DEZOITO

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Deixo ele me conduzir pelos corredores semi-escuros do Palacete. A luz da lua banhando o mármore e as paredes constatam perfeitamente com minha pele naturalmente pálida: a cor brilhante e fantasmagórica, abraçando meu corpo como um manto espectral, me deixa igual a uma bela e recatada dama prateada, enganando aos olhos mecânicos das câmeras noturnas que nos espiam passar.

Dentro de uma grande sala, Cal afasta alguns móveis que poderão nos atrapalhar. O som estridente de metal arrastando-se sobre a madeira me causa um desconforto terrível. Mas não reclamo. Não tenho tempo. Cal rapidamente tira algo de dentro do bolso do casaco. Uma caixinha pequena e sem graça que é posta no meio da sala. Ele a observa por uns instantes, esperando algo.

- Ok - falo, quebrando o silêncio. - E isto aí vai me ensinar a não tropeçar no meio do salão como uma maluca?

Cal sorri, balançando a cabeça.

- Não, mas ajuda.

É. Pelo visto, este pequeno objeto não é capaz de fazer tamanho milagre.

De repente, um som animado se desprende da pequena caixinha, que não é apenas uma caixinha. Se trata de um alto-falante, provavelmente, portátil. Dele, o ritmo é vivo, verdadeiro, bem diferente daquele som horrível e deprimente da música das aulas de protocolo.

Hesito. Nunca fiz isso antes, dançar de verdade. Mas acho que Cal não se importa. Com um sorriso maior, seus pés se movem perfeitamente no ritmo da música. Nem parece um príncipe, um general frio, apesar de ser ardente. E, pela primeira vez, luto contra esses pensamentos de resistência. Como Cal, meus pés se movem automaticamente, e uma estranha sensação leve toma conta de mim. Seria felicidade, talvez? É a segunda vez que sinto isto dentro do meu coração depois de muito tempo. Um tempo longo demais. Isso é bom, acredito.

Tento não extrapolar para não parecer uma ridícula.

- Não se preocupe. Continue! - Cal ri alto, não se importando em ser ouvido.

Desta vez, ele se solta mais, cantarolando a letra da música e mexendo-se com uma sincronia singular. Tento fazer o mesmo. Mas minha recente empreitada no mundo da dança não é o suficiente para chegar ao nível do príncipe. Seus pés se movem meticulosamente sobre o piso de madeira, não errando um passo.

Por um instante, sinto inveja dele. Porém, tal sentimento é substituído por um estranho vazio quando as notas musicais vão morrendo aos poucos. Logo, a realidade bate à porta da minha consciência. Eu não deveria estar com ele, aqui, sozinha.

- Acho melhor eu voltar, Cal - murmuro, estalando meus dedos.

Cal pende a cabeça para o lado, achando graça da minha situação.

- Por quê?

Sério? Vou ter mesmo que responder?

Suspiro, segurando a irritação.

- Apesar de estarmos fingindo ser apenas irmãos, somos diferentes. - Aperto mais ainda meus dedos. - Não podemos ficar sozinhos desta maneira, dentro desta sala escura. Não é apropriado eu ficar sozinha justamente com o príncipe herdeiro e noivo de Evangeline Samos.

Me sinto uma idiota por dizer isso com todas as palavras presas na garganta. Mas é a verdade. Jamais me perdoarei se alguma coisa acontecer entre nós aqui.

Ao invés de concordar comigo ou até mesmo discordar, Cal apenas ri baixinho e dá de ombros. Mais uma música começa. Agora é mais lenta, própria para o momento.

- Na minha opinião, é um favor para o meu irmão - ele explica. - A não ser que você queira pisar no pé dele a noite toda.

Seu sorriso maldoso me faz querer dar um soco na sua cara.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora