Capítulo 21

2 1 0
                                    

Quinze dias depois...

Uma mulher cujo nome se apresentou, mas não me recordo, está terminando de contar sua história ao grupo de pessoas reunidas com a psicóloga Laura.

No começo eu não concordei em ter que conversar em grupo com as pessoas, mas depois de muita teimosia, Isaac acabou me convencendo quando me disse que traria filmes e sorvete.

A minha rotina aqui é quase sempre a mesma, ainda mais por ainda estar com o tornozelo engessado. Se não estivesse, eu poderia frequentar a academia e me refrescar na enorme piscina, mas por enquanto tenho que me contentar com a companhia e os filmes de Isaac, confesso que a maioria é ruim, até porque a maioria são leves, sem gatilhos por aqui. Enfim, pelo menos há algo para fazer.

A mulher que está contando sua história, um dia foi uma advogada não tão famosa, mas que com uma traição do marido, ela acabou ganhando parte do dinheiro por processá-lo, mas mesmo assim não era o suficiente para apagar toda a humilhação e desde então, se tornou uma dependente química.

Eu ainda não disse nada, assim como a prostituta que está ao meu lado. Tenho que parar de chamá-la de prostituta já que já sei que seu nome é Vânia. Ela me disse quando fui pedir desculpas assim que contei a Isaac que ela não quis ficar perto de mim em uma palestra. É claro que ele me obrigou a ir me desculpar, como já esperava, e na verdade queria, já que eu estava cansada da maneira como ela me olhava. O fato de ela ter medo de mim podia ser bom, porém na medida certa e agora nem há motivos para isso.

Ela olha para mim e sorri. Sua aparência melhorou muito desde que saiu daquele lugar, até mesmo a minha aparência melhorou. A comida daqui fez efeito em nós, não estamos mais desnutridas, disse isso a ela esses dias e ela deu risada. Quem duvidava que faria amizade com alguém que tentou me roubar e que eu meti a porrada, cá estamos para provar.

Ela me lembrou da Larissa, irmã do Vini, e me trouxe a total necessidade de me desculpar da coitada quando eu sair daqui.

E não consigo imaginar a bagunça que está lá fora, a bagunça dos meus vestígios que ficaram lá. Por enquanto aqui anda às mil maravilhas, e tento evitar de pensar no que pode estar acontecendo lá, mas às vezes me pego pensando em o que deve estar acontecendo com Júlia, com Samuel, com minha mãe, com meu pai ou com a Larissa cachinhos de ouro.

Ainda há muita coisa que preciso descobrir e, apesar de não querer ter que voltar a tudo isso, eu sei que é inevitável, e preciso resolver os assuntos pendentes para que fique livre de tudo isso e começo de vez a mudar de vida.

— Sua vez, Verônica. — Laura diz sorrindo para mim, e então vejo que todos estão me olhando. Não, eu não queria fazer isso, mas preciso.

Respiro fundo e tento me levantar, mas então me lembro do meu tornozelo e me ajeito na cadeira.

Isaac não está aqui, mas prefiro fingir que está me pressionando a fazer isso.

Não, eu não consigo fazer isso. As imagens de meu avô estão voltando e há tempos eu não me lembrava. Não posso me lembrar disso agora, no meio dessa gente.

— Me desculpa Laura, mas eu não consigo. — Fecho os olhos e respiro fundo.

— Tudo bem. — Ela afirma com a cabeça, paciente.

— Licença. — Me levanto e Vânia me ajuda a pegar as muletas.

Vou até meu quarto o mais rápido que consigo e me deito sobre a minha cama. Depois de algum tempo pensando e chorando acabo caindo no sono.

Acordo com batidas na porta.

— Boa notícia! — Ouço uma voz e antes de me virar para ver quem é, já sei que se trata de Isaac.

Me senti sobre a cama e passo as mãos pelos olhos sem saber quanto tempo eu dormi. Isaac ainda não viu que eu estava dormindo, por isso, quando se vira fica envergonhado.

— Desculpa, eu não sabia que você estava dormindo. — Ele coloca algumas sacolas sobre a cômoda.

— Tudo bem. Qual é a boa notícia? — O observo sentando-se na poltrona.

— Você vai tirar o gesso daqui poucos dias. — Ele aponta para meu tornozelo. Respiro aliviada, já estava cansada desse treco coçando e esquentando meu tornozelo.

— Finalmente! — Jogo os braços para o alto e Isaac sorri do meu drama.

— Soube que você saiu no meio da terapia em grupo hoje. — Ela muda de assunto rápido.

Desfaço o sorriso e desvio o olhar dele.

— Eu não vou te repreender de nada, só me diz o que aconteceu, se quiser é claro. — Ele pede. Sua franja cobre toda a testa em seu corte assimétrico, e seus olhar é firme.

— Você sabe que é difícil falar do meu avô e voltar aqueles assuntos de como eu era antes daqui. Eu sei que não estou aqui tanto tempo, mas consigo ver uma diferença em mim, e isso me deixa feliz. — Movimento as mãos para me explicar.

— Eu sei que você está feliz, ainda mais pelo fato de a mulher dos cabelos vermelhos ter dito que você não conseguiria, mas isso já acabou, Verônica. Você está livre da sua culpa que ganhou a forma daquela mulher, você não precisa mais ter medo do passado. — Ele se aproxima de mim e eu desvio o olhar novamente.

— O que foi? — Ele franze a testa ao sentar ao meu lado da cama. — Verônica eu te conheço, me diz. — Ele pega meu queixo e vira meu rosto até ele. — Ela ainda está aqui, não está? — Ele sabe quando vê meus olhos querendo se encher de lágrimas. Afirmo com a cabeça e ele fica preocupado. — Por que não me disse?

— Você ia achar que eu sou louca. — Sinto as lágrimas escorrerem enquanto olho nos olhos de Isaac. — Eu quero me recuperar logo, Isaac. Não quero que as pessoas achem que não está adiantando nada isso aqui.

— É claro que não. Cada um leva seu tempo. — Ele passa os polegares enxugando as minhas lágrimas.

Esse cara me viu chorando mais vezes do que eu mesma.

Não posso dizer que aquela mulher sempre some quando ele aparece. É como se ele tivesse se tornado a minha droga, trazendo os mesmos efeitos em meu ser... mas nunca na vida poderia compará-lo com uma droga, ele está muito longe de ser isso.

Isaac está olhando para os meus olhos, e nossos rostos estão próximos. Depois de um breve tempo, Isaac se afasta de mim e se levanta da cama.

— Trouxe outros filmes! — Ele tira os filmes da sacola sobre a cômoda e sorri para mim.

Forço um sorriso. 

Eu Não Estou SóbriaOnde histórias criam vida. Descubra agora