21. Demorou Mas Chegou

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Ouvi o sino sobre a porta da cafeteria que tocava toda vez que alguém entrava no estabelecimento e meu coração deu um salto. Apressei os passos para ver se era ele quem chegava, mas era um casal feliz de mãos dadas. Soltei o ar pela boca, decepcionada.

— É o cupcake de morango que você tá esperando? — perguntou Suzy. — Claro que é. Quem mais seria?

— Amiga, tu acha que eu tenho algum problema? — questionei, apoiando os cotovelos no balcão.

— A sua língua é bem afiada, você nunca solta esse cabelo, sua cara é bem zangada e, às vezes — baixou o tom de voz —, você fecha os punhos quando fica com raiva. Tenho medo que você soque alguém. Ah, e aquela mala que você chama de bolsa...

— Minha filha! Eu só tenho defeito, é?

— Tem qualidades também — disse, rindo, enquanto terminava de preparar um cappuccino. — Você não desiste nunca, é fiel como um cão... Ah, e a sua risada é cativante. Sério, é uma gargalhada gostosa.

— Um, dois, três... — Contei nos dedos os defeitos e qualidades. — Cinco defeitos e três qualidades. Que tipo de amiga tu é?

— As qualidades superam os defeitos. Mas me conta o motivo da preocupação — pediu, apoiando os cotovelos no balcão, de frente para mim.

— Transei com Pierre.

— Foi tão ruim assim?

— Não! Foi bom, foi muito bom... Foi como um conto de fadas. Mas ele... — Não consegui terminar a frase.

— Sumiu? O filho da puta sumiu?

— Ontem de manhã, ele me deixou em casa. Passamos a noite inteira em um hotel, mas hoje... Ele não apareceu aqui.

— Ah, amiga! Pelo amor de Deus. A gente só considera desaparecido depois das vinte e quatro horas.

— Na verdade. — Olhei para o relógio de parede marcando cinco da tarde. — Faz trinta e três horas.

— Ele deve tá recuperando a energia — zombou ela, rindo. — Liga pra ele. Ou você não quer ser a primeira a ligar depois do encontro?

— Eu não tenho o número dele.

— Ah!... Se amanhã ele não aparecer, você pode ir na casa dele checar se tá tudo bem. Vai que o garoto adoeceu depois de uma noite de sexo selvagem.

— Não sei onde ele mora — respondi, olhando para a porta de entrada, ainda com esperança.

— Vocês se comunicavam por telepatia?

— Ele vinha todos os dias no fim da tarde. Era assim que combinávamos nossos encontros.

— Credo! Estamos no século vinte? Assim que vocês se encontrarem, pede o número dele, ouviu bem? Do jeito que esse mundo tá louco, não podemos confiar na comunicação por cartas ou sei lá qual maneira retrógrada acabariam escolhendo.

— Vou fazer isso.

— Se não me falha a memória, esse cliente é de lua. Às vezes, ele aparece todos os dias e, outras vezes, passa um tempo sem dar as caras.

— Eu sou muito azarada então, porque peguei ele justamente na lua minguante. Eu pensei que ele fosse um cara diferente, que fosse ao menos me procurar depois.

— Tão parados aí por quê? Vamo, vamo trabalhar! — disse Laura, batendo palmas na direção de nossos rostos.

Ulisses passou o dia fora em reunião com as outras franquias. Laura ficou encarregada de "cuidar" das coisas na ausência dele. Se Ulisses sempre foi um gerente legal, estava compensando o autoritarismo através de Laura. O nosso dia estava sendo uma tortura.

— Saindo um capuccino pra mesa cinco! — gritou Suzy. — Viu? Tô trabalhando.

— E você, Lis? Tá aqui parada por quê?

— Tava testando se tu tava mesmo supervisionando.

— Não me provoca, garota!

— Tu que não me provoca, tu é ruim de briga, murrinha — falei, encarando Laura.

— Olha só, eu não sou do seu tipo que briga por aí e você me respeita que eu não sou como o Ulisses, que é um banana pra você. Comigo, garota, é olho da rua.

— Por acaso você pode demitir, Laura? — questionou Suzy.

— Quer testar? — respondeu ela, com um semblante desafiador. — Agora, de volta ao trabalho!

Voltei para o atendimento, engolindo a vontade de mandar Laura para todos os cantos impróprios. Apesar de tudo, eu precisava daquele emprego.

— Tá limpo! — disse Tomé, com os braços cruzados. — Já limpei duas vezes, você só pode ser malu...

— Só posso o quê? — perguntou Laura.

Tomé se virou e foi em direção ao banheiro, muito provavelmente para limpá-lo de novo. Eu estava de pé o dia todo. Se nós, atendentes, nos sentássemos, Laura perguntava se estávamos em casa. Ulisses era diferente, ele deixava que ficássemos à vontade quando não havia tantos clientes na cafeteria ou quando não era nossa vez de atender. Ele até sentava com os funcionários, compartilhava momentos de lazer, sabia os nomes de todos e já saiu pelo menos uma vez com cada um fora do trabalho. Além de quê, se o fluxo estava alto, ele atendia como se fosse um de nós.

— Cês tão desocupados? — ela perguntou para mim e para outro atendente. — Se estivessem na senzala, o tratamento ia ser outro. Vamo limpando as mesas.

Olhei para Ramos, o atendente que ouvia isso ao meu lado, de pele escura.

— Eu só não te processo, porque daqui que saia a sentença, meus filhos morrem de fome — retrucou ele, se afastando.

— Tu não tem vergonha, Laura? O cara que tu tá ficando é preto também, ou tu é abestalhada? — perguntei para ela.

— Ulisses tem dinheiro ou pelo menos a família dele tem. Tá pensando que só você é esperta? Na verdade, você é mais esperta, porque aquele cliente bonitão é rico que eu sei. — Ela se virou na minha direção. — E tem mais! Ulisses não é meu fica, é meu namorado.

— Besta é ele!

— Cê tira o olho dele, ele é meu! Vamo, se mexe... Vai limpar os vidros.

— De novo? Eu consigo enxergar até a minha alma através deles — respondi, irritada.

— De novo! Limpe quantas vezes eu mandar ou eu mesma limpo usando esse seu cabelo duro.

— Só tenta!...

— Lis! — Ramos chamou.

— Oi?

— Aquele cliente ali disse que só quer ser atendido por você.

Eu virei com tudo, buscando pelo rosto familiar de Pierre, mas não...

Parado a uma certa distância de mim, de braços cruzados, estava Fábio.

— Credo, garota! Esse aí é um morto de fome. Cê caiu no meu conceito! Eu pensava que você selecionava por conta bancária, mas não, basta ser macho pra você ficar no cio.

Olhei para Fábio, perplexa. Como ele me encontrou?

— Demorei mais cheguei — disse o pai da minha filha.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora