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- E isso tem a ver com o 'trágico' que você falou mais cedo? – Perguntou Bianca, se aproximando e se escorando na cabeceira da cama, ao lado de Rafaella.

–Tem – a mineira suspirou, olhando para o próprio colo, os dedos brincando com a fronha do travesseiro. – Eu... eu nunca contei isso para ninguém...

–Tudo bem – disse Bianca, tentando acalmá-la.

Rafaella começou ainda olhando para baixo, quase como se houvesse ensaiado (e talvez tivesse, só um pouquinho).

– Quando eu tinha uns 15 anos eu e minha família nos mudamos para São Paulo, minha avó estava tendo alguns problemas de saúde e precisava da minha mãe por perto para ajudar, eu fui para uma nova escola, lá eu conheci essa garota. - Rafaella pausou por alguns segundos. – Gabriela, nunca vou me esquecer. Desde a primeira vez que eu a vi senti algo diferente, mas era difícil, sabe, era a primeira vez que eu me sentia atraída por uma garota, eu não sabia o que fazer, mas ela aparentemente sabia, nós começamos a conversar e em questão de semanas nos tornamos bem intimas, ainda não namoradas, mas intimas. -Rafaella mordeu o lábio. – Um tempo depois Gabriela me disse como se sentia em relação a mim e eu disse que o sentimento era reciproco, eu estava tão feliz, pela primeira vez era como... Como se eu estivesse livre, estivesse sendo eu mesma, nós já estávamos juntas a algum tempo quando eu decidi que iria contar pra minha família. – Os olhos de Rafaella lacrimejaram. – Eu me lembro perfeitamente. Eu cheguei em casa, estavam todos no sofá, então eu parei na frente deles e disse tudo, o jeito que eles me olharam, foi terrível, era como se eu tivesse dito que havia matado alguém ou algo do tipo, minha mãe me pegou pelo braço e me levou para o quarto, ela disse coisas horríveis, inclusive que ia me mandar para uma escola católica para "ser curada", minha avó tentou impedir, ela era a única pessoa do meu lado, mas ela estava velha e doente demais, ninguém dava ouvidos, eu fui para a escola católica sem nem poder me despedir de Gabriela. Após alguns dias lá, minha mãe me ligou e disse que minha avó havia falecido e que era minha culpa.

–Desculpe... ela te culpou pela morte de sua avó?– perguntou Bianca chocada.

–Sim, ela dizia que eu havia deixado minha avó nervosa e isso agravou sua doença, quando fui ao funeral tive a chance de conversar com minha mãe, eu não queria voltar para aquela escola terrível e depois de tudo que minha mãe havia dito, eu realmente estava me sentindo culpada, então eu disse para ela que estava arrependida, que eu não amava Gabriela e que tudo não havia passado de uma fase ruim, ela me fez prometer que iria frequentar a igreja "para não seguir o caminho errado novamente", fazer acompanhamento psicológico e até hoje ela não me deixa em paz.

Rafaella mordeu o lábio.

Bianca a fitava, esperando ansiosamente o resto da história.

–Ela me inferniza cada vez que alguém se aproxima de mim – Rafaella inspirou fundo – Eu mal tenho amigas por causa disso, até com a Manu, minha melhor amiga, ela implicou, só quando ela descobriu que a Manu tinha um namorado nos deixou em paz, eu já tentei mudar meu telefone, excluir minha família inteira do Instagram, até moro em outro estado, mas ela sempre acha um jeito de me vigiar.

–Mas você é adulta, você pode pedir uma ordem de restrição ou algo do tipo, você não tem que ser infeliz para sempre só porque a sua mãe é uma merda! – Disse Bianca alterada.

- Ela é minha mãe Bianca, ela pode ser preconceituosa, paranoica e o que for, mas ainda é minha mãe! – Rafaella fungou – Eu ainda seria infeliz se estivesse em um relacionamento com uma pessoa que amo, mas não pudesse ter contato com a minha família, eu tive que escolher.

–Eu poderia estrangular sua mãe agora. -­ a carioca disse.

Rafaella tentou sorrir, mas Bianca percebeu que ela se controlava para não chorar, seu rosto estava vermelho e seus dedos tremiam, antes que Bianca pudesse dizer qualquer coisa, Rafaella se forçou a continuar, agora se virando diretamente para ela, seus olhos verdes brilhavam, começando a marejar.

–E eu acho que ainda carrego um certo trauma sabe, minha mãe falou tanto que as vezes eu me sinto culpada pelo falecimento da minha vó.

–Mas você não tem culpa, ela estava doente, você mesma disse que ela estava do seu lado, a sua mãe só te disse isso pra te deixar com a consciência pesada, ela queria que você se sentisse mal e ela conseguiu... – Interrompeu Bianca.

–Eu sei... – Disse Rafaella, as lagrimas caindo.

–Está tudo bem – sussurrou a carioca, acariciando o cabelo de Rafaella. Uma parte sua queria pular no pescoço da mãe de Rafaella e matá-la, mas a maior parte só queria ficar ali, confortando a mineira, a abraçando, tudo para fazê-la parar de chorar.

Rafaella ergueu a cabeça para olhar para Bianca e Bianca poderia desmoronar só de ver aqueles olhos, agora mais verdes do que nunca, molhados de lágrimas.  Secou uma de suas lágrimas com o polegar e Rafaella franziu o nariz e se levantou rapidamente.

–Eu vou trocar de roupa... nós precisamos dormir.

Quando Bianca ia dizer alguma coisa, ela balançou a cabeça.

–Nós vamos conversar. Mais tarde. Só... me dê um minuto. Eu preciso me recompor.

Com um soluço, ela entrou no banheiro.

🗼

E descobrimos finalmente o motivo da Rafaella ser tão paranóica. 😥

Me isento de voltar hoje.  Vou escrever a att da fic das Cartas.  Tchau. 

O ExperimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora