22. O Galo

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— O que tu tá fazendo aqui, Fábio?

Ele me olhou intensamente e saiu do estabelecimento, fazendo sinal com a cabeça para que eu o seguisse. Foi o que fiz. Estávamos os dois na calçada, um pouco distantes da cafeteria, quando ele disse:

— Flor de Lis, tu é doida, é? Como é que tu pega a minha filha e some do mapa, me deixando com um número de telefone?

— Fábio, tu acha mesmo que eu pensei em alguma coisa depois de...

— Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Minha filha! Tu afastou a minha filha de mim! — disse, batendo no peito.

— Eu tô no meu direito de refazer minha vida, nojento!

— Aí tu veio simbora desembestada e não quis nem me ouvir! Mulher, eu só sabia que tu tava em São Paulo por causa do DDD!

— Como foi que tu achou o meu local de trabalho?

— A nossa filha me disse o nome da firma, a partir daí foi só uma questão de procurar. Fia, eu tava com saudade — falou, dando dois passos na minha direção.

— Fica bem longe de mim — adverti, dando dois passos para trás.

— Aquilo que tu viu não quer dizer nada, Flor de Lis. Tu é minha mulher, Maria Flor é minha filha. Vocês duas e mainha são as mulheres mais importantes da minha vida.

— E tu acha que, como a tua mulher, eu vou simplesmente me conformar em saber que meu marido vive cheio de conversinha com as raparigas no celular? Vai te lascar, vai, Fábio!

— Eu já pedi desculpa...

— Tuas desculpas e merda são a mesma coisa!

— Flor de Lis, eu nem falo mais com ela.

— E com as outras?

— Meu amor, eu vim lá da casa do caralho!... Larguei tudo. Arrumei um trabalho aqui de entregador por tu e Maria Flor. Porque eu amo vocês e quero reconstruir a nossa família.

— Pois volte pra casa do caralho, porque tu me perdeu e perdeu a minha filha quando resolveu ficar de safadeza com as tuas quengas! Só pelas mensagens ali, eu vi que tu fazia com elas coisa que nem comigo tu fazia. Fora as doenças que eu podia pegar.

— Mas é claro, você é minha mulher e mulher de casa né pra ser tratada igual mulher da rua, não. Tu eu sempre tratei com respeito.

— Isso que é respeito pra tu? Fábio, lavra daqui, vai. Fica bem longe de mim e da minha filha.

— Olha, tu não pode me impedir de ver a minha filha, não, visse? — afirmou, franzindo o cenho.

— Posso, sim! Fica longe da gente. Ouviu bem?

— Tu tais doida, é, Flor de Lis? — perguntou, cruzando os braços.

— Algum problema? — disse uma voz grave detrás de mim.

Virei-me e estava Ulisses encarando Fábio com desconfiança. Imediatamente, Fábio assumiu a postura de galo de briga. Uma postura ridícula que os homens fazem quando querem espantar outro macho, uma coisa primitiva e sem lógica.

Ele inflou o peito, abriu os braços, ergueu o queixo e engrossou a voz ao dizer:

— Problema nenhum, meu irmão! Eu sou o marido dela, tá ligado? E tu é quem?

— Eu sou só um colega de trabalho mesmo — respondeu Ulisses, que não retribuiu a postura de galo de briga como a maioria dos homens faz.

Na verdade, ele olhava para Fábio com um certo desprezo. Encarei Fábio direitinho e lembrei da frase que diz: "Ex é como roupa velha, você abre o guarda-roupa e pensa: como foi que eu saí com aquilo?".

Não que ele fosse feio, longe disso. Com 1,75m de altura, olhos castanhos, cachos escuros e cortados bem curtos, maxilar forte, pele clara, um belo sorriso e sobrancelhas espessas. O problema de Fábio era a má apresentação pessoal.

Naquele dia em especial, ele usava um par de sapatos sociais do tipo bico fino, calça jeans desbotada e rasgada nos joelhos, uma camisa verde-limão bufenta e que ele claramente guardava em uma garrafa, a barba por fazer, que seria bem sexy se o resto do trapo humano diante de mim estivesse mais apresentável, e, para terminar de completar o look, estava agarrado a um capacete com a tinta descascada e cheio de adesivos. Por alguns segundos, fiquei pensando como a tinta saiu e os adesivos se mantiveram.

— Que colega que nada! Minha mulher não tem amigo macho, não!

— Cala essa boca de bueiro, Fábio! Primeiro que eu não sou tua mulher coisa nenhuma. Tu fala como se eu tivesse casado contigo no civil. Já fiz a merda de passar sete anos contigo, não sei que espelho foi esse que eu quebrei que me deu sete anos de azar. Olha só, implicando com os meus colegas enquanto tá cheio de amiguinhas no celular, contando como tá os priquitos delas, tudo doida por essa minhoca velha e sebosa que tu carrega no meio das pernas!

Ulisses deu uma gargalhada tão ruidosa que por um momento eu me senti agradecida, pois as pessoas até então estavam olhando para aquela situação como uma confusão — não que estivessem erradas —, mas diante da risada dele, o peso da cena diminuiu um pouco.

— Flor de Lis, eu já disse que o que eu sinto por tu jamais vou sentir por elas. Eu já te pedi desculpa...

— Cala essa boca, Fábio, e lavra do meu trabalho. Não quero tu aqui, não, visse? Aqui é meu trabalho, toma vergonha nessa cara nojenta!

— Eu quero é ver a minha filha.

— Fica bem longe de Flor e de mim ou tu vai apanhar e é feio! Tu lembra da surra que eu te dei quando peguei aquelas mensagens das tuas raparigas, né? Se tu não quiser apanhar de novo, Fábio, pensa duas vezes antes de chegar perto da gente.

— Quer dizer que você bateu nele? — perguntou Ulisses, mas logo foi interrompido por Fábio.

— Flor de Lis, eu não vou desistir de tu — disse, com cara de cachorro pidão.

— Porque tu é abestalhado! Porque eu, meu amor, já tô em outra — falei, com um sorriso de satisfação estampado no rosto.

— É o quê? Tu tá pegando minha mulher, é, boy? — perguntou, voltando à postura de galo.

— Meu filho, o cara que eu tô saindo é muito mais gato do que Ulisses — interrompi.

— Êpa!...

— E quem é esse macho? Me mostre agora pra eu mostrar pra ele que tu tem dono.

— Vá lavrando daqui antes que eu desça a porrada em tu! — adverti, sentindo a ira me tomar.

— Flor de Lis...

— Vai embora!

Fábio estava furioso, mas se virou, caminhando em direção à moto. Ulisses esperou até ele dar partida para dizer:

— Vem cá, cê acha o grandão mais bonito que eu?

— Não! Tu é o maior filezinho de toda a grande São Paulo — zombei, encaixando meu braço no dele, que estava curvado para mim em um gesto cavalheiresco. — Os priquitos vão à loucura!

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora