14. Rompendo.

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"Eu sei que você está pensando que eu não tenho coração
Eu sei que você está pensando que eu sou frio
Eu estou apenas protegendo minha inocência
Estou apenas protegendo minha alma
Eu sou bom até demais em despedidas."
Too Good at Goodbyes

LUTHER

Sydney bate na minha mão quando tento segurar a dela.

Por debaixo dos seus cílios finos, assisto seus olhos se revirando com a impaciência. No geral, sei que Syd é uma mulher pra lá de prática, sempre lotada de coisas para fazer e muito sumida quando quer. Portanto, estar desviando da sua rota cotidiana a estressa mais do que o planejado. Consigo sentir isso.

Isso sem mencionar que estar em um hospital a deixa mais apreensiva e ansiosa do que eu vejo no dia a dia. Receio que mais alguma coisa esteja acontecendo que eu não sei.

— Não sabia quando voltaríamos a nos ver, senhorita Jones. — a doutora tira suas luvas, um ar neutro passando pelo seu rosto. — Você não retornou às ligações ou até mesmo meus e-mails pessoais.

— Eu estive ocupada.

— Ocupada ou evitando tratamento? — Isabella parece bem encucada, mas encucada da maneira mais profissional possível. — Sydney.

— Por que não desembucha logo? Eu tenho alguma complicação muito severa? Vou morrer? Preciso fazer alguma coisa?

As duas ficam em silêncio.

Isabella Ferreira é a médica de Sydney há cinco anos, desde que contraiu HIV e agora é portadora do vírus da AIDS. Foi o primeiro caso a longo prazo que Isabella obteve desde que chegou do Brasil e teve seu green card* aprovado pelo próprio hospital. Desde então, as duas desenvolveram uma relação de grande proximidade. Ambas se respeitam pela cor, estilo, gostos, trajetórias de vida e o mais importante: as lutas que tiveram para estarem onde estão. Sei bem que Sydney se importa muito com a opinião da doutora Ferreira e tem pavor de decepcioná-la.

— Não se preocupe. — por fim, é a doutora quem quebra o silêncio. — Se voltar com o uso frequente e regular dos coquetéis, a situação vai se resolver. O que me preocupa mesmo é a ausência dos seus anticorpos a essa altura do campeonato.

Arregalo os olhos e quando vejo, estou na frente de Sydney.

— Você não tem tomado os seus remédios, porra?

Os olhos dela não chegam aos meus.

— Não sabe como isso é importante? — diminuo o tom de voz. Me sinto quebrado por dentro, por não saber, não ter visto ou acompanhado melhor. Ela disse que tinha tudo sob controle e eu não chequei. Minha voz sai por um fio. — Porra, Syd.

De novo, ela não responde. Deixa os olhos fixos nos anéis que têm nos dedos.

— Senhor Hughes, vamos com calma, tudo bem? O melhor é focarmos no que é preciso fazer agora. — A interrupção me deixa calmo por poucos segundos. Eu recuo. — Esse é o quadro de Sydney. O vírus se multiplicou muito com a ausência dos antivirais em seu organismo. Por sorte, isso não afetou mais o estado que ela estava. Há quanto tempo você não toma os remédios?

— Os remédios completos? Um mês. — responde. — Mas um ou outro eu ainda continuo tomando. Pelo menos os que sobraram.

Isabella mostra o quadro por meio de um papel de Raio X. As cores vermelhas identificam o vírus sendo espalhado e os anticorpos, identificados de amarelo em menor número, mas ainda bastante existentes.

— Os seus pulmões, Syd, é o que me deixa mais apreensiva. Você tem se cansado mais do que o normal recentemente?

A voz de Syd soa áspera.

Rise and PrideOnde histórias criam vida. Descubra agora