A volta

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Ela passava casualmente na frente porta do casal, quando ouviu vozes alteradas vindas de dentro. Movida pela necessidade de entender o que ocorria, ela grudou o ouvido na porta. A voz gritante era da madrasta. 

- não, não é verdade! Ele não iria embora!

Logo após, a voz impassível do pai foi ouvida.

- mas ele foi, Margarida. Ele foi embora.

Os lamentos de Margarida vieram em seguida. Parecia incontrolável, ou com muita dor. Luísa sabia que ela e o irmão eram próximos, mas não fazia ideia de que a partida dele lhe rasgaria o coração, afinal, ele já estava um tempo fora de casa. 

- Sai daqui! Sai!- gritou Margarida. Com a eminência da saída do pai do quarto, Luísa rapidamente se escondeu.

*****

Deitada na cama, em seu quarto, Luísa se perguntou se seu pai e Margarida eram felizes. Para quê viver em um casamento onde havia mais brigas que momentos de paz? Quando Margarida chegou em sua casa, de braços dados com seu pai, motivada por ciúmes, Luísa não gostou.  Mas a mulher, jovem e bela, fez de tudo para conseguir o carinho de Luísa, até que um dia, em uma noite escura e estranha, as duas se esbarraram nas escadas, onde Margarida rolou pelos degraus, passando desde esse dia a ser amarga e fria. Apesar das desculpas, nada voltou a ser como antes. Era assim que seu pai vivia com sua mãe? Como era a vida dos dois? Foi só então que Luísa se deu conta de que nunca procurou saber mais profundamente sobre ela.  Sabia apenas que ela era de uma prestigiada família, que trabalhou como enfermeira durante a guerra e que após o fim dela se casou. Só. Nada mais. Uma pontada de curiosidade começou a se alastrar dentro dela. O passado da mãe. Ela devia conhecer o passado da mãe.

Uma batida na janela a fez voltar sua atenção para ela. A janela! Seria Augusto com suas pedrinhas, vindo lhe pedir desculpas e dizê-la que a queria de volta? 

A decepção lhe pegou em cheio quando percebeu que era apenas o vento. E então, pegando-se em flagrante, deu-se  conta de que sentia falta dele. Onde e como ele estaria agora? Naquele momento, parecia que os dias deles no campo tinham sido apenas um sonho, que tudo estava bem distante.

Ela foi até a gaveta onde tinha as coisas dele guardadas e as pegou. Passou os dedos pelo cordão que ele lhe dera e alisou a jaqueta. Com um simples fechar de olhos voltou ao dia em que andou de moto com ele. Seus lábios se desfizeram em um sorriso. Jurava que podia sentir o vento em seu rosto.

Quando ela, sem perceber, levou o cordão junto ao peito,  recordou da tarde em que o ganhara. Eles estavam deitados na grama. Ela estava nervosa por tê-lo tão perto, mas ao mesmo tempo se sentia segura.  Ele lia para ela. O cordão dele pendia no pescoço e a medida que ela escutava as palavras dele, levou a mão até o cordão.  Ela ouviu o som da risada dele.

- você gostou?- ela podia jurar que conseguia ouvir novamente a voz dele, ali, no seu quarto.

Quando ela deu um sim como resposta,  ele a contou que o tinha desde criança.  Dissera que fora presente, mas que não se lembrava de quem. Ele então tirou o cordão do pescoço e a deu.

- para que sempre tenha algo meu com você- foram as palavras dele.

Naquele tarde, Luísa teve a leve impressão de que aquele cordão era familiar. Há anos atrás, quando criança,  mexeu nas joias da mãe e havia lá um cordão semelhante. Mas ela não deu muito atenção a isso naquele dia.  Só ali, com o cordão em suas mãos, sentindo a falta do dono, percebeu que aquilo era estranho.  Por que sua mãe e Augusto teriam cordões semelhantes? Seria apenas coincidência ? A necessidade de saber mais sobre o passado da mãe ficou mais forte. Ela precisa saber. Teria que entrar novamente no esquecido quarto da mãe e saber.

Quando escolhemos amar(Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora