Capítulo 14

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Depois da interferência das gêmeas no interior de Fintan Levi, as coisas realmente começaram a melhorar. Em menos de dois dias, os quatro alunos estavam sem febre, sem vermelhidões e até mesmo os machucados na cabeça de Sara haviam desaparecido devido aos efeitos das pomadas. Todos acordaram no mesmo dia, no mesmo horário, como um grande surto de peste antiga. As enfermeiras se assustaram, e logo cortaram as medicações e os feitiços.

Os pais, apesar de irritados e passivos-agressivos devido ao comportamento da diretora perante a situação, estavam gratos pela volta dos filhos.  Kai foi recebido apenas pela mãe, uma vez que o pai ficara em casa - alegando estar muito ocupado. Sara ficara com a mãe, sua única família. Fintan teve a família toda na enfermaria, desde o pai até a mãe e as duas irmãs. Mas Ava não teve ninguém - os pais estavam fora do país e mandaram alguns dos empregados da casa para certificar que a menina estava bem. Eles chegaram com uma cesta cheia de comida, mas aquilo não preenchia nenhum buraco.

Dali a uma semana, todos eles mostraram estar extremamente bem, apesar de não terem entendido nem metade das explicações e teorias que haviam lhe causado tantos problemas, e muito menos se lembrarem dos detalhes dos fatos. Sara nem mesmo pensou que havia sido carregada da floresta até a porta de entrada com um grande corte na testa, ou que desmaiou porque sentia que Fintan estava explodindo. Não quiseram questionar muitas coisas, principalmente ao verem a irritação de Althaia sobre o assunto. Sara era a única que sabia a meia verdade, mas tampouco entendia a gravidade dos problemas quando entendeu que as autoridades estavam culpando a floresta pelo até então "atentado", segundo os depoimentos de uma das enfermeiras.

Mesmo recebendo olhares curiosos, todos os clubes comemoravam pelo bem estar dos participantes, e até mesmo Sara se sentiu bem-vinda. A campanha para os representantes de turma - que havia sido adiada por conta de toda a situação - voltara a todo vapor, e Aaron parecia extremamente feliz ao lado de Kai, que lhe ajudava em uma maracutaia que apenas Sara e algumas outras pessoas estavam envolvidas.

Félix não voltou a aparecer, e Bianca teve de informar a Ava que o pássaro havia ido embora, finalmente. Chateada, Ava parece engolir a contragosto a resposta, culpando Sara internamente sobre tê-lo perdido, uma vez que ele havia desaparecido no mesmo dia do acidente no salão comunal, coincidentemente no mesmo dia em que Sara queria dizer algo sobre o pássaro à ela.

Fintan parecia estável, sóbrio, mas sentia que algo estava faltando dentro de si. Estava tão acostumado a se sentir irritado, raivoso e infeliz que, não sentir mais aquilo o deixava desanimado e sem rumo. E se antes já não concordava com os discursos de ódio de alguns de seus amigos, agora ele apenas não os suportava. Estava os evitando a todo custo, se enfiando dentro do quarto depois das aulas e sempre marcando atividades extracurriculares com pessoas mais velhas que ele.

Rosa McCoy não havia se esquecido de Sara, ou do que ela fizera, mas em respeito ao tempo de recuperação mental, decidiu esperar mais um pouco por uma vingança.

Kai continuava ameno, ou como ele mesmo considerava: anestesiado. Internamente, ele pensava sobre o pior. E se tivesse morrido misteriosamente naquele ataque? Sentiriam sua falta? Seus pais lhe perdoariam? E todas as questões pareciam desaparecer todas as vezes que Aaron dizia algo a ele. Depois de tantos anos estudando juntos, aquela era a primeira vez que estavam realmente próximos. Kai se sentia confortável ao lado dele e de Sara e, de certa forma, era grato por não precisar ficar mais sozinho com seus pensamentos. 

    Sara continuava sendo ela mesma, sem grandes mudanças e sempre pensativa. Todas as vezes que voltava das aulas e se deparava com a grande descida do gramado que parava na boca da floresta, um pânico lhe subia a espinha. O medo não tinha a ver com as criaturas em si, mas sim com o que esperavam dela. Queria dizer a eles que ela não era especial. Não era uma salvadora. Talvez encrenqueira, justiceira, mas não uma salvadora. E lhe faltava coragem para voltar para lá. Demorou cerca de duas semanas para decidir, mas já era tarde demais.

    Depois do ataque, a petição liderada por Sebastian Aurélia para a intervenção na floresta foi assinada por muitos pais. A preocupação tomava a mente de todos os adultos em relação à seus filhos e o poder de persuasão da família Levi era grande demais para ser ignorado. Em poucos dias havia mais da metade dos pais com suas assinaturas e um gigantesco pergaminho cor de café depositado na mesa da diretora Nora Althaia. E os contatos governamentais das maiores famílias da escola já haviam sido acionados. A regra era simples: se causasse ameaça, deveria ser destruído.

    E lá estava Sara, vendo a diretora anunciar a invasão e destruição da floresta da Ilha do Dente, que deveria ocorrer logo após os feriados do final do ano. O coração se apertou e os olhos se encheram de lágrimas. O estômago doía, não de azia, mas sim de culpa. Ela deveria tê-los avisado antes. Ela não era uma salvadora.

    Teve de sair do meio da multidão para respirar. Depois de muito se segurar, durante aqueles poucos meses, desatou a chorar, perto da entrada da floresta. Não havia como correr para o lado de dentro, devido aos guardas que passaram a ficar apostos pelo gramado. Sara sentia falta do pai, da avó e das plantas enfeitiçadas da casa antiga. Sentia falta da grama tocando seu pé, como na noite em que Félix viera buscá-la na enfermaria. Sentia falta da festança que presenciara, e da luz de Mavka iluminando o caminho. Era estranho como aquele sentimento se espalhava por ela como uma grande corrente de eletricidade.

    A familiar sensação do corpo formigando, como no dia que sentira ódio de Fintan na sala, voltara. As árvores começaram a chacoalhar-se de um lado para o outro, e uma ventania se instalava no ar. Sara nem mesmo percebia o que estava causando, envolvida na própria dor enquanto estava sentada no chão.

    Do lado de dentro, enquanto os outros continuavam a ouvir os avisos dos alto-falantes flutuantes, Kai, Ava e Fintan sentiam um desconforto. E estando em lugares diferentes no meio dos alunos, começaram espontaneamente a procurar por um rosto conhecido. Um rosto que não estava mais ali.

    -Acho que vai chover. - Disse um menino perto da porta - O céu está fechando.

    E Sara soluçava incontrolavelmente. Uma dor lhe consumia o peito e ela não sabia identificar se era por saudades ou por qualquer outra coisa que ela havia guardado para si.

Os guardas se assustaram ao ver as árvores mexendo os galhos. Talvez o pesadelo de Sara estivesse se reproduzindo, talvez as raízes fossem enterrá-la debaixo da terra e sufocá-la.

A chuva começou a cair fortemente do lado de fora e, extasiada, Sara não estava ligando. Uma figura se abaixou até a menina, e assim como Félix, não possuía um corpo carnal, apenas um tom azulado e uma presença pacífica.

-Eu sinto muito. Sinto muito mesmo. - Sara dizia à criatura, julgando que fosse algum ser da floresta.

-Criança, vá arrumar o quarto. - A criatura diz como uma velha senhora paciente.

-O que? - Sara levanta o rosto, a chuva atrapalhando sua visão.

-Criança, vá arrumar o quarto, antes de ir embora. - E o dedo fantasma azulado toca sua testa, causando uma sensação engraçada.

Sara abre um pequeno sorriso, uma ideia instalada na cabeça: arrumar o quarto antes de ir embora. E ao olhar de volta, prestando mais atenção, não havia mais nada ali.

Mudanças Noturnas: A Filha da OrnaOnde histórias criam vida. Descubra agora