Se Epaminondas havia proibido Sara de bisbilhotar gavetas que estavam fora da alçada dos alunos, ela havia esquecido completamente, ou pelo menos fingia que havia esquecido.
Com sua recém descoberta de que os pais de Ava e de Kai não apenas conheciam seu pai Esmond, mas que também eram amigos, tudo parecia ter ficado ainda mais anuviado. Sara tinha a sensação de que voltar no passado estava fazendo tudo ficar mais confuso, como uma mistura de informações que pareciam importantes, mas que não se encaixavam.
Eram muitas coisas passando por sua cabeça. Estando em silêncio e sozinha no meio das estantes, enquanto o almoço corria do lado de fora, ela sentiu calafrios ao ser invadida com a imagem de uma cabeça decapitada. Com o corpo ofegante e assustado, as memórias alinharam-se numa linha do tempo de traumas e não demorou muito para que o discurso ameaçador voltasse à tona.
Fazia quase 24 horas desde seu sequestro e era ingênuo da parte dela achar que aquilo sumiria fácil. Nada sumia fácil na vida de Sara Nilsa. Entretanto, diante de um quebra-cabeça tão complexo, começar a pensar sobre o assunto parecia fazer um pouco mais de sentido agora.
Sara segurou o choro quando a barriga ficou embrulhada. Ela voltou a fechar os olhos, espremendo-os com força, e viu a si mesma explodindo como uma máquina mortífera em um galpão nojento, com um homem nojento. Estava prestes a ir à loucura querendo esquecer aquilo e pensando sobre o quão rápido as coisas naquele mundo pareciam ocorrer. Só queria voltar para a segunda-feira, quando Kai, Aaron e ela faziam um piquenique em uma das grutas, comemorando seu aniversário.
Ela chacoalha a cabeça com raiva, engolindo saliva para acalmar o estômago. Nada naquela cena parecia relevante para ela. Quando se levantou do chão com um impulso, pisou em alguns jornais e se apoiou pela estante com um pouco de tontura. Não havia nada ali que pudesse ajudá-la com aqueles flashes, então sua melhor opção era fingir que tudo ficaria bem.
Ela havia sido dopada, sequestrada, abusada psicologicamente, era culpada de assassinato, algo de errado estava acontecendo com seu corpo, pessoas muito ruins estavam atrás dela e de sua família por uma teoria simplesmente rídicula, e alguém muito próximo dela a estava traindo, mas tudo ficaria bem. Era a única mentira a qual uma garota de quinze anos poderia contar a si mesma.
Forçou as primeiras gavetas da estante, as quais Epaminondas havia especificado claramente para não serem abertas, e acabou levando uma mordida da maçaneta. Afastou-se assustada, não esperando receber uma abocanhada de um objeto.
-Ás vezes me esqueço que até objetos aqui são diferentes. - Ela murmura para si, estressada e esfregando os dedos com um pouco de raiva. - Não precisava ter me mordido.
-Você estava me forçando. - Respondeu a maçaneta subitamente, fazendo a menina engasgar. - Não se puxa uma maçaneta como a minha, a não ser que tenha permissão.
-Não tenho. - Resmungou Sara, ríspida.
-Eu percebi. Do contrário, não teria colocado essa mão suja em cima de mim. - Reclamou o objeto e Sara arregalou os olhos.
-Quem está falando que tem a mão suja? Hein? - Ela cresce o peito em cima da gaveta, como se, de alguma maneira, aquilo pudesse lutar com ela.
-Você deve vir de fora, com toda certeza. Nem usa a varinha para se defender. Eu acho um absurdo aceitarem pessoas como você. - Sara leva o queixo ao chão, irritada com o que havia acabado de escutar.
-Seu...
-Vejo que tentou abrir as gavetas. - Epaminondas aparece como uma assombração novamente, rindo como um velhinho suspeito. - Elas não são educadas. São antigas demais. - Ele dá um chega para lá em Sara e toma sua frente. - Vamos, peça desculpas à ela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mudanças Noturnas: A Filha da Orna
FantasiaQuatro adolescentes quebrados, uma profecia de futuro incerto e mudanças noturnas desagradáveis dentro de um colégio de elite de magia. Tudo pode dar errado, mas eles não estão sozinhos. "A única forma de matar algo que não existe, é se esquecend...