8 de outubro de 2011
As irmãs chegam ao colégio e Bianca está esperando do lado de fora da sala dos portais. Não pretendiam dizer à irmã caçula o que estavam teorizando, muito menos naquelas circunstâncias. Se estivessem certas sobre Sara, todos deveriam começar a se preparar.
-O que fazem aqui? Por que vieram? O que há de tão urgente? - Perguntou Bianca acompanhando os passos apressados das duas no corredor.
Não disseram nem mesmo olá depois de saírem da sala, pois não queriam perder mais tempo.
-Soubemos o que aconteceu. - Disse Amina com uma feição neutra.
-Viemos certificar se você estava bem. - Completou Theresa, fazendo Bianca franzir o cenho.
-O que? Vieram me ver? - Ela para de andar, vendo as irmãs de pernas longas começarem a descer as escadas - Nem mesmo olharam para mim desde que chegaram? O que estão escondendo?
-Viemos vê-la. Está respirando e reclamando das coisas, como sempre. Me parece bem. - Retrucou Theresa - Agora estamos indo ver a diretora.
E assim o fizeram, deixando a pobre irmã caçula no corredor sem entender nada. Conversaram com a diretora Althaia em seu escritório e mentiram dizendo que queriam ajudar na recuperação mental dos quatro alunos atingidos. Apesar de mentirem sobre parte das coisas, elas pelo menos tinham razão quando disseram que um dos alunos estava em grande agonia e por isso os outros estavam debilitados.
Ninguém sabia explicar a conexão dos jovens e por que haviam parado daquele jeito. Os pais de cada um logo chegariam - após serem avisados com os pergaminhos pela manhã - e Althaia ainda não sabia o que dizer. Não havia explicação.
-Eu suspeitei que se tratasse de uma troca de energias por conta da criatura, mas se for isso mesmo... - Althaia arfava, enquanto levava as gêmeas até as instalações da enfermaria - significaria que havia um objetivo muito específico nesse ataque e essas quatro crianças seriam os alvos. Não consigo achar motivos para tal coisa.
-Talvez vingança. - Amina tenta convencer, sabendo que aquilo definitivamente não estava envolvido.
-Vingança? Pelo que? - Elas viram em um corredor.
-Por conta dos pais. - Completa Theresa.
-Os pais de Fintan e Ava são grandes fornecedores para o colégio, não? - Amina indaga, pescando a atenção de Althaia que assentiu avidamente - Pois bem, também sei que eles são a favor da retirada da floresta da ilha.
-Você tem razão. Eles são um dos pais que acham a floresta perigosa demais. - Althaia começava a criar reflexões dentro de sua cabeça - Mas como isso poderia estar conectado com Sara e Kai?
-Bem, sabemos que Sara veio pelo lado de fora... - Amina comenta - e a família de Kai, apesar de não terem assinado a petição, tampouco são contra a destruição dessa floresta, mas Kai é totalmente diferente. Por que não atingir logo os quatro?
-Seu pensamento não está ficando claro para mim, Amina. Por que a criatura atacaria logo eles?
-Ora, qual a melhor forma de chantagear alguém se não pelos filhos deles? Serviriam de exemplo para todos os outros. - Explica Amina.
Elas ficam em silêncio por segundos, chegando à porta maciça da enfermaria no instante seguinte.
-Espero que estejam erradas. - Comentou Althaia - Porque conhecendo os pais de cada um, tenho certeza que nada disso vai acabar em boa coisa.
E adentraram o lugar com vários funcionários. Pranchetas e canetas flutuavam no ar, enquanto os quatro alunos eram examinados pela vigésima vez no dia. Todos estavam com febre, os rostos corados e suados. Tinham as expressões contorcidas, como se algo interno doesse. Apesar dos exames e raios-x com as varinhas e chapas, não havia nada lá. Estavam andando no escuro.
-Pessoal! - Althaia fala alto, chamando a atenção do grupo de jaleco - Preciso que deem espaço para as gêmeas Bernardino. Elas vieram nos ajudar na recuperação e diagnóstico.
As enfermeiras não pareceram gostar tanto da notícia, desviando olhares para os cantos e reclamando em cochichos.
-Acreditamos que pelas trocas de energia, o que está deixando eles dessa forma seja o psicológico de alguém em específico. - Amina anuncia, ignorando o burburinho. - Vocês poderiam nos apontar qual o paciente mais instável?
E esperando pelo nome de Sara, Amina e Theresa foram surpreendidas com outro nome. Ficaram confusas e tomaram alguns segundos para raciocinar qualquer outra coisa.
-Vocês tem certeza? - Perguntou Amina. - Fintan Levi?
-Sim. Sim. - Confirmou Althaia, cansada - Ele têm nos dado muito trabalho. O quadro está variando muito e ele acorda violento, querendo quebrar coisas. Está fora de si, e precisamos mantê-lo sedado.
-Mas isso não faz sentindo... - Theresa sussurra para Amina - Eu tenho certeza sobre o que eu vi nas mãos de Sara.
-Onde está o meu filho?! - Alguém esmurra a porta com força, assustando a todos na enfermaria.
Sebastian Aurélia vinha agitado, atravessando o salão com raiva e preocupação. As narinas estavam se abrindo com fúria, e os olhos pareciam perdidos, com medo. Ele esbarra em muita gente até chegar à beirada do leito de Fintan.
-O que fizeram com ele? Hum? - Ele olha para trás, parecendo tão irritado quando o próprio filho - O QUE FIZERAM COM MEU FILHO? Quem foi o responsável por isso? Eu quero saber!
-Senhor Aurélia...- Althaia tenta se aproximar, as mãos levantadas no ar com paciência - queira se acalmar, por favor. Vamos discutir isso no meu escritório. Explicarei toda a situação.
-ME ACALMAR?! - Amina e Theresa se aproximam uma da outra, observando o corpo de Fintan reagir à voz do pai. Não parecia confortável. - Demorou três dias e meio para nos avisar sobre as condições do meu filho e agora quer que eu me acalme?! Como ousa? Eu deveria processá-la por omissão!
-Tudo estava sob controle. - Explicou Althaia - Nossos profissionais estavam cuidando do assunto. Todos eles estavam melhorando, mas houve uma piora.
-Que se dane os outros! Eu não quero saber! Fintan é meu filho e é apenas com ele que me importo. - As palavras soavam frívolas, mas ainda emocionais. -Você é incompetente. Olhe para ele! Ele parece bem? Não ajudaram em nada! Me conte o que aconteceu! Quem fez isso?
Althaia parecia sem graça, de mãos atadas. Todos dentro da enfermaria encaravam o escândalo, e alguns alunos passavam no corredor do lado de fora, olhando para dentro do lugar e vendo Sebastian, com os cabelos infestados de gel, pela primeira vez.
-Em anos que colabora com essa maldita escola algo assim me acontece! - Ele puxa o terno para trás, colocando as mãos na cintura e andando de um lado para o outro - Minhas duas outras filhas estudam aqui! Nada assim jamais aconteceu com elas. Ou melhor, não que eu saiba... A senhora me escondeu algum acidente?
-Não diga uma coisa dessa, senhor. - Althaia era paciente, tentando enxergar dor e preocupação naquele sermão de ódio e raiva. - Sempre cuidamos muito bem da sua família aqui dentro.
-Mas é claro que cuidaram. Não fizeram mais do que sua obrigação. Depois de tanto dinheiro investido, era o mínimo. - Ele ajeita os cabelos, arfando com raiva - Vamos logo ao seu escritório. Eu quero ficar a par dos acontecimentos. Sem mentiras.
-Por favor, me acompanhe. - E os dois saíram da enfermaria desanimados.
-Vamos tomar o controle e tirar essas pessoas daqui. - Sussurrou Amina de canto, vendo a irmã concordar - Tudo bem. Tudo bem. O show acabou. Vamos ficar no comando por enquanto, a mando da diretora. Precisamos examinar os quatro.
-Mas a senhora... - Uma das enfermeiras parecia desconfiar.
-Eu não dou ordens. Isso foi o comentário da diretora Althaia. Se têm algo contra vá dizer algo à ela, mas não fique surpresa quando ela te enxotar do escritório dela com a situação toda. - Amina interrompeu, amedrontando todos lá dentro.
Um por um foram deixando a enfermaria. As cabeças baixas em derrota. Theresa fecha a porta logo após ficarem sozinha, ficando a espreita caso algum imprevisto acontecesse.
-Comece pela Sara. - Amina pede, vendo a irmã ir até a mesma. - Não é possível que estejamos erradas. Nunca erramos.
-Não sei se vamos conseguir alguma coisa. - Theresa avisa, colocando as costas da mão na testa da menina - Estão com febre. Talvez receba respostas embaralhadas.
-Não custa tentar. - Amina insistiu - Veja Sara e eu verei Fintan.(inicie a música)
As duas se posicionam do lado de cada leito, as mãos ainda cobertas com luvas, evitando qualquer contato direto com a pele de outra pessoa. Theresa foi primeiro, retirando o tecido de cima da mão esquerda e tocando a mão quente de Sara Nilsa. Como da primeira vez, ela sucumbiu a um profundo silêncio. No começo apenas sentiu uma energia resguardada na menina, no interior, querendo se apagar, mas conforme os olhos iam se revirando e a respiração se intensificando, era impossível negar que estivesse errada sobre o destino dela.
Algo sobre Sara Nilsa era forte demais para um humano, ou para uma simples mestiça do oculto. Theresa nunca sentira tanta agonia em uma só pessoa, tanta força e desespero. As imagens não demoraram a aparecer, mas eram complexas demais e a mulher sabia que não poderia interpretá-las tão bem quanto queria. Mas algo ali, no emaranhado que se formava, lhe assustou: corpos e ruínas, espalhadas pelo gramado do colégio tão prestigiado pelo mundo bruxo. Um homem o qual ela apenas conseguia enxergar os sapatos e um barulho alto, zunindo.
Theresa emerge de sua visão com o suor escorrendo no rosto, como se um vírus tivesse lhe invadido a alma. O estômago grunhiu em enjoo. Afastou-se de Sara com uma expressão assustada, dando passos para trás, querendo gritar. Tinham razão sobre a profecia de Merlin: o fim dos tempos se aproximava. A primeira criança elemental estava diante dela.
Amina não podia ver o momento, mergulhada nas memórias cruéis que puxavam Fintan Levi para seu inferno interior. Ela podia escutar gritos e ossos quebrando, chicotes rodando. A voz de Sebastian Aurélia estava ao fundo, urrando de raiva, e então a situação é envolvida por uma calmaria. Uma voz doce, tranquila e serena canta perto dos ouvidos de Fintan. Eram memórias importantes, momentos hipnotizantes que, com toda certeza, formavam a personalidade do menino. Pareciam antigas, uma vez que Amina não conseguia enxergar nada. Ou talvez, devido algum trauma, estivessem bloqueadas.
As imagens começam a aparecer borradas, e Amina só conseguia escutar zunidos e gritarias horrorizadas. Eram vozes tão intensas que a mulher se sentiu cansada de repente, o corpo cambaleando para frente e os olhos trêmulos. Fintan abraça alguém com força, um cheiro adocicado no ar.
"Tudo vai ficar bem." - É o que ele diz no último segundo, antes de Amina voltar e tirar uma das mãos de cima da testa do pobre garoto.
Ela olha ao redor, quase sem fôlego, procurando pela irmã, e a acha sentada no chão, a boca tapada pelas mãos e a pele brilhando pelas lágrimas. Theresa estava horrorizada e não havia nada que pudesse fazer para impedir o que estava por vir.
O destino havia tomado uma decisão drástica, profetizada a muito tempo atrás, e que deveria acontecer para dar início aos novos tempos.
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Mudanças Noturnas: A Filha da Orna
FantasíaQuatro adolescentes quebrados, uma profecia de futuro incerto e mudanças noturnas desagradáveis dentro de um colégio de elite de magia. Tudo pode dar errado, mas eles não estão sozinhos. "A única forma de matar algo que não existe, é se esquecend...