Capítulo 15

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PATRÕES E EMPREGADOS

"Pensamento luta com pensamento;

E emana uma centelha de verdade

Da colisão entre a espada e o escudo."

W. S. Landor

– Margaret – disse seu pai, no dia seguinte – precisamos retribuir a visita de Mrs. Thornton. Sua mãe não está muito bem, e não poderia caminhar tanto. Mas você e eu iremos esta tarde.

Enquanto andavam até lá, Mr. Hale começou a falar sobre a saúde da esposa. Seu tom era de velada ansiedade, e Margaret ficou contente de ver que, por fim, ele percebera a situação.

– Você consultou o médico, Margaret? Mandou chamá-lo?

– Não, papai. O senhor pediu que eu o chamasse para mim, mas eu estava bem. Se ao menos soubesse de algum bom médico iria chamá-lo hoje mesmo, pois tenho certeza que mamãe está seriamente indisposta.

Colocou a verdade com simplicidade e clareza, pois o pai negara completamente a ideia, na última vez que expressara seus temores. Mas agora o caso era outro. Ele respondeu, em tom deprimido:

– Acha que ela está escondendo alguma queixa? Acha que está de fato muito doente? Dixon falou alguma coisa? Oh, Margaret! Estou apavorado, temendo que a nossa vinda para Milton a tenha matado. Minha pobre Maria!

– Oh, papai! Nem pense nunca coisas dessas – disse Margaret, chocada. – Ela não está bem de saúde, isso é tudo. Muita gente não passa bem por um tempo, mas com bons cuidados melhora e fica mais forte do que antes.

– Mas Dixon falou alguma coisa sobre ela?

– Não. O senhor sabe como Dixon gosta de fazer mistério por bobagens, e ela tem sido bastante misteriosa a respeito da saúde de mamãe. Fiquei um pouco alarmada, só isso. Acho até que sem razão alguma. O senhor mesmo disse outro dia que eu estava me tornando imaginativa.

– Espero que de fato esteja. Mas não ligue para o que eu disse naquele dia. Gosto que seja imaginativa a respeito da saúde de sua mãe. Não tenha medo de me contar as suas suposições. Gosto de ouvi-las, embora fale como se estivesse aborrecido. Mas vamos perguntar a Mrs. Thornton se pode nos indicar um bom médico. Não vamos desperdiçar nosso dinheiro com qualquer um, apenas com alguém de primeira classe. Espere, temos que dobrar aqui.

Não parecia haver na rua nenhuma casa grande o suficiente para ser a residência de Mrs. Thornton. Seu filho nunca dera nenhuma indicação sobre o tipo de casa em que vivia. Mas Margaret, inconscientemente, imaginara que uma pessoa alta, sólida, e graciosamente vestida como Mrs. Thornton, devia viver em uma casa do mesmo tipo. Malborough Street consistia de longas fileiras de casas pequenas, com um muro maciço aqui e ali, pelo menos isso era tudo que conseguiam ver no ponto em que entraram na rua.

– Ele me disse que morava em Malborough Street, tenho certeza – disse Mr. Hale, com ar perplexo.

– Talvez viver em uma casa modesta seja uma das economias que ele ainda pratica. Mas há muitas pessoas por aqui, vou perguntar a alguém – disse Margaret.

Ela então perguntou a uma pessoa que passava. Foi informada que Mr. Thornton vivia próximo à fábrica, e essa pessoa apontou-lhe a porta da guarita da fábrica, no fim do longo muro maciço que eles tinham notado ao chegar.

A porta da guarita era como a entrada de um jardim público. Em um dos lados havia grandes portões fechados, para a entrada e saída de veículos de carga e vagões. O porteiro os introduziu em um pátio grande e retangular. De um lado havia escritórios, para as transações de negócios. No lado oposto, uma fábrica enorme, com muitas janelas. Dali vinha o ruído contínuo das máquinas, e o longo ronco do equipamento a vapor, alto o suficiente para deixar surdas as pessoas que trabalhassem lá dentro. Oposta ao muro, ao longo do qual corria a rua, em um dos lados estreitos do retângulo, ficava uma bonita casa com telhado de pedra. Enegrecida pela fumaça, por certo, mas com a pintura, as janelas e os degraus escrupulosamente limpos. Tratava-se de uma casa construída há cinquenta ou sessenta anos, era evidente. A cobertura de pedra – as janelas longas e estreitas, em grande número – os lances de escadas que levavam à porta da frente, subindo pelos dois lados e guarnecidos de corrimãos – tudo testemunhava a sua idade. Margaret só imaginava por que as pessoas que viviam em uma casa tão boa, e a mantinham em tão perfeita ordem, não preferiam uma residência bem menor no campo, ou mesmo em algum subúrbio, em vez do contínuo movimento e barulho da fábrica. Seus ouvidos, desacostumados ao ruído, mal podiam captar a voz do pai, enquanto paravam nos degraus esperando que a porta fosse aberta. O pátio, com os grandes portões no muro maciço que limitava o terreno, era uma vista um tanto lúgubre para as salas da casa. Margaret percebeu isso quando foram conduzidos à sala de visitas, depois de subirem as escadarias antiquadas, cujas três janelas se situavam sobre a porta de entrada e o cômodo do lado direito da casa. Não havia pessoa alguma na sala. Parecia que ninguém entrava ali desde o dia em que a mobília fora coberta com todo cuidado, como se a casa fosse ser inundada pela lava para ser descoberta cem anos depois. As paredes eram douradas e rosa-escuro. O tapete tinha um padrão de buquês de flores sobre um fundo claro, mas fora cuidadosamente coberto no centro por um pano de linho, fino e sem cor. As cortinas eram de renda. Cada cadeira ou sofá possuía sua própria cobertura de tecido ou crochê. Grandes conjuntos de alabastro ocupavam as superfícies planas, protegidos da poeira por cúpulas de vidro. No meio da sala, justo embaixo do candelabro também coberto, ficava uma grande mesa circular, com livros finamente amarrados dispostos a intervalos regulares ao redor da sua superfície polida, lembrando os raios coloridos de uma roda. Tudo refletia a luz, nada a absorvia. A sala inteira tinha um aspecto tão aflitivo, com suas manchas de luz, o brilho, a alternância de luz e sombra, que impressionou Margaret desfavoravelmente. Por essa razão ela não percebeu a peculiar limpeza necessária para manter tudo tão branco e puro em tal atmosfera, ou o penoso trabalho despendido para assegurar aquele efeito de desconforto gelado e glacial. Para onde olhasse havia evidências de cuidado e trabalho, mas não para propiciar conforto ou contribuir para o hábito de tranquila ocupação doméstica. Era apenas para adorno, e para preservar os adornos da sujeira ou destruição.

Norte e Sul (1854)Onde histórias criam vida. Descubra agora