OLHANDO PARA O SUL
"Uma pá! um ancinho! uma enxada!
Uma picareta ou uma podadeira!
Um garfo para colher, ou uma foice para ceifar,
Um mangual, ou o que quiserdes...
E aqui está uma mão pronta
Para utilizar a ferramenta necessária,
E hábil o bastante, por rudes lições,
Na dura escola do Trabalho."
Hood
A porta de Higgins estava fechada no dia seguinte, quando foram fazer sua visita à viúva Boucher, mas desta vez souberam por um vizinho intrometido que ele realmente não estava em casa. Tinha ido ver Mrs. Boucher, no entanto, antes de começar suas atividades do dia, seja lá o que fossem. A visita deles a Mrs. Boucher foi muito insatisfatória. Ela se considerava uma mulher inútil, pelo suicídio do seu pobre marido, e havia um grande fundo de verdade nessa ideia, a ponto de torná-la muito difícil de refutar. Ainda assim, era desagradável ver como os seus pensamentos se voltavam inteiramente para si e sua própria posição, e este egoísmo se estendia até mesmo às suas relações com os filhos, a quem considerava como encargos, mesmo no meio do seu afeto um pouco animal por eles. Margaret tentou fazer amizade com uma ou duas das crianças, enquanto o pai se esforçava para levar os pensamentos da viúva a um canal mais elevado do que a mera lamentação impotente. Margaret descobriu que o luto das crianças era mais verdadeiro e mais simples do que o da viúva. Seu papai tinha sido amável com eles. Cada um podia contar, no seu modo ansioso e vacilante, sobre alguma ternura demonstrada – ou alguma indulgência concedida – pelo pai perdido.
– Essa coisa lá em cima é mesmo ele? Não se parece com ele. Eu tenho medo daquilo, e eu nunca tive medo do papai.
O coração de Margaret sangrou ao ouvir que a mãe, no seu anseio egoísta por compaixão, tinha levado seus filhos lá em cima para ver o pai desfigurado. Era misturar a brutalidade do horror com a profundidade da tristeza natural. Ela tentou levar os pensamentos das crianças para alguma outra direção; para o que eles poderiam fazer pela mãe; para o que seu pai – pois esse era um modo mais eficaz de colocar as coisas – teria desejado que fizessem. Margaret foi mais bem-sucedida do que Mr. Hale em seus esforços. As crianças, vendo suas obrigações bem perto à sua volta, começaram a fazer, cada uma delas, algo que ela sugerira, para ajeitar a sala desarrumada. Mas o pai fixara um objetivo elevado demais, e demasiado abstrato, em relação à indolente inválida. Ela não conseguia despertar em sua mente entorpecida qualquer ideia vívida do que poderia ter sido a infelicidade do seu marido, antes que ele tivesse recorrido àquele último passo terrível – só podia enxergar nisso aquilo que afetava a si mesma. Não entendia a misericórdia eterna de Deus, que não tinha se interposto de maneira especial para impedir que a água afogasse seu marido prostrado. E embora ela estivesse secretamente culpando o marido por ter caído em um desespero tão sombrio, e negando que ele tivesse qualquer desculpa para o seu último ato irrefletido, estava determinada a insultar a todos os que supostamente podiam, de algum modo, tê-lo levado a tal desespero. Os patrões – Mr. Thornton, em particular, cuja fábrica tinha sido atacada por Boucher, e que, depois de o mandato ter sido emitido para a sua detenção sob a acusação de motim, mandou retirá-lo – o Sindicato, do qual Higgins era o representante perante a pobre mulher – as crianças tão em numerosas, tão famintas, e tão barulhentas – tudo isso compunha um grande exército de inimigos pessoais, cuja culpa era torná-la agora uma viúva desamparada.