VINTE E QUATRO

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Explorar um lugar grande e desconhecido é meu hobbie preferido desde pequena. Quando ainda morava em Greatwoods, a floresta era como um esconderijo sombrio que vivia me chamando para explorá-lo mais de perto. Como uma criança curiosa e aventureira, eu sempre ia, correndo um risco tremendo de ser morta por um animal selvagem ou capturada por um prateado carniceiro para servi-lo — o que conseguia ser mil vezes pior que um urso ou um lobo.

O Palácio de Whitefire não é muito diferente da grande floresta de Greatwoods: é frio, escuro e sufocante; paredes de mármore branco e madeira, janelas de vidro comum, não de diamante, como no Palacete do Sol. Caminho pelos corredores, tentando me localizar por aqui. Este lugar é enorme. É tão grande que até o secretário leva um tempo longo demais para me encontrar enquanto circulava dentro da galeria de estátuas. Por mais que eu deteste tudo isso, ainda desejo explorar cada vez mais a fundo. Porém, os deveres me chamam.

Como sendo uma falsa prateada, pensei que não teria tantos deveres para exercer. Imaginava que Tiberias me quisesse longe dele e de seus filhos quando chegássemos aqui. Mas eu estava enganada, e me senti uma completa idiota. Cal me avisou que agora sou uma pessoa mais que conhecida. Uma celebridade. Por onde vou, as pessoas me seguem. Não tem mais jeito. Não tenho mais esconderijo. Apertar mãos, visitar bases militares, fazer discursos e ficar vinte e quatro horas por dia ao lado do meu irmão postiço são minha missão agora. Bem... a última parte não me incomoda tanto quanto deveria. Na verdade, tudo em relação a Maven não me incomoda mais. Nem o fato dele ser o filho de uma das mulheres mais perigosas de Norta.

Já no lado de fora de Whitefire, Maven e eu adentramos num veículo que nos levará ao nosso primeiro destino da programação de hoje. Estou nervosa, não pelos deveres, mas por causa da lista que ainda está guardada em meu colete. Quero contar sobre a descoberta de Julian ao príncipe o mais cedo possível. Não quero perder tempo. No entanto, temos que estar à sós. No mundo dos prateados, até as paredes têm ouvidos.

O dia se passa e nada de diferente acontece, por mais que tivéssemos parado em quase todos os pontos conhecidos de Archeon. O Mercado da Ponte é muito maior que o Grande Jardim, mas ainda tem uma certa semelhança, o que me faz lembrar vagamente de Summerton. Meu corpo se arrepia quando me dou conta de que essa é a primeira vez que passo tanto tempo fora do Palacete. Não sinto medo, apesar de ter todos os motivos para sentir. Na verdade, me sinto como um pequeno pássaro que acaba de ser liberto de sua gaiola, mesmo estando presa em outra muito pior que a primeira. Ainda no Mercado, paramos para cumprimentar e abraçar dezenas de crianças, o que fora um trabalho um tanto complicado para mim. Nunca fui muito apegada à crianças, pois vivi rodeada de pessoas muito mais velhas que eu. Nem em Greatwoods eu tinha tantos amigos da minha idade. Crianças pequenas por lá eram raras por causa do frio cortante do inverno e da terrível fome que assolava o vilarejo de vez em quando. A maioria não sobrevivia. Eu fui uma das poucas a viver o bastante naquele lugar.

Mas não é só as crianças que me perturbam. Por trás de toda a beleza e da felicidade, posso enxergar a podridão. Enquanto cumprimentamos mercadores ricos e de bem com a vida, ao fundo, encaro a realidade: vermelhos — criados — sendo humilhados, espancados e hostilizados em público. Aos poucos, as coisas vão piorando e os seguranças têm que intervir para evitar que um pandemônio se generalize pelo Mercado. Mas sei que eles não estão fazendo isso porque querem. Se Maven e eu não estivéssemos aqui, tanto faz os vermelhos morrerem nas mãos dos prateados. Seria menos trabalho por hoje. No entanto, o que me fere não é a falta de profissionalismo dos seguranças. As palavras lançadas aos pobres vermelhos rasgam minha alma dolorosamente: assassinos de crianças, animais, malditos... Eu sabia que, cedo ou tarde, isso iria acontecer. Mas Farley não me ouviu, e me culpo por não ter insistido mais para mudarem de ideia. Maven aperta minha mão a cada golpe sobre cada vermelho infeliz.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora