64. Eu... Em Nome da Empresa

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Alguns dias depois, Pierre quis me encontrar no restaurante onde tivemos nosso primeiro encontro. Isso me deixou muito preocupada.

— E aí, como se sente por estarmos no restaurante do nosso primeiro encontro? No caso, o nosso primeiro encontro depois de adultos — perguntou Pierre, sorrindo.

— Pierre, confesso pra tu que eu tô preocupada. Sobre o que a gente conversou da última vez...

— Desculpa, mas eu me vejo obrigado a interromper. Sobre o que você falou naquele dia, eu só tenho a agradecer. Se ajudar, serei bem direto, como você gosta: eu estou aqui para avisar a você oficialmente que estou seguindo com a minha vida.

— Meu filho, olhe... Seja específico e claro, porque, depois daquela sua mensagem, eu fiquei tão preocupada que tu nem imagina.

— Lis... Antes de você, eu não tinha nem pelo que viver. Mas, agora, eu não só estou me tratando, como eu sei que tenho pessoas por mim, sem interesse no que eu posso fornecer materialmente e que me estimularam a fazer mais por mim. E, depois da conversa que a gente teve, eu estou vendo que eu realmente tenho que fazer mais por mim. E que seja por mim mesmo.

— Engraçado que, se eu tivesse escutado isso no passado, eu ia achar um absurdo. Que era egoísmo... Que a gente tem que pensar sempre nos outros... Essas coisas. Mas, hoje, mesmo sendo mãe, filha, sobrinha, eu também tô vendo a importância de fazer algo por si mesmo. O curso de barista mesmo é um negócio que pode ser simples pra muita gente, mas tá dando um outro significado pra minha vida.

— E esse curso de barista não acaba? — perguntou, rindo. — Parece até que você tá fazendo uma faculdade.

— Oxe, e então! Eu vi que tem muito curso que a pessoa faz num fim de semana, mas essa é uma formação completa, inclusive pra abrir a própria cafeteria, tu acredita? Além do café, tem também todo o plano de negócios, processos, marketing e vendas. E a formatura vai ser semana que vem. Eu quero muito que tu vá.

— Pois é... Sobre isso... Como eu disse pra você, eu estou seguindo em frente e, como eu sei que felizmente eu tenho muitos privilégios, decidi que vou fazer uso deles não só por mim, como também por outras pessoas que sofrem de depressão e outros transtornos psicológicos.

— Como assim? Ainda não entendi o que tu tá querendo dizer.

— Eu vou para a Europa, Lis.

— Pra Europa? De onde foi que tu tirasse isso?

— Meu pai me deixou algumas ações de empresas bem generosas, mas, além do dinheiro não ser infinito, as mudanças que o mercado tem sofrido impactam diretamente na minha liquidez.

— Tais ficando pobre, é, Pierre? Tu quer alguma ajuda? Eu agora tô trabalhando — perguntei, segurando sua mão.

— Não-não, imagina!... — respondeu, rindo. — Então, eu também tenho meu trabalho. Sou escritor, esqueceu?

— E por que tais aí chorando tuas pitangas?

— Acontece que, como eu escrevo de forma autônoma e tenho meus próprios prazos e ritmo de escrita, o que ganho como escritor nunca daria para me sustentar. Ainda mais usando pseudônimo. Mas, antes, eu não me preocupava com nada disso. Sempre fiz muitas doações anônimas e, embora nunca fosse muito extravagante com o uso do dinheiro para mim mesmo, eu estava consciente que em algum momento tanto o dinheiro poderia ir embora quanto eu poderia ir embora antes dele.

— Então tu pensou em...?

— Sim. Já pensei em morrer, mas, como disse, nunca atentei contra a minha vida. Pelo menos, não diretamente. Acho que eu meio que vivia desafiando a mim mesmo para saber por quanto tempo eu ainda estaria por aqui, mas, como eu disse, hoje tudo é diferente. Principalmente depois de ver não só a sua relação com a sua família, mesmo com todos os problemas, como também a relação de Ulisses com a família dele e como ela o acolheu nos momentos de maior dificuldade.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora