Capítulo 2

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São sete e trinta e seis quando chego em casa e minha mãe chega às oito.

Atravesso a pequena varanda até chegar na porta da frente. Minha casa não é tão grande, mas sobra o espaço suficiente para fazer uma festa aqui. É claro que não vou fazer isso, apesar seria uma boa.

Tiro meus tênis e corro para o chuveiro. Preciso tomar um banho urgentemente e escovar meus dentes. Estou fedendo a maconha e vodca, deve ser por isso que todos me olharam feio quando estava no ponto de ônibus. Principalmente aquele rapaz, ele deve ter sentido pena de mim. Um grande um babaca.

Entro no chuveiro e lavo o sangue que está em minhas mãos. O efeito dos entorpecentes está sumindo e lembranças do momento da briga se passaram por minha cabeça, junto com o beijo em Samuel, que começa a me trazer arrependimento já que já tínhamos terminado tudo entre nós.

Samuel sempre foi o tipo de cara que não se importa com nada a não ser as drogas que busca todos os dias em um lugar próximo a alguns becos, bem longe do centro da cidade e da polícia. Pelo menos era essa a visão que as pessoas me contaram. Não conheço bem sua família, ele nunca os citou, mas ao me aproximar dele, notei que é bem diferente do que acham, ele se preocupa com quem ele gosta, protege e é um cara até sensível se reparar bem suas falas. Nosso relacionamento foi a base de brigas, mas ele nunca levantou um dedo para mim mesmo que sempre foi minha culpa, já que todas as nossas brigas foram por causa de drogas... Como um traficante, é bem estranho o fato dele não querer me dar nem vender suas mercadorias..., mas por ser ciumento e possessivo demais dói o fato de me deixar consegui-las com outra pessoa. Por isso, nossas brigas nunca duravam tanto tempo já que no fim ele sempre cedia.

Assim que termino o banho, me enrolo em uma toalha e vou para o meu quarto, passando pelo estreito corredor azul claro de minha casa. Levo também as minhas roupas sujas para poder lavá-las depois. Abro meu guarda-roupa de madeira e pego um pijama de cetim azul escuro e me visto, amarrando meus cabelos em um rabo de cavalo.

Há um espelho na porta do guarda-roupa, o que permite ver se meu estado está convincente. Termino de limpar o resto da sombra que ainda permanece em meus olhos e me deito sobre minha cama de solteiro também de madeira. O quarto já está escuro, mas deixo o varal de fotos ligado para poder ver perfeitamente as minhas fotos. Gosto do vê-las nesses momentos. Me passam uma memória de como minha vida era boa e feliz.

O sol reflete em pequenos círculos pela janela no chão de piso.

Depois de algum tempo, eu acabo cochilando.

"O mundo é bom, minha linda. Você só tem que acreditar que tudo vai se resolver." Uma voz suave tangia meus ouvidos.

"Vovô?" Abro os olhos a procura de meu avô. Vejo uma sombra através das luzes, mas quando forço minhas visão percebo que é só a minha mãe.

—Outro sonho com o seu avô? —Ela se senta na cama sobre meus lençóis azuis escuros.

—Não. — Me sento e limpo os olhos. Quanto tempo eu dormi?

—Fiz o almoço. — Ela se levanta e abre a janela, deixando o clarão tomar conta do quarto. Quando olho para o chão posso perceber que deixei minhas roupas sujas e a toalha expostas. Droga. Levanto-me rapidamente e as chuto para debaixo da cama enquanto minha mãe desliga o varal de fotos. Dormi demais. Já deve ser mais de meio dia.

—Cheguei um pouco mais tarde hoje, vim aqui no quarto, mas você estava dormindo e não quis te atrapalhar já que está com dificuldades de dormir. — Ela para entre a porta e me observa amarrar os cabelos. Afirmo com a cabeça. —Você dormiu bem?

—Não muito. — Digo e me sento na cama.

—Você precisa superar a morte do seu avô e seguir sua vida. Ele não gostaria de te ver assim.— Diz ela, com a voz suave. Me ver assim como?

—Tá.

—Vou dormir... me acorda as oito horas da noite. —Assim que afirmo novamente com a cabeça ela sai do quarto. — Ah, seu pai ligou e te mandou um beijo. —Ela coloca a cabeça para trás para poder me ver.

—Legal. — Digo e ela sai, sei que não foi bem isso que ele disse. Meu pai é caminhoneiro e o vejo bem raramente.

Pego minhas roupas que estão embaixo da cama e procuro um baseado no bolso no short. Logo o encontro ainda em estado perfeito. Vou até o outro lado da cama e observo as fotos penduradas na parede.

—Eu também te amo, vovô. —Passo o dedo no rosto sorridente do meu avô em uma foto ao meu lado. Seus cabelos grisalhos quase ralos eram escondidos por um chapéu de palha e seu sorriso meio banguela era deslumbrante. Saudades do homem que me fazia ver o melhor do mundo e das pessoas.

Vou até a cozinha antes que eu chore me lembrando dos bons momentos com meu avô, e então percebo que minha mãe havia limpado toda a casa. Aí não. Ela insiste em fazer isso ao invés de deixar que eu limpe. Isso me irrita muito pois reforça ainda mis que sou uma vagabunda.

A cozinha é pequena e tem uma mesa de mármore junto com um armário de parede de aço. As paredes são brancas com somente uma contendo um piso de cerâmica.

Procuro um isqueiro nas gavetas da pia até encontrar um perdido. Acendo meu baseado e vou até a varanda, passando pela sala também branca com um sofá retrátil cinza e uma estante home marrom.

Chegando na varanda posso ver a movimentação lá fora. Sento-me em uma poltrona de pallet. Dou um trago no baseado e sinto a brisa do vento bater em meu rosto. O clima já está quente e por isso ainda permaneço de pijama.

Depois de um tempo relaxando, olhando os pássaros e a movimentação, ouço meu celular tocar sem parar. Reviro os olhos e corro para achá-lo. Ele está no banheiro, sobre a pia, mas a ligação já se encerrou. Quando ligo a tela vejo que há algumas mensagens e ligações perdidas. Júlia. Que merda ela quer?

Volto para a varanda antes que a casa cheire a maconha. Dessa vez, vou dando uma volta para perto do portão de grades.

"Amiga, cadê você? Preciso falar contigo." Júlia mandava as mesmas mensagens repetidamente. Somente as vejo e não respondo quando recebo uma notificação de nova marcação no Instagram. Samuel me marcou em uma foto. Abro rapidamente para ver e continuo fumando, soltando lentamente a fumaça.

"Noite com minha mina." É a legenda da foto em que estou soltando a fumaça de narguilé somente com o sutiã vermelho aparecendo, deixando meus pequenos seios expostos. Devia estar com vergonha, mas estou muito gostosa nessa foto.

"Sua mina?" Envio uma mensagem privada a ele.

"Sim." Ele responde no mesmo instante

''Desde quando?"

"Desde o beijo que você me deu hoje cedo. Aliás a ruiva que você bateu... eu nem tinha nada com ela. Levei ela no médico, mas não machucou muito. Tem que controlar seus impulsos."

Como assim não tem nada e não machucou muito? Eu jurava que tinha acabado com o rosto daquela piranha. Ela é só mais uma se aproveitando da autoridade de Samuel, aposto que ele só deu moral pra me fazer ciúmes e ela iludida achou que já era a noiva dele.

''Você que deve controlar as putas que mantém ao lado." Digito sem pensar, mas não obtenho respostas. Então desligo o celular e termino de fumar o baseado olhando para a rua.  

Eu Não Estou SóbriaOnde histórias criam vida. Descubra agora