Capítulo 06 - Aroma de Sangue

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Um rosto familiar saiu da escuridão em direção a luz das estrelas, era o jovem a quem ela havia salvado a vida há poucos dias. Ela mal pôde acreditar ao vê-lo se aproximar.
- O que fazes em meio a escuridão? - ela debruçou-se para enxergá-lo melhor. - Acaso fostes convidado ou entrará sem convite?
- Nem uma coisa nem outra, doce donzela. - disse ele. - Eu a vi nesta sacada e me permiti vir até aqui vê-la outra vez, perdoe-me se a assustei, mas julguei o momento apropriado para me aproximar.
- Vieste me dizer, enfim, quem tu és e porque era perseguido naquela noite? - ela o indagou. - Saia da escuridão e venha até o terraço.
- Posso fazê-lo agora, mas não aqui. Minha presença sequer pode ser notada e peço a descrição da senhorita - ele estendeu a mão para ela. - Se desejas saber, venha comigo e a mostrarei.
Lucy temeu segui-lo, mas sua curiosidade a fazia palpitar por dentro. O furor de um mistério a envolveu até os ossos fazendo-a esquecer de todo o bom senso.
- Descerei pela escada no fim do terraço.
Ela tentou não chamar a atenção para sua saída prematura. Lucy seguiu para o final do terraço e desceu os poucos degraus de mármore branco que ali havia. Anthony a esperava na penumbra do jardim. Ele lhe deu o braço para que ela o segurasse. Os dois partiram pelas ruas com pouca iluminação dos lampiões, a certa altura Lucy sentia o seu corpo todo tremer por dentro. Ela estava de braços dados com um homem que ela mal conhecia. Olhou de com o canto dos olhos para ele e o viu de lado. Pálido como a lua, os cabelos castanhos e os olhos sérios. Ele era no mínimo, diferente. Sua aparência não era comum, mas havia um estranho encanto nela.
Anthony a levou até o cemitério. Estava escuro, apenas a luz das estrelas lhes faziam enxergar. Eles passaram por vários túmulos e, estranhamente, Lucy não sentiu-se com medo. Não temia os mortos. Eles chegaram até uma cripta bem no meio do cemitério. A cripta pertencia a alguma família grande e antiga que Lucy jamais havia ouvido falar. Anthony abriu a porta e os dois entraram. Com uma tocha na mão que retirou da entrada da cripta, Anthony guiou Lucy até o túmulo que realmente interessava.
- Segure - ele entregou a tocha para ela.
O rapaz afastou a tampa do túmulo, mas não havia corpo algum ali, o que havia era algo que Lucy jamais teria imaginado: uma passagem secreta. Anthony pegou a tocha de volta e desceu às escadas da passagem, sendo seguido por Lucy. A escada dava para as catacumbas. A menina sentiu todos os seus pelos se arrepiarem. Seria prudente continuar a segui-lo? Ela pensou. Mas já havia chegado muito longe para desistir naquele momento. Ambos andaram em silêncio e apenas o barulho e de seus passos e gotas d'água caindo no chão eram ouvidos. Nas paredes haviam tijolos e ossos, muitos ossos.
Eles chegaram até um portão de ferro que rangeu ao ser aberto por Anthony.
- Entre - disse ele. - Não precisa ter medo.
Lucy exitou e por um momento sentiu um arrepio forte em sua nuca.
- Confie em mim.
As palavras de Anthony, por mais que ele fosse um desconhecido, lhe passavam confiança. Lucy finalmente entrou e, assim que o portão se fechou, uma voz ecoou pelo lugar.
- Ora, ora, ora. Veja quem retornou. Meu querido amigo fujão. - disse um jovem sentado no canto da parede. - Como pôde partir sem mim? Foi se divertir à noite e nem pensou em me esperar. Eu esperava mais de você, caro amigo. Mas reconheço seu possível motivo. A concorrência. Comigo ao seu lado não haveria uma única mulher a olhá-lo.
- Pare de drama, Sthephan. Não sai pelo motivo que imagina.
- Veja só. Me trouxe um presente de consolação. Uma adorável dama. Sendo assim, o perdoo, querido amigo. A senhorita emana um aroma delicioso, se me permite dizer. Sthephan de La Croa, ao seu inteiro serviço. - ele a reverenciou como um cavalheiro.
- Este não é seu sobrenome. E ela não é para você.
- Ora, seu egoísta. Veio desdenhar de mim? Trouxe ela para me fazer passar vontade?
- Ela não é para nenhum de nós.
- Como não? Reconheço que a pele é pálida demais, mas suas veias estão vívidas e seu coração pulsa de uma forma deliciosa. Ah o sangue. Seu sangue, jovem senhorita, ele me chama. Ele me implora, permita-me apenas uma única prova.
Sthephan fez Lucy recuar de medo. Ela escondeu-se atrás de Anthony e segurar sua mão. Ao segurá-la, a jovem percebeu o quão gelada era a mão dele. Aquilo não era normal. Na verdade, nada ali parecia normal.
- Afaste-se, caro amigo. Caso não, não terei outra escolha a não ser fazê-lo eu mesmo.
- Se não é para mim, nem para você, porque com mil demônios trouxe essa garota até aqui?
Anthony virou-se para Lucy que parecia mais pálida do que o normal, seus olhos estavam espantados de medo e sua respiração estava descompensada.
- Não tenha medo. Ninguém aqui a fará mal algum. Eu a trouxe neste lugar - disse ele pegando sua outra mão. - para que, finalmente, saiba quem sou e o que sou.
- Anthony - uma voz feminina atravessou outro túnel que chegava até onde eles estavam. - Porque há uma humana aqui?
Uma mulher morena com um coque e um vestido vermelho como sangue saiu da escuridão acompanhada de um rapaz alto e loiro. A mulher possuía uma beleza mortal. Os olhos vorazes como os de uma pantera pronta para atacar sua presa.
- Diga de uma vez - disse ela. - O que ela faz aqui?
- Acalme-se, Violet - disse o homem ao seu lado.
- Estou calma o suficiente. O sangue me ferve por dentro, o cheiro dela...
Lucy começou a sentir-se mal. Algo não estava certo dentro de si.
- Anthony não deixará que encoste um dedo nela - disse Sthephan. - Acredite, pois tentei.
- Então porque a trouxe? Deveria se alimentar dela em outro lugar. - Violet encarou a menina pálida.
Alimentar? Ela realmente havia dito aquilo? Lucy não conseguia entender.
- Então deixem-me falar com ela - disse Anthony bravo. - Vocês ficam falando e falando e não me deixam terminar.
- Então termine de uma vez, homem - disse Sthephan.
Anthony fitou os olhos arregalados da menina.
- Eu a trouxe para retribuir sua bondade naquele dia, então...
- Espere - gritou Violet. - Você não irá fazer o que penso que está prestes a fazer, não é?
- Eu a contarei quem sou.
- Se fizer isso, está sentenciando sua morte e a nossa.
- Não tenho escolha. Lhe devo isso. - Disse Anthony.
- Você não fará isso.
Violet puxou Anthony pelo ombro e o jogou na parede. Como reflexo, Anthony lhe mostrou as presas em tom de ameaça e assim, Violet também o fez.
- A minha vida é dela - Gritou Anthony.
Lucy sentiu-se encurralada, com as costas no portão, ela segurou o ferro com força. Aquelas presas, a força de Violet, aquele lugar. "Vampiro". Essa palavra ecoou por sua cabeça.
- Se quer morrer, o problema é seu, mas não nos leve junto - disse Violet.
Os olhos dos presentes se voltaram todos para Lucy, encolhida como um rato encurralado no esgoto.
- O que vocês... - Lucy tentava falar com a voz trêmula. - Quem são vocês?
Aquele lugar e aquelas pessoas assustavam Lucy até a alma. Embora eles fossem inegavelmente belos, eles transmitiam uma beleza mórbida, quase fantasmagórica, rodeados pelo aspecto sombrio. A jovem donzela sentia seu sangue congelar ao longo de suas veias e artérias, ela podia sentir seus ossos tremerem e o pavor inundar seu peito. Aquele espaço mal iluminado começou a rodar e aquelas quatro pessoas à sua frente se multiplicaram perante seus olhos. Lucy não sentia mais o seu corpo e, amolecida, ela foi ao chão desacordada.
- Lucy - Anthony correu até ela. - Acorde, vamos.
Ele a colocou em seus braços e a sacudiu, na tentativa frustrada de fazê-la acordar.
- Aproveite que ela está desacordada e a mate - disse Benjamin, que até então apenas observava. - Jogue seu corpo no esgoto e ninguém saberá de nada.
- Não entendem, a minha vida pertence a ela - Anthony acariciou o rosto de Lucy com a ponta gélida de seus dedos. - Desde a noite em que ela me salvou.
- Ela é apenas uma humana - disse Sthephan.
- Não, ela não é.
Anthony carregou Lucy e a colocou em uma cama velha revestida de trapos no outro canto do túnel.
- Se ela ficar, Vincent e os outros virão - disse Violet. - Leve-a para fora e quando ela acordar, achará que tudo não passou de um sonho ruim.
- Não a deixarei dessa maneira - teimou Anthony.
- Oh Deus - esbravejou Violet, levando as mãos a testa. - Me dê sua mão.
Anthony olhou para Violet confuso.
- Precisamos disfarçar o cheiro dela e, como você a trouxe, você é quem dará o sangue.
Anthony obedeceu. Violet mordeu sua mão até que ela sangrasse, o sangue de Anthony respingou sobre o rosto de Lucy. Ele espalhou o sangue em seu rosto e em suas mãos, para disfarçar seu cheiro.
- E agora? - perguntou Sthephan. - O que fazemos?
- Esperamos ela acordar. - concluiu Anthony.

Sangue Profano (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora