1. A novata

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"No milímetro que nos separa, cabem todos os abismos."

Carlos Drummond de Andrade

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Me pergunto como seria o barulho do trem esmagando a cabeça dele. Normalmente, me mantenho sob controle, mas esse garoto realmente me tira do sério. Caramba, o meu dia já começou mal, primeiro tive que ouvir os meus pais brigarem pela milésima vez e depois ainda cheguei atrasada na plataforma e quase perdi o trem. Aí como se isso não bastasse, neste exato momento estou diante de Luke Macmillan, o maior babaca que Hogwarts já viu, realmente não podia ser pior.

— Olha, Macmillan, eu não estou num dia bom, então por favor, vê se me deixa em paz! – vou logo dizendo.

— Humm, a Bard está estressadinha... – zomba ele.

— Caso não tenha percebido ainda, a gente não tem mais onze anos. Você fala como uma criança. Isso é ridículo. – digo enquanto tento seguir meu caminho pelo corredor, mas ele o bloqueia com o braço.

— Bom, você ainda parece uma pirralha de onze anos. – diz com desdém, e então ri – Quer dizer, olha só o seu tamanho.

Eu o encaro.

Continua com seu sorrisinho idiota na cara, porque ele sabe que me acertou.
Ele sabe.

Há fios escuros de cabelo caindo sobre sua testa, o que é estranho já que seu cabelo está sempre irritantemente impecável. Noto sua sobrancelha arqueada em desafio por baixo dos fios rebeldes e uma covinha na bochecha esquerda. Pois é, com essa aparência, ninguém diria que é um babaca.

Meu sangue está fervendo. Por Merlin, como eu queria poder socar esse nariz arrebitado dele. Sabe o que eu mais odeio nele? É que ele sabe exatamente o que dizer para me afetar. Ele sempre acerta em cheio. De fato, eu não sou necessariamente alta e não peso mais que cinquenta quilos, mas também não precisa jogar isso na minha cara o tempo todo, caramba! E sei muito bem que não sou bonita, não preciso que ninguém me lembre disso. Muito menos ele.

Ergo o queixo com os dentes cerrados e os olhos fixos de raiva.

A maioria das pessoas sente medo quando eu as olho desse jeito, mas não ele, porque significa que estou perdendo a linha, e é exatamente isso o que ele quer. Mas não vou dar esse gostinho a ele. Não mesmo.

Então respiro e ataco.

— Sabe, essa sua afirmação seria até interessante, se não fosse tão óbvia. – digo calmamente – Se bem que eu não esperava muito mais dessa sua mente diminuta.

Isso o abala. Aproveito e passo por sob seu braço, o que é um pouco difícil já que estou com Banguela miando irritado nos meus braços e carrego um malão enorme ao mesmo tempo.

Caminho até a cabine de sempre, a última à esquerda, onde Olivia já está esperando, absorta em um mangá. Liv é nascida trouxa e é minha melhor amiga desde que tínhamos onze anos. Nos conhecemos aqui, nessa cabine, no primeiro ano. Já estamos no sexto.

Foi nesse mesmo dia que conheci Macmillan também. E que comecei a odiá-lo. Eu havia me despedido dos meus pais e entrado no trem com Lauren Moore – minha melhor amiga na época –, que é irmã de Heather, a melhor amiga da minha irmã, então nós quatro estávamos sempre grudadas. Procuramos nossas irmãs e quando finalmente as encontramos, quem estava lá? Isso mesmo. O Macmillan. Que descobri ser primo de Lauren. Jonathan Carrow – outro babaca e amigo de Macmillan – também estava lá. Tudo estava bem, comemos muitos doces e rimos até a barriga doer, mas então uma menina de cabelos loiro mel e óculos redondos apareceu procurando seu cachorrinho, nós dissemos que não tínhamos visto nenhum filhote de Shih Tzu, mas ela estava desesperada então decidimos vasculhar o compartimento juntos, foi quando ela sem querer derrubou suco de abóbora na calça do Carrow – que para variar, tinha se recusado a ajudar – então ele começou a dizer coisas horríveis e chamá-la de "sangue-ruim". E ninguém fazia nada, ninguém dizia nada. Pior, Heather e Lauren riam, assim como Macmillan. Eles estavam rindo. Rindo. Enquanto a garota chorava. Minha irmã não ria, mas também não dizia nada. Aquilo foi demais para mim, gritei com ele e levei a menina para outra cabine. Eu não sabia o que fazer, a menina estava tão envergonhada, e eu nunca fui das melhores quando se trata de conversar. Então não disse nada. Não tentei consolá-la. Apenas dei meu saquinho de caramelos cor de mel à ela. Porque eu não tinha nada melhor para oferecer. Nada que eu dissesse a faria esquecer aquelas palavras. Passamos toda a viagem em silêncio, só sentadas lado a lado.

O abismo que há entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora