50. Rainha do Gelo

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— A empresa tá fazendo quantos anos? — perguntei.

— Quinze anos — respondeu Ulisses, olhando o trânsito à frente.

— Tu tá nela há quanto tempo?

— Há uns nove anos, incluindo meu período de estágio e como atendente.

— Tu sempre trabalhou nessa empresa?

— Eu fiz faculdade particular e meus pais se viravam nos trinta pra pagar, além das despesas que eu tinha aqui na cidade enquanto eles estavam em Santos.

— Santos é muito longe daqui?

— É no litoral. Tem praia lá. Acho que você iria gostar.

— Ah, eu quero conhecer.

— Pronto, qualquer dia te levo lá.

— É muito estranho viver num lugar que não tem praia. A pessoa se sente sufocada, olhando pra tudo que é lado e não vê o horizonte.

— Eu também me senti um pouquinho assim quando vim morar aqui. Até que no terceiro período da faculdade, eu consegui o emprego de atendente em uma das franquias e comecei a pagar minhas próprias despesas pessoais. Foi quando comecei a me sentir mais em casa aqui na capital. No último período, eles me contrataram como estagiário e, quando me formei, virei gerente dessa franquia que você trabalha.

— Tu é formado em quê mesmo?

— Administração — respondeu.

— Tu gosta?

— Muito! Desde moleque eu já sabia o que queria.

— Tu sempre fosse previsível, né? — perguntei, rindo.

— Acho que sim e, como um bom administrador, gosto das coisas organizadas.

— Então faz nove anos que tu vai pra essa festa?

— Exatamente e é sempre igual. — Ele abriu um sorriso antes de continuar: — No mesmo local, quase as mesmas pessoas, comida boa e música alta. Previsível do jeito que alguém sem graça como eu gosta.

— Ô vidinha sem sal, viu? É melhor Jesus levar!

— Falando em previsibilidade, a gente tá chegando na casa de Laura agora e vê se pega leve com ela, tá?

— O que tua vida não tem de sal tem de pimenta, né?

— Lis, é sério, eu preciso muito da sua cooperação.

— O que é que tu quer de mim, peste? Eu não vou matar tua mulher, não!

— Lis, eu te conheço! Você é muito pavio curto e debochada. Eu já disse a Laura que isso é só o seu jeito, mas ela acha que você não gosta dela.

— E não gosto mesmo, não.

— Lis, eu já tenho tanta coisa na cabeça. Vamo só ir e voltar na paz.

— Se ela não pisar nos meus calos, eu também não piso nos dela.

— Ela me garantiu que iria tratar você bem como sempre.

— Ulisses, tu é um atabacado mesmo! Acho que eu nunca conheci um cara tão atabacado em toda a minha vida.

Nesse momento, encostamos o carro. Nessa época, eu ainda não havia assistido Frozen, mas se tivesse, eu teria certeza de que fomos buscar a Elza. Foi bom mesmo eu não ter assistido, porque se tivesse, ao ver o vestido dela, eu certamente a receberia cantando: Livre estou, livre estou...

— Amiga!... Você tá linda, viu? — elogiou Laura, com os olhos vidrados no meu cabelo.

— Brigada — respondi, pensando na presilha que tia Margarida tirou do meu cabelo. Passamos alguns segundos nos olhando. — Tá esperando alguma coisa?

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora