VINTE E CINCO

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Dentro do veículo, o silêncio nos envolve como a neblina constante de Naercey. Durante o trajeto até Whitefire, mantenho meus olhos presos na paisagem, lutando para conter as lágrimas que ameaçam cair. Não quero olhar para Maven. Não consigo olhar para ele... não depois daquelas coisas que disse na frente de Farley. Ele acha que sou uma manipuladora, uma mulher capaz de conquistar o coração de Cal, o príncipe herdeiro de Norta, e usar isso a meu bel-prazer. E ainda que todo nosso plano gire em torno da escolha de Cal, não acho que serei boa o bastante para trazê-lo para o lado da Guarda, o mal que ele mesmo prometeu cortar pela raiz. E por mais que Maven esteja certo nessa questão de seu irmão me amar... eu não amo Cal. Ainda que nós tivéssemos nos entregado um ao outro naquela noite, tudo não passou de um erro, uma falha. Eu não queria que aquilo tivesse acontecido, mas as circunstâncias, toda aquela pressão sobre meus ombros, me sufocando, me oprimindo lenta e dolorosamente... Eu precisava, eu necessitava esfriar a cabeça, esquecer de tudo, de quem eu era, por, pelo menos, uma única noite, para que eu pudesse deitar a cabeça no travesseiro e dormir em paz.

Mas aconteceu... e não tem um dia que eu não me culpe por isso.

Discretamente, toco o pequeno amuleto de meu pai escondido sob a camisa. Um consolo inútil, mas é o que me conforta mesmo assim. Assim que nos aproximamos da Praça de César, um arrepio de temor sobe e desce pelas minhas costas, e sou obrigada a pedir forças ao fantasma que tanto me persegue. Imaginar como este lugar ficará depois que nosso plano se concretizar, em como todo o mundo saberá que não continuaremos a ser os animaizinhos de estimação dos prateados, me trás uma sensação estranha. Não sei se é boa ou ruim... talvez seja uma mistura dos dois. No entanto, a única coisa boa que posso fazer nesse mar de horrores é ser otimista, ao menos para agradar Farley.

Ao meu lado, Maven não para de tagarelar sobre a ausência de festas para comemorar o retorno do rei e sua família. Mas agora, com toda essa merda acontecendo, eles acham melhor se prevenir e poupar mais vidas — mais vidas prateadas, é claro. Por isso que a Praça de César está tão calma e tão vazia, o que é raro, ele diz. Me lembra muito o massacre que ocorreu em Summerton, no Grande Jardim, há meses atrás. Parece que aquilo irá acontecer novamente a qualquer momento...

— A sala de jantar para o banquete é duas vezes maior que a do Palacete do Sol — ele comenta, mas não dou importância. Meus olhos ainda pousam no lado de fora, e se abrem mais ainda quando cruzamos os grandes portões e avistamos uma parte da legião de Cal, aquela que foi proibida de ir para o Gargalo junto dele, se exercitar, correndo numa sincronia quase surreal.

— Costumávamos dançar até o amanhecer — Maven prossegue. — Pelo menos Cal costumava. As meninas não pediam muito para dançar comigo, a não ser que Cal as obrigasse.

Não respondo, mantendo meus olhos presos nos quartéis borbulhando de soldados. Percebendo meu silêncio, Maven se cala também, encostando-se no banco e suspirando conforme o carro diminui a velocidade e estaciona para podermos descer.

E por causa disso, minha mente é chicoteada pelas palavras do príncipe, duras e frias como gelo. Ele sempre vai escolher você.

Tensiono o maxilar, trincando tanto os dentes que seriam capazes de se partir.

— Você está chateada comigo — sussurra Maven para mim quando descemos do veículo, juntos.

Não foi uma pergunta.

— Não vou fazer isso — digo, seca. — Não sinto coisa alguma por Cal, e duvido que parte desse plano irá funcionar se depender da minha persuasão.

Maven não rebate, não contesta, pois sabe que estou certa. Não lhe dou o braço, muito menos ando ao seu lado, para sua surpresa. Estou irritada demais para tocar em alguém e não lhe reduzir à cinzas e ao pó. Diante de nós, as portas do palácio se abrem lenta e preguiçosamente. Porém, mal penso em sair correndo para meu quarto quando um grito horripilante ecoa pelas paredes de mármore e assombra nossos ouvidos desatentos. Os guardas, de imediato, levam suas mãos aos coldres de suas armas e olham para todos os lados, esperando por algum ataque imprevisto.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora