ANTES E AGORA
"Então nesses dias felizes de outrora
Que muitas vezes me atrevo a habitar agora,
Devo perder ainda os amigos a quem revi,
E a quem a Morte do meu lado carregou.
Mas sempre que a verdadeira amizade une,
Espírito é o que espírito reúne;
Em espírito então nossa felicidade encontramos,
Em espírito ainda a eles estou unida."
Uhland
Margaret estava pronta muito antes da hora marcada, e teve tempo bastante para chorar um pouco, quietamente, quando não era observada, e para sorrir de modo luminoso quando qualquer um olhava para ela. Sua última preocupação era que não estivessem atrasados demais a ponto de perder o trem. Mas não! Estavam no horário. E ela finalmente respirou livre e feliz, sentada em frente a Mr. Bell no vagão de trem, passando rapidamente pelas estações conhecidas, olhando as velhas cidadezinhas sulistas e os vilarejos que dormiam na luz morna do sol pleno – que dava uma cor ainda mais avermelhada às telhas das casas, tão diferentes das ardósias frias do norte. Bandos de pombos voavam sem destino ao redor dessas cumeeiras estranhas e pontiagudas, aninhando-se lentamente aqui e ali, e arrepiando as penas macias e brilhantes, como se expusessem cada uma de suas fibras àquele calor delicioso. Havia poucas pessoas nas estações, quase parecia que estavam preguiçosos e contentes demais para querer viajar. Nada do alvoroço e tumulto que Margaret tinha notado nas suas duas viagens a Londres e linha Norte-Ocidental. Mais tarde no ano, esta linha da ferrovia se tornaria agitada e cheia de vida, com os ricos que procuravam lazer, mas quanto às constantes idas e vindas de homens de negócios atarefados, seria sempre muito diferente das linhas do norte. Aqui, um espectador ou dois sempre ficava vadiando em quase todas as estações, com as mãos no bolso, tão absorto no simples ato de observar, que fazia os viajantes se perguntarem o que ele poderia encontrar para fazer quando o trem se fosse, e só o espaço em branco de uma ferrovia, alguns galpões e um ou dois campos distantes fossem deixados à sua contemplação. O ar quente dançava sobre a quietude dourada da terra, fazenda após fazenda ficavam para trás, cada qual lembrando a Margaret os Idílios Germânicos – de Herman e Dorothea – de Evangeline. Ela foi despertada deste sonho acordado. Era o lugar onde deveriam deixar o trem e pegar o transporte para Helstone. E agora, sentimentos mais intensos atravessavam seu coração – ela mal poderia dizer se eram de dor ou prazer. Cada quilômetro estava impregnado de associações, que ela não perderia por nada deste mundo, mas cada uma das quais a fazia clamar pelos "dias que não existiam mais", com saudade indizível. A última vez que ela havia passado por essa estrada foi quando deixara Helstone com o pai e a mãe – o dia, a estação, eram sombrios, e ela mesma desesperançada, mas eles estavam lá com ela. Agora ela estava sozinha, órfã, e eles, estranhamente, tinham se afastado dela e desaparecido da face da terra. Doeu-lhe ver a estrada de Helstone tão inundada pela luz solar, e cada curva e cada árvore familiar tão precisamente a mesma em sua glória de verão como tinha sido em anos anteriores. A natureza não sentia mudança alguma, e era sempre jovem.
Mr. Bell sabia algo do que estava passando pela sua cabeça, e de modo sábio e bondoso segurou a língua. Eles se aproximavam do Lennard Arms, meio casa de fazenda, meio pousada, que ficava um pouco afastada da estrada, quando menos para dizer que o anfitrião não dependia tanto assim do costume dos viajantes, a ponto de ser impertinente cortejando-os – em vez disso, eles é que deviam procurá-lo. A casa dava frente para o parque do vilarejo, e logo antes dele havia uma limeira imemorial com bancos à volta, e em algum recesso escondido da sua folhagem abundante ficava pendurado o brasão severo do Lennard. A porta da hospedaria estava inteiramente aberta, mas não havia nenhuma pressa hospitaleira para receber os viajantes. Quando a proprietária apareceu – e eles deviam ter abstraído mais de um artigo primeiro – ela lhes deu um acolhimento amável, quase como se eles fossem convidados, e se desculpou por ter demorado tanto a chegar, dizendo que era época da colheita do feno, e deviam enviar as provisões para os homens no campo, e ela estivera muito ocupada embalando as cestas para ouvir o barulho das rodas na estrada que, desde que eles tinham deixado a rodovia, passava por sobre a relva curta e macia.