É o dia seguinte e eu ainda não consegui dormir.
Os sintomas que a psicóloga Laura me disse começaram a tomar meu corpo. Acredito que já esteja há mais de vinte e quatro horas sóbria, e isso está me deixando maluca.
É claro que eu estou morrendo de vontade de usar drogas, e que não deixaram os comprimidos que o médico passou aqui no meu quarto. Eles são espertos.
Ontem à noite um homem passou aqui e deixou um tipo de um nécessaire com produtos básicos, contendo escova de dente, creme dental, desodorante, entre outras coisas.
E, apesar de ter essas coisas em minha mala, eu aceitei. Falando nisso, já que não consegui dormir, eu me distraio na madrugada abrindo as minhas malas.
O quarto em que eu estou é básico, tem apenas uma cama, uma cômoda e uma mesinha com uma poltrona.
O sol dá sinais através da pequena janela que há em meu quarto, e posso ouvir sons das pessoas acordando e trabalhando. Eu estou sentada na poltrona, observando todo o cômodo em que vou passar os próximos dias, já que não tem muito o que fazer aqui.
Minhas roupas estão todas guardadas e agradeço por não terem pegado as mais vulgares, mesmo que há roupas aqui que eu nunca usaria, talvez a minha mãe não tenha o mesmo gosto que eu para comprar algumas roupas.
Preciso encontrar algo para fazer aqui, quem sabe até possa descobrir um novo dom que não tinha tempo para descobrir. Se meu tornozelo não estivesse engessado, eu até sairia para conhecer o lugar ou ir para a academia, qualquer coisa deve ser melhor do que ficar a noite inteira nesse quarto, mas infelizmente eu não posso fazer nada.
Já estou com muita fome e lembrando bem, preciso trocar de absorvente. Ainda bem que ontem, antes de dormir, eu fui ao banheiro. Achei muito ruim não ter banheiro nos quartos sendo que os únicos banheiros ficam longe, e as vezes é caso de urgência.
Nessas horas vagas tive tempo para algumas lembranças, e como sempre não muito boas. Mas nelas pude lembrar do o dinheiro do banco que meu avô deixou quando fez suas economias para pagar a minha faculdade e usar para tomar um rumo na minha vida. Eu nem sabia desse dinheiro até ele morrer e mesmo que nós gastamos um pouco, ainda tem o bastante para eu fazer algo que preste, com sorte também não gastei com drogas.
Essa noite foi difícil, tive muitos tremores e uma dor intensa em todas as partes do meu corpo e estou completamente desinquieta. O lado bom é que estou vivendo a base de analgésicos.
Duas batidas na porta interrompem meus pensamentos, e logo a porta se abre.
Uma bandeja com algumas comidas é a primeira coisa que vejo, e segurando ela está Isaac, com sua calça jeans azul escuro e sua blusa roxa. Seu cabelo castanho liso está caído sobre a testa e ele está sorrindo.
—Bom dia, trouxe isso para você. — Ele diz fechando a porta.
Firmo o olhar e o observo colocando a bandeja sobre a cômoda, sem dizer nada, apenas tentando controlar os tremores em minhas mãos.
— Você precisa tomar o seu remédio. — Ele nota meus tremores vão até a bandeja na cômoda e pega um comprimido e um copo de água.
Quando ele se aproxima de mim, e eu tomo os comprimidos que ele entrega em minhas mãos.
— Conseguiu dormir? — Ele cruza os braços preocupado comigo.
— Não. — Mexo em minhas unhas. Isaac olha para minhas pernas e percebe um sangue seco na roupa.
— O que é isso? — Ele se aproxima para ver e ao levantar o pano vê diversos arranhados em minhas pernas. — Vamos ter que cortar sua unha. — Ele diz totalmente preocupado.
Fico em silêncio, perturbada o observo sair pela porta. Olho para a bandeja e vejo o pote de comprimidos chamando por mim.
Isaac volta rapidamente com um Trim de cortar unha e uma lixa. Com todo o cuidado começa a cortar minhas unhas lixá-las. Meus olhos estão focados no pote sobre a bandeja.
— É muito difícil. — Finalmente abro a boca.
— A parte mais difícil é fazer isso parecer fácil, aceitar os motivos que continuamos repetindo sem parar. — Isaac parece citar alguma frase que ele já tenha visto.
— Isso mesmo. — Me viro para olhar em seu rosto, mas logo volto a olhar para o chão. — Quando vi meu avô sendo assassinado eu não queria acreditar que fosse verdade, eu tive muitas crises de ansiedade a as drogas me acalmavam. — Começo a explicar e Isaac para de mexer nas minhas unhas e olha para o meu rosto. — Eu nunca entendi o porquê tudo foi tirado de mim assim, eu não era uma má pessoa isso não faz sentido. —As lágrimas começam a juntar nos meus olhos. — Eu perdi tudo o que eu tinha, tudo pelo qual eu era grata. — Começo a chorar e Isaac me abraça.
— Nem tudo está perdido, você pode tentar uma vida nova a partir de agora. — Ele garante, me abraçando forte.
— Preciso de pedir uma coisa.— Por mais que eu esteja envergonhada preciso saber se realmente houve alguma relação sexual enquanto estava na rua. — Tenho que fazer um teste de AIDS. — Digo, mas Isaac não demonstra nenhuma reação a não ser compreensão. — Preciso saber se ainda sou virgem. — Ele assente e volta a me abraçar.
Por mais que meu relacionamento com Samuel foi longo, nunca tivemos de fato uma relação sexual, isso com certeza é de surpresa pra grande maioria das pessoas. O que piora totalmente é pensar que posso ter perdido minha virgindade assim...
O momento de paz no abraço de Isaac não durou muito pois minha boca começa a ficar seca e minha respiração rápida e ofegante. Isaac segura minhas mãos.
— Calma, vai ficar tudo bem. — Ele diz, mas eu não acredito dessa vez.
Sinto meu coração bater forte, e uma tontura toma conta de mim acompanhada por dor de cabeça.
— Não, não vai! — Estou desesperada e gritando.
— Você precisa confiar em mim. — Ele segura meu rosto e beija minha testa. — Esses são os sintomas que a Laura te disse, você precisa se acalmar e eu preciso chamar alguém. — Ele me solta e corre até a porta, e logo some.
A dor que eu senti na madrugada não chega aos pés do que estou sentindo agora.
—Tenho que confiar nele, tenho que confiar nele. — Tento me controlar enquanto ele não volta, mas parece não estar funcionando. Estou suando e me sentindo sufocada.
Vejo ainda com tontura quando Isaac entra acompanhado com algumas pessoas.
— Começou com os tremores, mas agora acho que ela também está com crise de ansiedade. — Ele diz. Eu não entendo porque não consigo me controlar, merda! Isso é muito ruim.
— Vamos te levar para fazer a desintoxicação, tudo bem? — Uma mulher se aproxima de mim.
— Verônica olha para mim. — Sinto meu rosto ser virado para Isaac, ele está segurando meu queixo. — Faz o que eu te disser, tá bom? — Eu tento balançar a cabeça, enquanto vejo as pessoas saírem do quarto. Como assim?
— On-onde eles vão? — Aponto para a porta.
— Calma, eles vão voltar, só foram buscar algum transporte para você ir até o médico já que seu tornozelo está quebrado. — Ele diz o mais calmo possível, mas sei que não está calmo. — Olha aqui, você precisa se acalmar, por isso preciso que você respire comigo. Controle sua respiração comigo, tá? — Ele balança a cabeça, ainda segurando meu rosto. — Inspira lentamente. — Ele me guia. — Expira. Sem pressa, vai com calma. — Ele volta a repetir o gesto e eu tento acompanhá-lo. Alguns segundos depois, ele me pede para continuar fazendo isso e afrouxa os botões de minha blusa. — Relaxa, eu estou aqui com você, sempre vou estar. — Garante.
Sinto algumas partes do meu corpo se relaxarem, e logo em seguida os tremores diminuindo. Isaac me abraça e seu abraço me faz sentir mais segura do que das vezes anteriores.
Vejo as pessoas entrarem em meu quarto com uma cadeira de rodas, e Isaac ajuda a me colocar sobre ela, me levanto para fora do quarto.
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Eu Não Estou Sóbria
De TodoVerônica Vitale presenciou o cruel assassinato de seu avô. Na tentativa de fugir e esquecer o que aconteceu, ela conhece o mundo das drogas e acaba se tornando uma dependente química. Sua vida se torna um verdadeiro inferno e, quando ela se dá con...