Velhos tempos

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Mama sentou-se em sua velha cadeira, localizada perto da janela, no seu quarto dos fundos.  De onde estava podia ver a rua. E assim, deixou seu olhar vagar por aquela paisagem sem vida. Algumas pessoas passeavam, carros passavam, mas nada de verdade era olhado por Mama. Ao invés disso, seu pensamento a levou para o passado. Para o velho campo onde ela e sua melhor amiga costumavam brincar. A guerra já estava acontecendo, e sua inquietante amiga insistia em ir para o front, para ajudar como enfermeira. Ela tinha acabado de se formar, mas sua mãe com receio de mandá-la para a guerra, excitava em deixar. " fujo, fujo e te levo junto. Não estudei para nada. Quero ajudar e vou!" dizia Cecília, com convicção. Apesar de sentir medo por si e pela amiga, Mama não excitou em acompanhá-la. Ela não tinha feito faculdade, como poderia? Era filha da empregada da mãe de Cecília, mas sabia ajudar muito bem. Cecília a tinha ensinado algumas coisas sobre a enfermagem. Naquele tempo, lembrou Mama, muitas jovens estavam empenhadas em deixar a costura e o bordado de lado para ajudarem na guerra e até mesmo para por fim à ela. Não demorou muito para que a mãe de Cecília percebesse os planos de fuga da filha, então, como medida para evitar que ela fosse longe demais, para onde seria difícil  achá-la, a mãe cedeu. " Você vai prestar serviços no quartel onde seu padrinho é o general." 

Cecília, para a dor da mãe, não pôde esconder o entusiasmo. Mama, como companhia e ajuda foi mandada com ela. Ela partiram em poucos dias. O padrinho já havia sido avisado. Sua afilhada iria se juntar as outras enfermeiras do batalhão. E quanto a amiga dela, Mama, se fosse esperta aprenderia rápido com as demais e também poderia ajudar, disse o general.

A sensação de estar entrando no trem, de braços dados com Cecília, o cheiro da fumaça, o peso das malas seguradas por elas, o entusiasmo de estar indo para o desconhecido, tudo isso foi  relembrado por Mama. Seu pensamento, sem pedir licença, continuou a fluir para o passado, mas uma voz a chamando para o serviço, a libertou das memórias.

*******

Pedro ainda não havia voltado, e a espera por ele a cansara. Margarida então decidiu ir ao jardim. Colocou um vestido leve e florido. Prendeu os cabelos em um apertado coque, e foi ao jardim. Antes mesmo de se encontrar entre as flores, ela ouviu a melodia de uma música sendo assobiada. Não demorou muito para descobrir quem era o autor do assobio. Ela avistou o topo da cabeleira loira, agachado entre as flores. Ela pousou os olhos sobre ele, que logo lhe percebeu a presença. Ele logo se pôs de pé.

- senhora-

Algo em Margarida se movimentou. Ela teve raiva. 

- não sei se sabes mas você não deve trabalhar no jardim enquanto estou presente.- A voz dela saiu de forma severa.

Margarida cruzou os braços, esperando um pedido de desculpas, que para a surpresa dela não veio sozinho.

- Desculpe senhora, todavia o sr. Pedro disse que eu poderia trabalhar agora pois a senhora estaria dormindo.

Sua indignação aumentou. Os outros empregados só pediriam desculpas e sairiam da frente dela, mas ele ousou argumentar.

- eu não sei onde trabalhou antes, rapaz, mas no meu jardim eu dito as ordens, então quando eu entrar nele, seja a hora quer for, faça a obrigação de retirar-se.

O olhar vivaz de Théo diminuiu, ele então colocou os braços para trás e respondeu de forma rápida e mecânica:

- sim, senhora. 

Dito isto, ele se retirou. Satisfeita, Margarida se sentou no banco, todavia seu olhar logo repousou sobre o local onde o jovem estava trabalhando. O trabalho estava inacabado, e como as flores não tinham culpa do ocorrido, Margarida decidiu terminar o serviço. Para ela, aquilo não era trabalho e sim fonte de distração e relaxamento. Assim, ela se debruçou sobre o local e pôs-se a mexer com flores e terra. 

Enquanto isso, Théo se direcionou à cozinha, mas absorto com os acontecimentos recentes não pôde ver que Luísa estava no caminho. Ela o parou os passos.

- Théo? O que faz aqui? - 

O rapaz levantou a cabeça, surpreso. Ele sabia que mais cedo os mais tarde esbarraria com ela, e ao seu ver, não teria nenhum problema, todavia a tonalidade da voz dela dizia o contrário.

- fui contratado para cuidar do jardim da sua mãe.

Luísa deu um passo para trás e com veemência o corrigiu:

- ela não é minha mãe.

Théo ficou surpreso.

- ah, lamento o erro.

Ela cruzou os braços, estava incomodada com o fato dele ter feito o que fez e ter tido a coragem de trabalhar lá. Analisando que não havia nenhum traço de culpa em Théo, ela se deu conta de que  ele mão sabia que ela já havia descoberto que ele ajudara Augusto à  por fogo nos tecidos do pai dela.

 Uma voz chamou por Théo, devia ser um dos outros empregados, supôs Luísa, assim este pediu licença e atendeu ao chamado. Ela podia delatá-lo, podia contar tudo ao pai, que com certeza não sabia que Théo era um dos comparsas de Augusto, mas quantos aborrecimentos isso traria? 

- Luísa!- Uma chamou por seu nome, a tirando de seus questionamentos.

********

Edgar caminhou em direção às escadas. Seu dia tinha sido cansativo. Além dos negócios, tinha recebido um telefonema avisando da chegada de Augusto e Diego ao destino.
Ele mal pôs os pés no primeiro degrau quando escutou gritos vindos do quarto de Helena. Ele correu para lá .  As empregadas tentavam segurá-la, todas tentando acalmá-la. Edgar se aproximou dela e quando ela notou sua presença, como uma criança ela correu para ele, em resposta, Edgar a segurou.

- o que foi, Helena? O que está acontecendo?

Umas das empregadas respondeu.

- ela leu o jornal, senhor. Soube das revoltas que estão ocorrendo no sul. E da intervenção militar.

Edgar voltou sua atenção à Helena. E em tom suave, que todas ali sabiam estar resevado apenas à Helena, respondeu:

- está tudo bem, Helena. É apenas uma bobagem. Não é uma guerra. Não há com o quê se preocupar.

Mas para a surpresa dele, Helena rebateu:

- e o meu filho? Onde está o meu filho?

Com suas delicadas mãos ela ousou apertá-lo nos ombros.

- onde está o meu filho?!-

Edgar então entendeu que alguma das empregadas havia contado sobre o paradeiro de Augusto.

- onde ele está?!- gritou ela.  Como ela não obteve resposta,  pulou pra cima dele, o esmurrando o peitoral, este nada vez para impedi-la. Apenas sinalizou para que as empregadas saíssem do quarto. Elas, destreinadas pela cena presenciada, saíram rapidamente. Assim que ele ouviu a porta bater, ele movimentou os braços e pegou Helena no colo. Assim, como se ela fosse uma criança , ele a embalou, sussurrando que estava tudo sob controle, até que ela se acalmou. Então ,  para a comoção de uma empregada que ousava escutar toda a conversa atrás da porta, ela escutou sua senhora chorar enquanto falava:

- eu quero meu filho, Edgar. Traga meu filho para mim. Não o deixe morrer em uma vala qualquer, me prometa, me prometa.

Helena apoiou a cabeça no  peito de Edgar. E este, que havia permanecido em silêncio aos pedidos dela, prometeu:

- você esquece que ele também é meu filho, Helena. E que farei de tudo para que ele volte para casa.-

Alguns minutos depois, Helena dormiu.  Edgar a colocou na cama e então,  sentado junto à ela,  a observou dormir.   Quem o visse daquela forma,impassível, não imaginaria que por dentro estava queimando de culpa pelo estado dela .  Foi logo após a morte do primeiro filho que ela doeceu, e em meio a dor, perdeu a sanidade. Morte esta que foi causada por insanos atos.

Uma batida na porta do quarto  o fez pigarrear e voltar à si. Um dos empregados anunciou que ele tinha um telefonema.

E aí? O que achou? Beijos da Marrie.

Quando escolhemos amar(Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora