QUATRO

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Gritos. Fumaça. Morte.

Não entendo que está acontecendo, aonde estou ou o que estou fazendo. Eu simplesmente não me recordo de nada depois de levantar da cama. Não estou num lugar que conheça. Uma escuridão tenebrosa e lúgubre me cobre, me impedindo de enxergar mais à frente.

Mas então... Eu vejo. Há uma casa. Ela está em chamas. Chamas azuis. As minhas chamas. Está quente porque eu tenho essa sensação. Por que eu estou sentindo? Olho para os meus pés. Eles pesam, como se algo estivesse os puxando para baixo. Vejo neve. Muita neve. Folhas. Galhos.

Greatwoods. Como eu poderia ter esquecido o começo de todo esse pesadelo que a minha vida se tornou?

Penso em fechar os olhos e esperar que essa sensação estranha passe. Mas não passa. Eu estou sendo levada à ela. À casa. Ela me chama, posso ouvir os seus sussurros melancólicos em meus ouvidos. Um choro de agonia e gemidos de dor e morte. O mundo atrás de mim parece sumir com a sinistra escuridão crescente. O único e verdadeiro ponto de luz é a casa. A casa da minha infância.

A observo. Está completamente destruída pelo fogo, mas ainda queima. Assim que me aproximo, o calor é substituído pelo frio. Por quê? Não era o fogo que machucava? Porém, as brasas ainda queimam, ainda estão vivas. Só não estão quentes.

Olho pela janela. Há uma garotinha ajoelhada com o rosto encolhido entre as mãos. Enquanto tudo ao redor se consome com as chamas, a garotinha é a única intacta neste cenário destruído. Até as suas roupas, coisas que deveriam se deteriorar também.

A garotinha olha para mim, os olhos repletos de lágrimas que se evaporam lentamente. A reconheço.

Sou eu. Eu sou a garotinha dentro da casa incendiada. Eu é quem estou chorando sem ninguém, sem estruturas, sem nada. Estou indefesa, à mercê de qualquer perigo. Algo me impede de entrar na casa para me socorrer. Não sei se é o fogo ou algum tipo de bloqueio.

Um pequeno flash tortuoso vem à minha mente. Acho que agora eu sei o por quê. Não sou mais digna de entrar na casa, pois eu a destruí. Eu a incendiei, assim como qualquer coisa ao meu redor que consiga tocar. Esse poder é a minha maldição, o meu fardo. Pessoas se machucam por causa dele. Eu as machuco porque nunca soube controlá-lo direito. Sempre deixo as emoções me preencherem. E isso me cega.

De repente, uma sombra obscura paira atrás de mim dentro da casa. Meu eu ainda está chorando, os soluços se tornando cada vez mais altos. A sombra cresce, se aproxima. Tento fazer alguma coisa como sugar o fogo que queima a casa. Mas nada acontece. E a sombra cresce mais e mais. Grito para mim mesma. Grito para me alertar. Mas não adianta. A sombra cresce tanto que posso jurar vê-la me engolir com a sua escuridão deprimente.

O calor volta, se concentrando na minha mão. Lágrimas caem dos meus olhos, a raiva e a angústia se misturando dentro de mim. Sem pensar, lanço a grande bola de fogo na direção da casa e uma forte explosão me lança para longe. Bato a cabeça no chão, dormindo no meu próprio sonho.

As lembranças me inundam, me torturam. Coisas que eu jamais me lembrei se tornam quase recentes na minha cabeça. Meus primeiros passos, meu aniversário de um ano, a descoberta dos meus poderes, a briga, a explosão, a morte do meu pai. Coisas que lutei tantos anos para esquecer, mas que ainda insistem em me assombrar.

Minha mente roda todas essas coisas e, mesmo apagada, grito dolorosamente. Isso está me machucando. Não sei o que está acontecendo. Por que dói tanto? Por quê? Por quê? Por quê?

Por que?

Por que?

- Por que? - Olhos azuis me encaram em meio à escuridão. - Por quê? ME DIGA O POR QUÊ!

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora