19. Acho que irritamos a Murta

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Os espelhos sempre tiveram
portas viradas do avesso
janelas desvirtuadas

Luiza Neto Jorge

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— Por que a gente veio justo pra esse banheiro? – indaga Emma, em tom desaprovador.

— Porque esse era o único jeito de fazermos isso juntas. – Tessa responde, sem nem se virar para olhar para ela.

— Acontece que tem vários outros banheiros no castelo...

— Os outros banheiros estão um caos, os dormitórios então, nem se fala. – argumenta Tessa, prendendo parte do meu cabelo – Além do mais, ninguém vai nos incomodar aqui.

— Claro, só a Murta. – Emma rebate, sarcástica.

— Por Merlin, Emma, deixa de ser reclamona! – Tessa enfim se vira, lançando-lhe um olhar agastado.

— Pelo menos concorda que isso aqui está caindo aos pedaços, né? – Emma insiste.

— É um banheiro abandonado, o que você esperava?

— Silêncio, suas insolentes! – brada Murta, numa voz fina e arrastada – Saiam do meu banheiro!

Emma suspira e revira os olhos.

— É só ignorar. – aconselha Claire.

— Isso. Ignore a Murta! – Murta resmunga, emergindo de um dos reservados – A Murta não tem importância. Esqueçam a Murta. Ela não é nada...

Tessa volta a arrumar meu cabelo, como se nunca tivesse sido interrompida.

Emma parece estar se controlando para não gritar com Murta, que sobrevoa as cabines gemendo e choramingando sem parar.

— Murta, por favor... – pede Harriet – Estamos fazendo algo importante.

— Claro, porque a Murta não é importante, não é mesmo? – ela continua – Murta nunca é importante.

— Não foi isso que eu quis dizer, Murta...

Liv faz um sinal de "deixa pra lá" para Harriet.

— Murta detesta meninas como vocês! – grita a fantasma, antes de desaparecer numa das cabines.

Volto o olhar para a pia de pedra diante de mim. Brincos, pulseiras, maquiagens, pincéis, escovas, colares e tiaras brilham sobre ela. Às minhas costas, Tessa arruma, impecavelmente, o último fio de cabelo em volta do meu rosto.

Encaro o espelho e é assustador. É como se eu estivesse dentro do corpo de outra pessoa – uma mocinha de época ou uma personagem de contos de fadas, talvez. Mas por baixo de toda a maquiagem, dos cachos perfeitos e dos feitiços de embelezamento... eu ainda me sinto incompleta.

Hoje, quando acordei e vi o vestido dourado que a mamãe mandou – junto com um monte de produtos da Quintessência – eu até fiquei encantada, as meninas estavam surtando por causa dos próprios vestidos e o dormitório virou um caos de empolgação, mas eu não conseguia me sentir como elas, agir como elas... por mais que eu quisesse, era como se eu estivesse olhando a cena de fora, sem fazer parte. Sinto isso o tempo todo. Estou sentindo agora e...

Observo o reflexo das minhas seis amigas pelo espelho manchado. Tessa está curvada atrás de mim colocando um pequeno colar no meu pescoço, seu rosto está inclinado, então não consigo vê-lo direito, mas está linda em seu vestido de seda turquesa.

Sentada numa pia próxima, está Harriet, quase morrendo sufocada por uma nuvem de blush.

— Tem certeza de que não estou parecendo uma palhaça? – ela pergunta aflita.

O abismo que há entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora