25. Agulha no Palheiro

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Eu estava no começo do turno da tarde, louca por um cafezinho, quando o meu celular tocou. Era tia Margarida e eu logo me preocupei, porque ela nunca me ligava à toa, principalmente quando eu estava no horário de trabalho.

— Titia?

— Lis...

— Titia, o que foi que aconteceu, pelo amor de Deus? Foi alguma coisa com Flor ou com mainha?

— Lis, eu tenho que te contar uma coisa, mas você precisa ficar calma.

— Tu sabe que nada disso tá me ajudando a ficar mais calma, né, tia? Desembuche logo de uma vez! — falei, me encostando na parede, sem conseguir trazer ar para meus pulmões.

— Hoje eu fui buscar Flor, como sempre...

— O que foi que aconteceu com a minha filha, pelo amor de Deus?!

— A professora disse que o pai dela levou ela e eu disse que não era possível, porque ele tá em Recife. Mas a professora disse que ele mostrou documento de identificação e a Flor correu para os braços dele, gritando "Painho".

— Aquele filho de uma rapariga!

— Agora eu que não tô entendendo mais nada.

— Fábio tá aqui em São Paulo, titia! Pegou foi uma carona na charrete do cão!

— Menina, como cê não me fala uma coisa dessa? — reclamou tia Margarida. — Eu tava aqui fazendo das tripas coração e sem querer dizer nada pra sua mãe pra não preocupar ela.

— E mainha, como é que tá?

— Agora ela tá melhor — respondeu minha tia.

— Tia do céu! Pelo amor de Deus, o que foi que aconteceu com mainha?

— Eu tava tentando esconder dela que a Flor sumiu, mas parece que ela tem um sexto sentido.

— Mas agora, por favor, me diga: a senhora sabe de mais alguma coisa da minha filha? — inquiri.

— Não, minha filha, não sei de mais nada.

— Pois eu vou saber é de tudo e vai ser agora mesmo. — Desliguei sem me despedir da tia Margarida.

Meu corpo tremia enquanto eu puxava o avental. Olhei para o relógio de parede, era uma da tarde e Flor largava às onze da manhã. Eu joguei o avental para Suzy, dizendo só três palavras:

— Minha. Filha. Sumiu.

Enquanto corria para a saída, pude ouvir:

— Essa mulher não para um minuto no trabalho e, quando para, é pra dar em cima dos machos.

— Vai te arrombar, Laura! — retruquei, batendo a porta.

A minha cabeça estava a mil, eu estava alheia a todo o movimento ao meu redor e esbarrava nas pessoas que passavam por mim sem me desculpar. Eu iria encontrar minha filha nem que fosse a última coisa que eu fizesse. Se ela fosse uma agulha e São Paulo um palheiro, eu era a porra de um ímã que não iria deixar pedra sobre pedra nessa cidade.

Nesse momento, percebi que não carregava a minha bolsa — na pressa, a deixei para trás.

— Vem, vamo lá pro estacionamento — ouvi a voz de Ulisses ao meu lado.

Virei-me para ele, completamente atônita. Ele me entregou a minha bolsa.

— Desculpa eu ter saído que nem uma doida do trabalho — expliquei, sacando a bolsa das mãos do meu chefe.

— Eu vi você avisando a Suzy. Eu te levo no meu carro — disse, pegando minha mão.

Agarrei na mão dele como se minha vida dependesse disso e corri com ele pelo estacionamento como se não houvesse amanhã.

— Agora me conta o que aconteceu — pediu Ulisses, dando partida no carro.

— Tia Margarida foi buscar Flor na escola e, quando chegou lá, a professora disse que Flor já tinha saído com o pai.

— Já tentou ligar pra ele?

— Eu não tenho o número daquele nojento!

— Mas cê acha que ele faria mal à sua filha?

— Eu não sei mais é de nada — respondi, sentindo minha testa doer de tanto que eu franzia.

— Pra onde você acha que ele teria levado a menina?

— Antes de tentar descobrir pra onde eles foram, bora pro lugar de onde eles saíram.

Assim que Ulisses estacionou, eu desci, correndo até os portões da escola, e perguntei à professora com a voz desesperada:

— Ele falou pra onde tava levando a minha filha?

— Não, mãe. Ele disse o nome, mostrou o documento de identificação e a garota correu, reconhecendo ele como pai.

— Como é que tu entrega minha filha assim? Como é que tu simplesmente confia em um documento? Tu tem noção do que fez? — gritei, preenchendo o espaço entre eu e a professora, tomada por cólera.

Ulisses tocou no meu ombro e eu parei para respirar, foi quando ele mesmo começou a falar:

— Da próxima vez, acho bom vocês entrarem em contato com o responsável que sempre vem buscar antes de entregarem uma criança pra alguém. Principalmente se for um homem. — Virou-se para mim, agora com a outra mão no meu outro ombro. — Vamos, Lis, vamos atrás de Flor.

Voltamos para o carro.

— Acho que tem um shopping por aqui por perto, vamo dar uma olhada por lá. — sugeriu.

Assim, passamos pelos pontos mais prováveis de para onde Fábio poderia tê-la levado.

— Será que... — começou Ulisses.

— Ele levou ela pra casa dele? — completei, sentindo meu coração sair pela boca.

— Em que parte da cidade você acha que ele pode estar morando?

— Eu não sei nem como é que esse minziguento chegou aqui.

— Lis, vê só... Já é noite e eu acho que agora dá pra gente ir na polícia.

Nunca achei que chegaria a esse ponto, mas eu iria denunciar Fábio.

— E se eles disserem que não passou vinte e quatro horas?

— A gente registra um boletim de ocorrência e eu aciono uma advogada na mesma hora — disse Ulisses.

— Então bora! — exclamei, resoluta.

— Então vamos, mas acho bom se preparar psicologicamente, porque a partir do momento que a gente acionar uma advogada, você provavelmente vai entrar no processo que vai ser um caminho sem volta.

— Pois eu entro é agora e com os dois pés. Tem como ligar agora pra tua advogada?

— Tem, deixa só encostar o carro.

Senti-me como em uma marcha fúnebre quando vi Ulisses encostando o carro.

— Pronta? — perguntou.

— Nasci pronta.

— Então vamos lá. Respira fundo... Três... Dois... Um...

TRIM

Era meu telefone tocando. Atendi no mesmo instante.

— Alô?!

— Mainha! — Era Flor.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora