Capítulo 24

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Dias depois...

Havia noites em que eu podia ouvir a voz e a presença de Isaac, mas tudo não passava de uma alucinação.

As pessoas diziam que ele estava de férias, outras que ele mudou de horário. Sua presença se tornou cada vez mais rara sem um motivo aparente.

Tudo isso reforçou mais ainda a minha decisão de seguir o que Samuel me disse.

O presente de Isaac ainda está aqui, e a tentação de abri-lo estava ficando cada vez maior, mas consegui me manter forte.

Hoje, enfim, estou de saída, mas uma parte de mim ainda gostaria de ficar.

Tudo o que aprendi nesse lugar foi muito importante, e para falar a verdade a melhor coisa que aconteceu na minha vida depois daquilo.

Eu descobri que a gente não precisa ter medo de mudar e nem de melhorar, apenas ter coragem e enfrentar tudo de maneira certa. Com o tempo, vemos que tudo passa e se ajeita novamente, mesmo que fique assuntos pendentes, você se prepara para tudo o que vier.

Buscar e aceitar a ajuda não significa que somos fracos, aliás é muito pelo contrário... significa que somos fortes por ter passado por muitas coisas difíceis e ainda querer ver o melhor das coisas.

Nunca podemos nos deixar levar pela negatividade, já que nada é ruim para sempre. Uma hora temos que mudar, o corpo pede mudanças, e essa mudança só depende de nós mesmos.

Descobri isso depois que me virei sozinha nesse lugar.

Estou muito mais saudável, frequentei a academia, me socializei e vi outros lados das pessoas. A mudança em mim é aparente e eu estou muito agradecida por tudo o que eles fizeram por mim.

Estou guardando minhas coisas nas mesmas malas em que as trouxeram, despedindo-me do lugar que foi meu lar nesses longos dias.

O presente de Isaac, deixarei na cômoda, e irá permanecer lá até que ele decida aparecer ou que alguém pegue. Seja lá o que há dentro, não mudará o fato dele ter sumido.

— Oi. — Laura dá duas batidas na porta.

— Oi. — Viro-me e sorrio.

— Precisa de ajuda? — Ela entra no quarto.

— Não, obrigada. Já está quase tudo pronto. - Sento-me na cama.

— Olha! — Ela quase grita. — Quem foi que te deu esse presente? - Ela pega a caixa nas mãos.

— Ah...— Passo a mão pela nuca e Laura levanta as sobrancelhas na espera de uma resposta. — Foi o Isaac.

— Huuuuum— Laura brinca com um sorriso estampado no rosto. — Quando?

— Pouco tempo depois de não aparecer mais. Entrei no quarto e estava aí, no mesmo lugar. — Explico.

— E você não ficou curiosa para abrir? — Ela coloca a caixa de volta na cômoda.

— Estava mais curiosa em saber o motivo dele ter sumido depois de ter se mostrado tão amigável e prestativo. — Digo com a expressão séria.

Ela não sabe o que dizer, por isso prefere ficar quieta.

— Ligaram para minha mãe? — Mudo de assunto enquanto observo Laura sentar ao meu lado.

— Sim, mas ela não atendeu. — Ela diz sem uma pontada de felicidade em sua voz.

— Não é a primeira vez, eu vou ficar bem. — É claro que estou super desapontada, mas já esperava isso. Afinal, dias trás tentei ligar para ela, porém desligou quando ouviu meu nome. A mulher disse que a ligação caiu na tentativa de não me deixar triste, mas eu não sou boba. Ela não está nem aí para mim.

— O que você vai fazer? — Diz Laura em relação ao lugar em que vou ficar.

— Eu dou um jeito. — Digo sem mencionar nada sobre Samuel. Apesar de dizer apenas o básico, que um amigo vai me buscar. Ela apenas assente.

— Pode me fazer um favor? — Pergunto e me levanto da cama.

— Claro.

— Devolva esse presente para o Isaac. — Entrego o presente em suas mãos. Ela observa por alguns minutos e pensa.

— Tem certeza de que não quer ficar com ele? Isaac nun...

— Não, não quero. — Não tente tornar isso especial também, Laura.

— Tudo bem, então...— Ela olha para a caixa em suas mãos.

— Obrigada...— Digo e ela me olha. — ...Por tudo.

Laura sorri e me puxa com sua mão livre para um abraço.

— Se cuida. — Diz ela, me apertando forte.

— Vou me cuidar. — Garanto.

Nos meus últimos minutos decido dar uma última volta, e paro no meu lugar preferido: O jardim com bancos.

Parte dos dias em que passei aqui ficarão apenas guardados em minha memória.

Tudo aconteceu muito rápido, e agora que passou, percebi que os longos dias passaram-se voando.

— Enfim... Acabou! — Uma voz soa atrás de mim. Vânia.

Sorrio.

—É... Enfim.

— Quem diria que a mulher que tentou roubar suas coisas e levou uma surra de você iria se tornar sua amiga. — Ela sorri.

— Pois é, a vida e seus destinos... — Olho para ela e sorrio também. Vânia me puxa para um abraço.

Poxa, todo mundo decidiu me abraçar hoje. Não que eu não goste, mas é estranho. Desacostumei a ter esse carinho todo, mas pra falar a verdade é bom.

Acho que esse é um dos motivos para não querer sair desse lugar, as pessoas daqui se tornaram mais uma família do que minha própria família.

Nem Júlia veio me visitar. Porra, nem minha mãe veio. Nenhuma visita, nenhuma ligação, nenhuma carta. Absolutamente nada pra saber se eu estou viva.

Não devemos contar com ninguém quando estamos na merda. Descobri isso nas piores das merdas.

— Me promete que vai resistir a tentações. - Vânia diz e eu afirmo com a cabeça. — Me promete que vai ficar longe de quem te quer mal.

— O problema é que se eu prometer isso, vou ficar sozinha...

— Não importa! — Ela desfaz o abraço e segura meu rosto. — Você não precisa desses filhos da puta. Você passou por tudo isso sem eles, e olha só pra você, você está bem e saudável! Não deixe que essa necessidade tome conta da sua vida. Nós todos estamos sozinhos, nós todos enfrentamos nossos problemas sozinhos. Podemos pensar que as outras pessoas ajudam, mas se você perceber, você está sozinha no seu próprio corpo, na sua própria cabeça. Essa ideia que você precisa ter alguém é só uma ilusão para fazer com que você se torne dependente de outras pessoas. Assim como foi das drogas. O final de ambas é sempre igual: uma forte decepção que só te causam problemas. — Vânia diz tudo isso olhando nos meus olhos. Uau. Ela começou a falar essas coisas bonitas depois que fez as pazes com sua filha, que a trouxe pra cá antes dela saber. Filosófica.

— Vou sentir sua falta. — É tudo o que eu consigo dizer.

— Eu também. — Ela sorri e voltamos a nos abraçar.

— Bom, na verdade alguém se importa com você. Alguém deve pagar isso pra você. — Ela gira os dedos em volta do lugar.

— Verônica! — Laura me grita. — Hora de ir.

Concordo e dou mais um abraço breve em Vânia.

— Levante-se, lute, enfrente e seja forte. — São suas últimas palavras até eu começar a andar em direção a Laura.  

Eu Não Estou SóbriaOnde histórias criam vida. Descubra agora