42. Prometo te odiar

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O abismo não nos divide.
O abismo nos circunda.

Wisława Szymborska

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Observo os campos verdejantes passarem velozes pela janela, e é impossível não pensar em tudo o que aconteceu nos últimos tempos.

Um sorriso aparece no meu rosto enquanto passo os olhos pela cabine.

Tessa, Claire e Liv desafiam-se com feijõezinhos de todos os sabores, enquanto Emma e Naomi riem das caretas que elas fazem. Harriet tenta ler um romance trouxa no meio dessa bagunça toda, mas obviamente não consegue se concentrar.

Meu coração se aquece e eu me pego encarando a janela outra vez.

Depois de tudo o que aconteceu esse ano, é bom ver que as coisas não mudaram tanto assim.

Não que mudar seja ruim. Não é isso. As coisas precisam mudar. É necessário que mudem. Mas... nem tudo.

— Alis? – Harriet me chama de volta para a realidade, pousando o livro sobre o estofado.

Olho para ela, ainda meio distante.

— Estava pensando em quê, hein? – Tessa pergunta, num tom malicioso.

— Abre o jogo. – exige Emma – Quem é?

Arqueio a sobrancelha como se dissesse "o quê?", mas meu sangue gela.

— Estava toda boba encarando o vidro... – ela insiste.

— Argh, gente... eu estava pensando em quanta coisa aconteceu esse ano, só isso.

Não é uma mentira, não exatamente.

As duas me olham com descrença.

— Sei...

— É sério, tipo... viramos amigas da Harriet. – digo, indicando-a com um aceno de cabeça – Pegamos detenção... brigamos...

— Teve o baile também. – lembra Naomi.

— A profecia maluca da Trelawney... – deixo escapar.

— Profecia? – Liv pergunta, confusa.

Aconteceram tantas coisas que acabei não contando a ninguém sobre essa história, nem mesmo a Liv.

Ela ainda não disse nada sobre ontem. Mas também não parece chateada comigo por ter esquecido que ia ajudá-la com o malão. Talvez porque tenha conseguido fazer com que Harriet a ajudasse. Mas acho que está feliz por mim também, tanto quanto consegue ficar, pelo menos.

— Longa história. – respondo, com um aceno.

Ela dá de ombros, mas sei que vai me fazer explicar tudo depois.

— E não podemos esquecer do show icônico da Alis no Três Vassouras. – Claire diz, entre risos.

— Ai, nem me lembrem disso. – eu meneio a cabeça, rindo.

— A Corvinal finalmente conseguiu a Taça de Quadribol. – lembra Emma.

Eu faço que sim.

— E ainda teve a maluquice de vocês com aquelas Criptas...

— Caramba, é verdade. – Tessa assente – A gente quase morreu...

— Nem vem... – diz Liv, na defensiva – Vocês gostaram da ideia também!

— Eu disse que ia dar merda... mas não importa, eu estava pensando em como isso tudo nos afetou... – conto, meio envergonhada – Eu me sinto diferente de quando entrei nesse mesmo vagão há um ano, mas ao mesmo tempo, é bom ver que vocês ainda estão comigo.

O abismo que há entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora