Sozinha, mesmo estando em meio à muitas pessoas na mesma situação que eu.
As últimas horas foram carregadas pela culpa e pela a imagem que me fez acordar para a vida.
Eu já não suporto mais esse lugar, apesar de ser o único que mereço estar. Isso é o que me resta, usar drogas, e como Jane me disse, esperar pela morte.
É uma tortura ficar aqui sentada, me contorcendo de dor enquanto essas pessoas ficam me observando chorando e socando o chão, me machucando ainda mais.
Quando consegui cochilar, tive outro sonho com o meu avô, dessa vez ele estava falando comigo, me julgando e aumentando a culpa que estou sentindo:
— Você causou tudo isso. — Ele disse, em um tom bravo e sério, enquanto olhava para os meus machucados. Eu estava sentada no chão, evitando olhar em seus olhos.
— Eu sei, sei disso. — Digo, chorando.
— Você destruiu sua mãe, influenciou Júlia e mandou Samuel para a prisão. Você usou drogas, se tornou uma dependente química e preferiu a rua do que se recuperar. Você roubou, maltratou e desrespeitou a todos. Você sabe o quão grave isso é? — Ele grita, cada vez mais alto.
Estamos em uma sala escura, que faz eco em sua voz que entra em minha cabeça como se eu estivesse com um fone de ouvido no volume máximo. Meu avô chega mais perto de mim, e me pega com força pelo queixo, fazendo-me olhar para ele e tirar as mãos dos ouvidos.
— Você sabe o quão grave isso é? — Ele repete e eu confirmo com a cabeça, ainda chorando. - Você me decepcionou muito, e vai ter que pagar. - Ele passa a mão pela cabeça careca, que era tampada pelo chapéu. Pagar? Do que exatamente ele está falando?
Ele responde a minha pergunta quando tirou a faca do bolso traseiro e veio para cima de mim.
— Não, vovô! — Implorava enquanto ele vinha em minha direção e deu diversas facadas em minhas costas.
E foi assim que eu não consegui mais dormir.
Meu crack já acabou e logo vou voltar a ter aqueles sonhos com meu avô de novo, e pior ainda, ver aquela mulher maldita com qual apelidei de Diaba, só pra facilitar. Isso não devia acontecer, mas ela sempre está aparecendo e me fazendo correr mesmo quando acabei de apanhar de cinco pessoas e não conseguia nem andar. E como eu disse, é difícil diferenciar o sonho da realidade. O fato de a Diaba não ter sido presa dá motivos para eu ter pavor dessa mulher.
Isso tudo começou depois daquele dia maldito.
Eu podia sentir que uma merda iria acontecer, só não imaginei que seria tão grande. Na verdade, eu nunca tenho noção do tamanho das merdas que podem acontecer e sempre acontecem. Por isso estou aqui.
Já tenho dezenove anos e não consigo refletir sobre minhas escolhas. Mas não posso me culpar de tudo, nem mesmo quando tinha apenas dezessete anos e um pouco mais de juízo eu conseguia refletir. Não depois daquela cena que se passou em minha frente.
Tudo desandou depois daquele dia, eu simplesmente não sou a mesma garota feliz e que vê o melhor do mundo. Eu não consigo ter esperanças e nem acreditar que a vida é bela.
Eu sei que a vida precisa ter os seus altos e baixos, mas o que fazer quando só existe os baixos?
No meu caso, dei conta de baixar ainda mais.
Por mais que eu quisesse, não conseguia tirar a imagem da minha cabeça. Era como se eu estivesse com um óculos de realidade virtual que sempre voltava ao mesmo cenário e a mesma fase de acontecimentos.
Eu sempre retornava lá, sentada, chorando e com o meu avô morto ao meu lado. Fiquei um bom tempo até a ambulância e a polícia misteriosamente chegar, com suas sirenes ligadas. Eu não liguei, eles somente vieram. O que isso indica? Que a porra dos vizinhos, ou algum filho da puta na rua ouviu e nem ao menos ajudou.
Estava paralisada, chorando. Não olhei para os paramédicos nem ao menos para os policiais que me interrogavam. Meu olhar estava perdido, em uma dimensão de tortura e sofrimento, misturado com luto.
Eles tiraram o corpo de meu avô de meu lado, aqueles eram os últimos minutos que eu tinha esperança. A poça de sangue estava grande. Eu estava completamente manchada pelo sangue de alguém que nunca derramou uma gota de sangue de ninguém. Eu estava esgotada de tanto chorar por uma pessoa que nunca havia feito ninguém chorar. Eu estava destruída por presenciar a morte de alguém que era longe de ser um destruidor. Eu estava perdida, por ter perdido a única pessoa que me mostrava qual caminho seguir.
Eu o perdi, e com isso eu me perdi também.
Não me movi do chão, fui cercada pelos caras que vieram ajudar depois te tudo já ter acontecido.
Ficaram me fazendo perguntas, perguntas e perguntas. Eu não respondia, ainda estava paralisada, com os olhos cheios de lágrimas, sentada abraçando os joelhos, com o olhar ainda perdido.
Foi quando disseram que ligariam para minha mãe precisavam do meu celular, logo tirei meu celular do bolso e os entreguei, mas o que me chamou a atenção foi o sangue em minhas mãos, fiquei encarando, estava tremendo também.
Minutos depois eu ainda continuava no mesmo lugar. Até minha mãe chegar correndo, com os olhos vermelhos à minha procura. Quando ela me encontrou, levantei-me rapidamente, e o impacto do nosso abraço foi grande, que nossas lágrimas se ligaram enquanto chorávamos juntas.
Minha mãe passava as mãos em meus cabelos e eu me sentia segura, protegida, até lembrar-me de que me sentia assim com o meu avô também.
Desfiz o abraço, e subi para o segundo andar. Alguns policiais tentavam me impedir, dizendo que precisavam fazer perguntas, mas eu desviei e minha mãe mandou dar-me um tempo.
Fui até o quarto de meu avô, e vi toda a bagunça formada lá. Provavelmente ele não tinha visto quando foi até meu quarto pegar o quadro de minha foto. Quando me aproximei de uma cômoda de madeira, vi a porta-joias aberto, e confirmei que o que eles realmente queriam era apenas o colar de rubi. Com certeza o objeto mais caro que tínhamos, custando a vida do meu avô.
Esse colar era da minha avó, que tinha uma família rica e esnobe, digamos.
Uma parte de sua história é um pouco parecida com a de Júlia: Seus pais eram uns babacas. Como o tempo era mais antigo, sua mãe, minha bisavó, queria um casamento arranjado com um cara bem mais rico. E em como toda aquela história clichê, minha avó gostava de um pobre, e olha só, esse cara era meu avô.
Depois de meu avô ter voz e rejeitar completamente que seus pais mandassem em seus sentimentos, ela fugiu com meu avô, se tornando pobre assim como ele. A única coisa que ela levou foi esse colar caro, que é o que lembrava dos pais que nunca mais viu.
Que merda de escolha né, vovó? A velha não aguentou a ''pobreza'' depois de anos com o meu avô, e assim entrou em depressão. Ela simplesmente não via nada de bom no mundo sem o dinheiro, ela caiu na realidade de que fez uma puta de uma cagada indo atrás do amor e simplesmente se matou.
Até hoje não entendi muito bem o motivo dela fazer isso, é claro que a riqueza é ótima, mas era o meu avô e é impossível ser triste com ele e eu sou o exemplo disso, antes de tudo acontecer, claro.
Um homem branco de aparência velha e com uma camisa de lã surrada se aproxima de mim e se agacha, quando menos espero ele pega o cachorrinho que estava dormindo juntinho a mim. De onde esse cachorro veio? E por que diabos esse velho está roubando o meu cachorro?
— Devolve ele, filho da puta! — Levanto-me, sentindo muita dor e corro atrás do velho, tombando em algumas pessoas que estavam no caminho. Ele pode ser velho, mas corre rápido pra cacete. Talvez o fato de eu não estar conseguindo nem me manter em pé ajuda para que ele corra mais rápido que eu. Acabo perdendo-o de vista em meio às pessoas sujas aqui presentes. - Porra! - Grito e chuto o poste, mas eu não esperava que iria doer tanto, porque eu continuo me machucando mais do que eu estou?
Dou alguns passos mancando para trás e, assim que sinto um impacto forte, só consigo ver de relance sombras e a imagem no chão sob meu rosto até perceber que cai de cara no chão.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu Não Estou Sóbria
RandomVerônica Vitale presenciou o cruel assassinato de seu avô. Na tentativa de fugir e esquecer o que aconteceu, ela conhece o mundo das drogas e acaba se tornando uma dependente química. Sua vida se torna um verdadeiro inferno e, quando ela se dá con...