Capítulo 45

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NEM TUDO FOI UM SONHO

"Onde estão os sons que flutuavam

Ao leve ar quando eu era jovem?

A última vibração agora acabou,

E aqueles que ouviam não existem mais;

Ah! Deixe-me fechar os olhos e sonhar."

W. S. Landor

A ideia de Helstone tinha sido sugerida à mente desperta de Mr. Bell pela sua conversa com Mr. Lennox, e durante toda a noite correu revolta pelos seus sonhos. Ele voltou a ser o professor da universidade onde agora tinha o grau de Membro. Era novamente um tempo de longas férias, e ele estava hospedado com seu amigo recém-casado, o marido orgulhoso e feliz vigário de Helstone. Sobre riachos murmurantes eles davam saltos impossíveis, que pareciam mantê-los dias inteiros suspensos no ar. Tempo e espaço não existiam, embora todas as outras coisas parecessem reais. Cada evento era medido pelas emoções da mente, não por sua existência real, pois existência não havia. Mas as árvores eram deslumbrantes na sua folhagem outonal – os odores mornos de flores e ervas vinham doces aos sentidos – e a jovem esposa movimentava-se perto da casa com aquela mistura exata de aborrecimento pela sua posição, considerada como riqueza, e orgulho pelo seu marido bonito e dedicado, que Mr. Bell tinha notado na vida real um quarto de século atrás. O sonho foi tão parecido com a vida que, quando acordou, sua vida presente parecia um sonho. Onde ele estava? No quarto fechado e lindamente mobiliado de um hotel de Londres! Onde estavam aqueles que falavam com ele, moviam-se em torno dele, tocavam-no, não fazia um instante? Mortos! Enterrados! Perdidos para sempre, até onde a terra se estendesse eternamente. Ele era um homem velho, até pouco tempo atrás triunfante na força plena da masculinidade. Era insuportável pensar na solidão absoluta da sua vida. Levantou-se de súbito e tentou esquecer o que nunca mais poderia ser, vestindo-se apressado para o café da manhã em Harley Street.

Ele não pôde prestar atenção a todos os detalhes de advogado que fizeram os olhos de Margaret se dilatarem e seus lábios se tornarem pálidos, enquanto o destino decretava, ou assim parecia, que um por um todos os fragmentos de prova que pudessem isentar Frederick deveriam cair por terra e desaparecer. Até mesmo a voz bem regulada e profissional de Mr. Lennox adquiriu um tom mais suave e terno, quando ele se aproximou da extinção da última esperança. Não que Margaret não estivesse perfeitamente ciente do resultado antes. Só que os detalhes de cada decepção sucessiva vieram com tal meticulosidade inexorável para extinguir toda a esperança, que ela afinal deu vazão às lágrimas. Mr. Lennox parou de ler.

– É melhor não continuar – disse ele, com uma voz preocupada. – Foi uma proposta tola da minha parte. O tenente Hale... – e até o fato de Mr. Lennox lhe dar o título de serviço, do qual ele fora tão severamente expulso, era tranquilizador para Margaret – O tenente Hale está feliz agora, mais seguro em termos de fortuna e perspectivas de futuro do que jamais poderia ter estado na marinha, e sem dúvida adotou o país da esposa como o seu próprio.

– É isso mesmo – disse Margaret. – Parece tão egoísta da minha parte lamentar isso – Margaret tentou sorrir – mas ainda assim ele está perdido para mim, e estou tão só...

Mr. Lennox voltou aos seus documentos, e desejou que ele fosse tão rico e próspero como acreditava que ele viria a ser algum dia. Mr. Bell assoou o nariz, mas, fora isso, também manteve silêncio. Margaret, em um minuto ou dois, pareceu ter recobrado sua compostura habitual. Agradeceu educadamente a Mr. Lennox pelo seu incômodo, com tanto mais cortesia e graça porque estava ciente de que, pelo seu comportamento, ele poderia ter sido, com certeza, levado a imaginar que havia lhe causado uma dor desnecessária. No entanto, era dor que ela ainda não tinha passado.

Mr. Bell veio despedir-se dela.

– Margaret! – disse ele, enquanto remexia nas luvas. – Estou descendo para Helstone amanhã, para ver o antigo lugar. Você gostaria de vir comigo? Ou isso lhe causaria muita dor? Fale, não tenha medo.

– Oh, Mr. Bell! – disse ela, e não conseguiu dizer mais nada. Mas pegou sua mão velha e atacada pela gota e a beijou.

– Vamos, vamos, já chega – disse ele, corando estupidamente. – Suponho que sua tia Shaw confiará você a mim. Sairemos amanhã de manhã e chegaremos lá perto das duas horas, imagino. Vamos fazer um lanche e pedir o jantar na pequena hospedaria – costumava ser o Lennard Arms – e depois fazer uma caminhada na floresta para abrir o apetite. Você aguentaria isso, Margaret? Será uma prova, eu sei, para nós dois, mas será um prazer para mim, pelo menos. E lá nós jantaremos – será carne de cervo, se conseguirmos – e então vou tirar minha soneca enquanto você vai sair para visitar velhos amigos. Eu a devolverei sã e salva, exceto algum acidente ferroviário, e farei um seguro de vida para você de mil libras antes de partir, o que pode ser um pequeno conforto para os seus parentes. Caso contrário eu a devolverei a Mrs. Shaw antes do almoço de sexta-feira. Assim, se você disser que sim, eu irei lá em cima agora para propor isso.

– Não adianta nem dizer o quanto eu gostaria... – disse Margaret, entre as lágrimas.

– Bem, então, prove sua gratidão mantendo essas suas fontes secas durante os próximos dois dias. Se você não o fizer, eu me sentirei estranho a respeito dos dutos lacrimais, e não gosto disso.

– Eu não vou chorar uma gota – disse Margaret, piscando os olhos para sacudir as lágrimas dos cílios e forçando um sorriso.

– Essa é a minha menina. Então vamos subir e resolver tudo.

Margaret estava em um estado de ansiedade quase trêmula, enquanto Mr. Bell discutia seu plano com sua tia Shaw, que primeiro ficou assustada, depois duvidosa e perplexa, e, no final, cedeu mais à força áspera das palavras de Mr. Bell do que à sua própria convicção. Pois, certo ou errado, próprio ou impróprio, ela não poderia voltar a ficar satisfeita até o retorno seguro de Margaret. O feliz cumprimento do projeto deu-lhe decisão suficiente para dizer que "estava certa de que tinha sido uma ideia muito amável de Mr. Bell, e justo o que ela mesma vinha desejando para Margaret, para lhe proporcionar a verdadeira mudança de que ela necessitava depois de toda a ansiedade por que passara."

Norte e Sul (1854)Onde histórias criam vida. Descubra agora