obrigada por seu gesto, senhor. - Lucy esticou o braço para dentro da carruagem com o lenço em sua mão.
- Fique para você - disse enquanto colocava gentilmente o braço de Lucy para fora. - Fique como uma lembrança minha.
A jovem corou quase que de imediato.
- Tenha uma boa noite, doce Lucy - disse Oliver despedindo-se enquanto a carruagem começava a se mover.
Lucy entrou em casa e viu seu pai sentado próximo a lareira já acesa. O semblante dele era sério, quase zangado. A menina não sabia se deveria falar algo ou seguir direto para seu quarto sem falar absolutamente nada.
-Pai… - ela arriscou-se a falar.
- Vá para a cama, Lucy - disse em tom de ordem. - Amanhã conversamos.
Lucy engoliu seco. Fez o que seu pai havia mandado sem tentar dizer mais nada. Sabia que estava em maus lençóis e que sua saída repentina não ficaria sem punição.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora