14. Cláudio Séneca

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O Teatro Municipal de São Paulo tinha uma estrutura arquitetônica grandiosa e, naquela noite, ele estava todo iluminado.

Dei graças por ter escolhido um pretinho básico de gola alta, saltos e uma maquiagem caprichada que Suzy me ajudou a fazer. A ocasião era elegante.

— Começou a ser construído em 1903... — explicou Pierre ao meu lado. — Esse estilo arquitetônico eclético estava em alta na Europa no século XIX, daí veio a inspiração, mais especificamente na Ópera de Paris.

— É muito lindo!

— Muito mesmo. Esse é um dos cartões postais da cidade, mas foi aqui nesse mesmo local, em 1922, que houve a Semana da Arte Moderna. — Ele abriu o sorriso pequeno característico. — Foi um escândalo!

— Por quê? Tinha quadros de gente pelada, é? — perguntei, arrancando um sorriso mais amplo de Pierre.

— Além desse evento ter acontecido em um período onde havia vários problemas políticos, econômicos e até mesmo culturais, foi bem disruptivo e mal compreendido na época. Trouxe muitos conceitos diferentes para a arte e as pessoas acostumadas à vanguarda deram de cara com o modernismo. A poesia, que até então era só escrita, foi declamada; a música, que antes apresentava cantores sem acompanhamento de orquestras, apresentou, naquela semana, com orquestras.

— Só isso? Eu aqui pensando que a regra era entrar pelado no teatro.

— Foi uma nova linguagem para a arte, uma grande quebra de padrões e, como você sabe, tudo o que foge dos padrões causa um certo espanto inicial — ele disse, apoiando a mão na parte baixa das minhas costas para nos guiar até a entrada.

Pierre já tinha nossos bilhetes comprados antecipadamente, o que evitou uma das duas grandes filas. Passamos pelos tapetes vermelhos e subimos para o camarote. Visto de cima, tudo era ainda mais bonito. De onde estávamos, a vista do palco era perfeita, mas eu limitei meus movimentos quando percebi que quem estava embaixo poderia ter uma vista melhor de quem estava acima, eu não queria cometer uma gafe.

— Eu disse que você está linda? — perguntou Pierre, olhando para mim. — Não, não disse, mas isso não significa que não notei. Lis, você está deslumbrante.

Ele pegou minha mão e beijou-a, com seus olhos fixos nos meus. Todo o meu corpo respondeu àquele ato com um misto de tremor e arrepio.

— Brigada.

— Eu senti sua falta. Ver você na cafeteria não tem sido suficiente.

Tirou uma caixinha preta de veludo e mostrou para mim.

— Tu vai me pedir em casamento, é, menino? — perguntei, com os olhos arregalados.

Meu tom era de brincadeira, mas, no fundo, eu tinha uma certa expectativa de que fosse um pedido real. Ele riu e dobrou um joelho no chão e eu comecei a suar, mas ele logo se levantou, rindo.

— Ainda não, moça. Ainda não...

Eu me recompus, ajustando minha postura e tentando transparecer o mínimo de decepção possível. Pierre abriu a caixinha, deixando à mostra um colar de ouro com um pingente de flor. Lindo!

— É pra mim?

— Sim, moça bonita, é para você. Me permite? — perguntou, abrindo o fecho.

— É uma...?

— Sim, uma flor-de-lis. Símbolo de honra e lealdade, como você sempre foi.

Eu virei de costas para ele ter acesso ao meu pescoço e ele afastou os fios de cabelos soltos antes de passar o colar e prender o fecho. Por fim, plantou um beijo na região entre o meu pescoço e o meu ombro e disse em um sussurro:

— Você me faz feliz, Flor de Lis.

Eu virei de frente para ele e Pierre segurou meu queixo com delicadeza, tocando seus lábios nos meus. Um beijo delicado e carinhoso. Naquele momento, eu tive certeza de que estava completamente apaixonada por ele e, quando o seu rosto se afastou do meu, pude ver o brilho nos seus olhos e um sorriso meigo que me fez ter certeza, pelo menos naquele momento, de que era recíproco.

— Tu também me faz feliz.

— Lis, eu...

As cortinas se abriram, dando lugar ao espetáculo que se iniciava. Era um musical com orquestra ao vivo e a história, ao que me pareceu, era uma releitura de Romeu e Julieta feita por um tal de Cláudio Séneca.

Um espetáculo maravilhoso. A tragédia, a música, o canto, a dança, a atuação, o enredo. Mexiam com cada um dos meus sentidos. Eu estava imersa na apresentação e, ao final, eu não conseguia me desvincular, queria mais. Típico daquelas obras sobre as quais pensamos por vários dias.

No momento dos agradecimentos, o elenco deu as mãos e se prostrou para receber os aplausos; o mesmo aconteceu com a orquestra e a produção. Eu aplaudia de pé e assobiava com sincera admiração. O diretor, ao final, agradeceu a cada um dos integrantes do espetáculo e fez as honras ao autor da obra, Cláudio Séneca. Pierre abriu um largo sorriso nesse momento, um sorriso que eu nunca vi antes. Foi quando entendi que Cláudio Séneca deveria ser o seu nome artístico.

— Menino, vem cá, posso te fazer uma pergunta?

— Claro, minha querida...

— Esse tal desse Cláudio Séneca é tu, é?

Ele arregalou os olhos para mim.

— Como você sabe?

— Sei lá... Tu ficou rindo igual um coringa aí. Nunca te vi tão orgulhoso.

— Você é esperta. Sua filha teve a quem puxar. Sim, esse é o pseudônimo que uso nas minhas obras.

— Tu escreve peças teatrais?

— Também. Escrevo muitas coisas, mas principalmente poemas e literatura.

— Tu é famoso? Ou pelo menos o Cláudio Soneca, é?

— Claudio Séneca — corrigiu, sorrindo. — Algumas obras são famosas, sim.

— Por isso que tu é rico — falei sem pensar. — Desculpa...

— Eu... — Olhou para mim. — Meu pai era rico. Eu herdei a fortuna depois de sua morte. Tudo bem você perguntar, é importante saber com quem você está saindo, certo?

— Por que tu não assume o teu próprio nome? É tão ruim assim?

— Não é ruim, eu só não gosto de exposição. Às vezes, eu preciso do meu canto, do meu próprio espaço e, de certa forma, eu me sinto um super-herói. Com o alter ego, eu posso ser, fazer e falar tudo o que eu quero, com a liberdade de comprar pães no Bexiga sem medo de paparazzis. — Deu uma risadinha. — Já pensou que muita gente que passa por você na rua pode ser alguém que você admira e nem sabe.

— Eu acho que eu ia querer um reconhecimento do meu trabalho, principalmente se eu fizesse uma obra de arte como essa aí.

— Tem certeza que queria expor sua mãe, filha, tia e demais pessoas que você conhece? Ficar à mercê de haters, botar em risco a sua própria segurança e a das pessoas que você ama? Ou simplesmente tirar uma foto com alguém na rua em um dia que você não está bem?

Nesse momento, um filme passou pela minha cabeça, com a minha família, meu trabalho nada glamouroso, meus amigos... Foi quando percebi que, na verdade, eu era muito mais rica do que eu imaginava.

Fé, Lis! Um Romance Quase ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora