Eu estava no começo do turno da tarde, louca por um cafezinho, quando o meu celular tocou. Era tia Margarida e eu logo me preocupei, porque ela nunca me ligava à toa, principalmente quando eu estava no horário de trabalho.
— Titia?
— Lis...
— Titia, o que foi que aconteceu, pelo amor de Deus? Foi alguma coisa com Flor ou com mainha?
— Lis, eu tenho que te contar uma coisa, mas você precisa ficar calma.
— Tu sabe que nada disso tá me ajudando a ficar mais calma, né, tia? Desembuche logo de uma vez! — falei, me encostando na parede, sem conseguir trazer ar para meus pulmões.
— Hoje eu fui buscar Flor, como sempre...
— O que foi que aconteceu com a minha filha, pelo amor de Deus?!
— A professora disse que o pai dela levou ela e eu disse que não era possível, porque ele tá em Recife. Mas a professora disse que ele mostrou documento de identificação e a Flor correu para os braços dele, gritando "Painho".
— Aquele filho de uma rapariga!
— Agora eu que não tô entendendo mais nada.
— Fábio tá aqui em São Paulo, titia! Pegou foi uma carona na charrete do cão!
— Menina, como cê não me fala uma coisa dessa? — reclamou tia Margarida. — Eu tava aqui fazendo das tripas coração e sem querer dizer nada pra sua mãe pra não preocupar ela.
— E mainha, como é que tá?
— Agora ela tá melhor — respondeu minha tia.
— Tia do céu! Pelo amor de Deus, o que foi que aconteceu com mainha?
— Eu tava tentando esconder dela que a Flor sumiu, mas parece que ela tem um sexto sentido.
— Mas agora, por favor, me diga: a senhora sabe de mais alguma coisa da minha filha? — inquiri.
— Não, minha filha, não sei de mais nada.
— Pois eu vou saber é de tudo e vai ser agora mesmo. — Desliguei sem me despedir da tia Margarida.
Meu corpo tremia enquanto eu puxava o avental. Olhei para o relógio de parede, era uma da tarde e Flor largava às onze da manhã. Eu joguei o avental para Suzy, dizendo só três palavras:
— Minha. Filha. Sumiu.
Enquanto corria para a saída, pude ouvir:
— Essa mulher não para um minuto no trabalho e, quando para, é pra dar em cima dos machos.
— Vai te arrombar, Laura! — retruquei, batendo a porta.
A minha cabeça estava a mil, eu estava alheia a todo o movimento ao meu redor e esbarrava nas pessoas que passavam por mim sem me desculpar. Eu iria encontrar minha filha nem que fosse a última coisa que eu fizesse. Se ela fosse uma agulha e São Paulo um palheiro, eu era a porra de um ímã que não iria deixar pedra sobre pedra nessa cidade.
Nesse momento, percebi que não carregava a minha bolsa — na pressa, a deixei para trás.
— Vem, vamo lá pro estacionamento — ouvi a voz de Ulisses ao meu lado.
Virei-me para ele, completamente atônita. Ele me entregou a minha bolsa.
— Desculpa eu ter saído que nem uma doida do trabalho — expliquei, sacando a bolsa das mãos do meu chefe.
— Eu vi você avisando a Suzy. Eu te levo no meu carro — disse, pegando minha mão.
Agarrei na mão dele como se minha vida dependesse disso e corri com ele pelo estacionamento como se não houvesse amanhã.
— Agora me conta o que aconteceu — pediu Ulisses, dando partida no carro.
— Tia Margarida foi buscar Flor na escola e, quando chegou lá, a professora disse que Flor já tinha saído com o pai.
— Já tentou ligar pra ele?
— Eu não tenho o número daquele nojento!
— Mas cê acha que ele faria mal à sua filha?
— Eu não sei mais é de nada — respondi, sentindo minha testa doer de tanto que eu franzia.
— Pra onde você acha que ele teria levado a menina?
— Antes de tentar descobrir pra onde eles foram, bora pro lugar de onde eles saíram.
Assim que Ulisses estacionou, eu desci, correndo até os portões da escola, e perguntei à professora com a voz desesperada:
— Ele falou pra onde tava levando a minha filha?
— Não, mãe. Ele disse o nome, mostrou o documento de identificação e a garota correu, reconhecendo ele como pai.
— Como é que tu entrega minha filha assim? Como é que tu simplesmente confia em um documento? Tu tem noção do que fez? — gritei, preenchendo o espaço entre eu e a professora, tomada por cólera.
Ulisses tocou no meu ombro e eu parei para respirar, foi quando ele mesmo começou a falar:
— Da próxima vez, acho bom vocês entrarem em contato com o responsável que sempre vem buscar antes de entregarem uma criança pra alguém. Principalmente se for um homem. — Virou-se para mim, agora com a outra mão no meu outro ombro. — Vamos, Lis, vamos atrás de Flor.
Voltamos para o carro.
— Acho que tem um shopping por aqui por perto, vamo dar uma olhada por lá. — sugeriu.
Assim, passamos pelos pontos mais prováveis de para onde Fábio poderia tê-la levado.
— Será que... — começou Ulisses.
— Ele levou ela pra casa dele? — completei, sentindo meu coração sair pela boca.
— Em que parte da cidade você acha que ele pode estar morando?
— Eu não sei nem como é que esse minziguento chegou aqui.
— Lis, vê só... Já é noite e eu acho que agora dá pra gente ir na polícia.
Nunca achei que chegaria a esse ponto, mas eu iria denunciar Fábio.
— E se eles disserem que não passou vinte e quatro horas?
— A gente registra um boletim de ocorrência e eu aciono uma advogada na mesma hora — disse Ulisses.
— Então bora! — exclamei, resoluta.
— Então vamos, mas acho bom se preparar psicologicamente, porque a partir do momento que a gente acionar uma advogada, você provavelmente vai entrar no processo que vai ser um caminho sem volta.
— Pois eu entro é agora e com os dois pés. Tem como ligar agora pra tua advogada?
— Tem, deixa só encostar o carro.
Senti-me como em uma marcha fúnebre quando vi Ulisses encostando o carro.
— Pronta? — perguntou.
— Nasci pronta.
— Então vamos lá. Respira fundo... Três... Dois... Um...
TRIM
Era meu telefone tocando. Atendi no mesmo instante.
— Alô?!
— Mainha! — Era Flor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fé, Lis! Um Romance Quase Clichê
Romance🥇Vencedor em 1° Lugar no Concurso Retro Future na Categoria Comédia 🥈Vencedor em 2° Lugar no Concurso Setealém na Categoria Comédia 🥉 Vencedor em 3° Lugar no Concurso Big Bang na Categoria Romance 🥉Vencedor em 3° Lugar no Concurso Bevelstoke...