VINTE E SEIS

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Meus pés pesam como chumbo. Mas sou obrigada a continuar andando quando sinto as mãos do soldado atrás de mim apertarem meu braço com certa força. Luto contra o ímpeto de lhe dar um coice na canela e tentar fugir. Mas sei que isso seria impossível. Ainda mais com a presença de Rane Arven nos envolvendo com seu silêncio frio e mortal. Seria suicídio ousar tentar fazer alguma coisa estando reduzida à apenas uma vermelha comum, sem poderes, sem dons divinos capazes de queimar este palácio até o teto. Olho para Maven, que parece reprimir um gemido de frustração. Ele também sofre com o peso das algemas e do poder do sileciador às nossas costas. Mas nada se compara ao ódio fervoroso que sustenta meu corpo quando observo a silhueta de Cal bem na nossa frente, liderando a escolta até os pés do rei. Seus ombros estão tensos, e sei que ele se contém para não se virar e encarar o irmão.

O irmão de verdade, não eu, a impostora. A traidora. Você me traiu. Seu grito ecoa pela minha mente, uma confirmação de quem sou realmente: sangue vermelho, poderes que não deveriam existir. Uma aberração da natureza que põe em risco a comodidade dos prateados. Assim como Mare Barrow. E existem mais de nós. Centenas. Se não, milhares, os quais Julian não foi capaz de registrar naquele caderninho valioso que, graças aos céus, está em posse de Farley. No entanto, esse meu alívio vacila quando me recordo de tudo que aconteceu. Tomara que ela tenha escapado. Tomara que todos tenham escapado.

Ao pensar nisso, o som dos tiros faz meu corpo gelar, tal como os gritos e a sensação do sangue escorrendo no chão metálico. E se eles não escaparam? E se não sobrou nenhum? O que vamos fazer? O que eu vou fazer?

São tantos e se que fico zonza.

Cal nos leva para um lugar diferente das celas escuras e gélidas que tanto espero. Ao invés da escuridão, é a luz que nos encontra. Mas não há janelas, muito menos sentinelas flamejantes à postos. Me sinto mais ainda sufocada quando percebo que nossos passos não ressoam pelos meus ouvidos. É um cômodo completamente à prova de som. Ninguém saberá o que aconteceu aqui. Ninguém vai nos ouvir. Se por um milagre algum rebelde for louco o bastante para nos resgatar, não terá a mínima ideia de onde estamos sendo torturados. Não vão ouvir nossos gritos.

Lá no fundo, desejo a pílula de suicídio em meu bolso. Mas acho que a deixei cair quando estava lutando com Cal no pátio.

Damos de cara com Tiberias parado no centro da grande sala. Ele está trajando uma armadura dourada que o deixa mais ridículo ainda. A coroa sobre sua cabeça não brilha como antes. A espada cerimonial está acoplada em um lado de seu cinturão e sua pistola — provavelmente nunca usada — está no outro. Parece um teatro. Uma peça que tem como entretenimento a nossa morte. Quase rio. Que engraçado. Isso me é tão familiar.

Para minha infelicidade, Elara também está presente. Diferente do extravagante rei, ela usa apenas um longo vestido branco e fino. Provavelmente uma roupa de dormir, já que o atentado aconteceu no meio da madrugada. E, então, tenho o azar de ser encontrada pelos olhos ferinos dela, que penetram minha mente como milhares de agulhas penetrando a carne... todas ao mesmo tempo. Desta vez, ela tem o prazer de me fazer sentir. Dói. Resmungo com o incômodo, mas a rainha não para. E cada pensamento, cada memória minha viaja diante dos meus olhos desde o início, como flashes rápidos e objetivos: meu aniversário, a arena, Mare Barrow, a Guarda, Farley, a estufa, as mensagens secretas, Naercey, Kilorn. Os olhos de Maven surgem, mas Elara os afasta. Tira de mim o único consolo neste momento. Ela se aprofunda mais, chegando nas partes que mais me machucam: a morte de meu pai, o abandono de minha mãe, a morte de Walsh, de Tristan, a noite entre mim e Cal... Julian e o pequeno caderno que tanto me esforcei para manter longe da rainha.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora