62. Torrencial

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O céu estava cinza, mas não o cinza de costume. Eram nuvens carregadas, predição de chuva. Ainda assim, eu não deixaria de avançar rumo ao meu destino. Eu havia tomado uma decisão. E eu nunca volto atrás em uma decisão.

Era um domingo à tarde e, depois de pensar bastante, decidi que teria a conversa definitiva que estava faltando para fechar esse loop da minha vida. Tentei ensaiar minhas palavras no caminho, mas não consegui.

Não tive dificuldade em passar pela portaria, pois a minha entrada já estava autorizada. Diante da porta fechada, inspirei fundo e bati. Uma cabeça com uma cabeleira cobrindo um par de olhos verdes surgiu na fresta da porta.

— Oi — cumprimentei.

— Oi, boa tarde! — Ele abriu mais a porta.

Olhava além de mim, parecendo um pouco desconfiado com a visita, mas o sorriso pequeno logo surgiu e ele abriu espaço para que eu entrasse.

— Pode sentar. Você quer beber alguma coisa?

— Não-não... Mas obrigada. — Olhei ao redor.

Diferente do dia em que estive ali com Ulisses, dessa vez, o apartamento estava impecavelmente limpo e organizado, o que me fazia pensar que a mente de Pierre estava mais organizada também.

— Eu não sou tão organizado quanto você e Ulisses, mas não sou tão bagunceiro como você viu naquele dia — disse, observando meu escrutínio em sua casa. — Pelo menos, não quando estou bem, mas confesso que não sei o que seria de mim sem a diarista que cuida aqui da casa, a dona Severina.

— Tu parece bem...

— Tô sim, tô bem melhor. Não quero romantizar minha situação dizendo que estou curado. Eu sei que leva tempo o meu tratamento, mas por hoje... Hoje, estou bem.

— Tu não sabe como isso me deixa feliz.

Ele sorriu abertamente e se sentou ao meu lado.

— Então, a que devo essa visita? — perguntou, transparecendo um tom de ansiedade.

— Eu queria conversar — respondi, olhando para o chão.

— Está tudo bem com você?

— Sim e não — falei e ele me olhou confuso. — Eu tô bem porque ultimamente percebi que preciso ajustar muita coisa na minha vida e é bom descobrir como resolver os problemas, mas o processo tem sido bem doloroso.

— Eu não sou o melhor exemplo de alguém que tem iniciativa para resolver problemas, mas sim... Dar o primeiro passo é libertador.

— Eu espero que seja, porque esse passo aqui eu demorei demais pra dar e olhe que eu não sou mulher de procrastinar.

— Lis!... — Ele pôs a mão sobre a minha. — Não se sinta pressionada por causa de mim. Você é uma mulher independente, é dona de si.

Olhando para ele, respirei fundo e falei — se eu não falasse de uma vez, sentia que aquele bolo na minha garganta terminaria por me sufocar:

— Eu... — Pigarreei. — Eu realmente gosto de tu, de verdade. Lembra quando eu prometi que ficaria contigo até o fim?

— Perfeitamente.

— Era de verdade. Eu não abandono. Nunca! Mas...

Senti um aperto reconfortante da mão dele sobre a minha enquanto ele respirava fundo.

— Mas...?

— Eu não... Eu acho que... — Pigarreei de novo. — Eu...

— Pode falar, Lis, eu tô preparado. Eu só preciso ouvir de você para ter certeza.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora